ARTIGO
Quando um professor tenta ensinar alguma coisa tem de pressupor que aquilo é importante e vai fazer uma diferença na vida do seu aluno. Caso contrário, seu trabalho não terá sentido. Assim, deve ter a curiosidade de saber sobre o destino das informações e habilidades […]
Quando um professor tenta ensinar alguma coisa tem de pressupor que aquilo é importante e vai fazer uma diferença na vida do seu aluno. Caso contrário, seu trabalho não terá sentido. Assim, deve ter a curiosidade de saber sobre o destino das informações e habilidades que tentou ensinar. O que aconteceu com elas?
Quero sugerir um método, valendo-me para isso de uma metáfora. Imagine que você resolveu se dedicar ao negócio de fabricação de salsichas. Para transformar carne em salsichas há uma máquina. Numa das extremidades da máquina coloca-se a carne. Aperta-se um botão. A máquina se põe a funcionar. Na outra extremidade, saem as salsichas, prontinhas. Para avaliar se a máquina é comercialmente vantajosa basta comparar o peso da carne que foi colocada no funil de entrada com o peso das salsichas produzidas. Se 100 quilos de carne foram colocados na entrada e saíram 95 quilos de salsicha, a máquina é ótima. Mas se só saírem 10 quilos de salsicha, a máquina não presta.
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Imaginei que se poderia avaliar o desempenho das escolas – uma alternativa ao Enem – por meio de um exame elaborado segundo o modelo da máquina de salsichas. O objetivo seria comparar o que entrou com o que ficou. Frequentei escolas por 17 anos: quatro anos no curso primário, um no curso de admissão, quatro no ginásio, três no curso científico e cinco no curso superior. Multipliquei o número de meses, pelo número de dias, pelo número de horas, pelo número de anos: cheguei ao número 16.320 – o número de horas que passei sentado em carteiras ouvindo as coisas que os professores tentavam me ensinar. É claro que esse número deve estar errado. Seja. De qualquer forma, é muito tempo de vida nos bancos escolares. O que sobrou? O exame seria assim:
Primeiro: o programa seria constituído de tudo, absolutamente tudo que se pretendeu ensinar nesses 17 anos, do primeiro ao último ano.
Segundo: aqueles que farão o exame não assinarão os seus nomes porque o que se procura não é o desempenho individual, mas o desempenho da máquina escolar.
Terceiro: será proibido haver cursos preparatórios para tais exames. Será proibido também recordar a matéria. O propósito do exame seria abortado porque o aprendido é aquilo que fica depois que o esquecimento fez o seu trabalho. O exame que proponho quer saber o que sobrou depois do esquecimento.
Eu me sairia muito mal. Não me lembro das classificações das rochas. Lembro-me dos nomes “dolomitas” e “piroclásticas”, mas não sei o que significam. Esqueci-me do “crivo de Erastóstenes”. Não sei fazer raiz quadrada. Não sei onde se encontra a serra da Mata da Corda. Também me esqueci das dinastias dos faraós e dos nomes dos imperadores romanos. Lembro-me do princípio de Arquimedes, mas não sei a lei de Avogadro. Não aprendi latim. E tudo isso era matéria de classe… Acho que dos 100% de saberes que as escolas tentaram enfiar dentro de mim só sobrariam uns 10%. Você depositaria suas economias mensalmente, num fundo de investimento, por dezessete anos, se você soubesse que depois desses 17 anos receberia só 10% do que você depositou?
Alguns concluirão que a culpa é dos professores. Outros que é dos alunos. Não creio que a culpa seja dos professores ou dos alunos. Acho mesmo é que a culpa é da carne que se põe na máquina: ela está estragada. As salsichas cheiram mal. O nariz as reprova. Concluo: a performance das escolas melhorará se a carne estragada for substituída por uma carne que produza salsichas apetitosas…
*Esta crônica foi publicada na revista Educação e faz parte do e-book com textos escritos por Rubem Alves no período em que ele foi colunista desta publicação. O e-book foi organizado pela sua filha caçula, Raquel Alves.