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“O que você vai ser quando crescer?” é a pergunta que ouvimos com pouca idade e que seguimos fazendo para nossas crianças e adolescentes. Síntese de uma mentalidade que sempre aponta para o futuro e deixa de viver o presente, o questionamento dá título à […]
Publicado em 14/09/2023
“O que você vai ser quando crescer?” é a pergunta que ouvimos com pouca idade e que seguimos fazendo para nossas crianças e adolescentes. Síntese de uma mentalidade que sempre aponta para o futuro e deixa de viver o presente, o questionamento dá título à crônica do professor e escritor Daniel Munduruku, que o próprio autor apresentou no painel de abertura do evento Socioemocional na Escola, promovido pela revista Educação hoje, 14, no Teatro Fecap, em São Paulo.
“Nunca ouvi essa pergunta na aldeia, não lembro da minha mãe, pai ou qualquer adulto sugerir que eu precisava crescer e ser alguma coisa. Ali, eu já era alguém: uma criança. Foi na escola que me perguntaram isso pela primeira vez”, relembra o educador e pós-doutor em literatura.
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Com essa fala, Muduruku contesta o formato pedagógico hegemônico que prevalece no ensino do país desde a colonização para propor uma pedagogia do pertencimento que se faz a partir do sentido de ser parte da natureza. A inspiração para esta nova forma de ensinar e aprender é o modo de vida indígena que considera os elementos da natureza como parentes (terra mãe, rio avô, animais primos), o que torna o mundo uma comunidade única e solidária, uma espécie de família. Mas para ser família é preciso cuidar.
“Se você não abandona a natureza, se sente pertencente a ela. E é ela, o tempo dela que deve guiar nosso modo de viver, não o tempo do relógio, da produção. Mas a sociedade nos ensina que é preciso manter a ordem estabelecida pelo sistema: os muito ricos com todo o dinheiro e os muito pobres sustentando os primeiros. Se queremos manter essa ordem, não podemos reclamar do aquecimento global, da destruição do planeta”, provoca Munduruku.
Aplicar essa pedagogia do pertencimento, de acordo com o escritor, passa por mudanças internas dos próprios educadores e suas crenças individuais. Segundo ele, é preciso que cada um se pergunte: “qual ‘índio’ (e uso este termo justamente para refletirmos) mora dentro da gente e qual ‘índio’ sai para fora nos nossos projetos pedagógicos? Como desconstruo a tatuagem colonial que está na minha formação na hora de educar?”.
No painel, a desvalorização dos educadores foi apontada por Munduruku como um projeto para manter a ordem. “Nós, professores, cumprimos um papel muito relevante, ainda que a sociedade não nos leve a sério: alimentamos os sonhos das novas gerações, damos a possibilidade de os jovens acreditarem em si mesmos como capazes de promover as mudanças que precisamos. Por isso, devemos seguir a profissão de fé na humanidade que é o nosso trabalho”, incentiva.
Sem diminuir as dificuldades e entraves que a proposição de mudanças no modo hegemônico de ensinar contém, o escritor propôs iniciar esta caminhada de um lugar familiar: o mundo interno de cada educador. “Modificar estrutura é difícil de pensar, inclusive a estrutura escolar, mas se mudamos por dentro, pequenas transformações vão acontecendo. A gente muda uma coisinha aqui, outra ali e a estrutura nem vai sentindo”, acredita Munduruku.