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Entrevistas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 10/09/2011

Investimento no professor

Diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura aponta valorização docente como uma das ações responsáveis pela melhoria da qualidade do ensino em seu país

Até 1965, ano em que Cingapura, um pequeno país localizado no sudeste da Ásia, deixou de ser colônia britânica, nada foi feito em prol da educação. Pelo contrário: a população amargava índices altos de analfabetismo e desemprego. Em 46 anos, o cenário mudou. O sistema de ensino de Cingapura é conhecido hoje como um dos melhores no mundo. Entre os países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 2009, Cingapura está em quinto lugar em leitura, segundo lugar em matemática e quarto lugar em ciências. Para avançar na qualidade de ensino, o país investiu fortemente na capacitação de professores, que é realizada pelo Instituto Nacional de Educação de Cingapura, órgão ligado ao Ministério da Educação. Sob o comando de Lee Sing Kong, 57 anos, o Instituto treina professores para ensinar estudantes desde o ensino fundamental até o ensino médio. Em entrevista concedida à editora Beatriz Rey , Lee, que é horticultor e professor de Ciências Biológicas da Universidade Tecnológica de Nanyang, conta a história da reforma educacional e explica como são estruturados os cursos de formação. Além disso, defende a necessidade de recrutar docentes que dominem as disciplinas que lecionam. “Como um professor de matemática pode ensinar a disciplina sem conhecê-la?”, questiona. O diretor esteve em São Paulo por ocasião do evento “Escola de Alto Desempenho – II Seminário Internacional de Práticas Inovadoras para a Educação”, promovido em abril pela Vitae Futurekids – Planeta Educação.

O sr. poderia nos contar sobre a reforma educacional realizada em seu país?
Somos uma nação jovem sem muitos recursos naturais. Nosso único capital é o humano. Em 1965, a taxa de alfabetização era muito baixa e o índice de desemprego, muito grande. Naquele momento, a prioridade era a alfabetização, porque as pessoas precisavam adquirir habilidades para serem contratadas. Na primeira fase da reforma (1965-1979), nós estávamos tentando sobreviver como nação. Já na década de 80, era preciso fazer com que o país crescesse. Por isso, decidimos convidar empresas internacionais para que investissem em Cingapura. Foi uma fase altamente industrializada. Nesse período, a demanda não era só por pessoas alfabetizadas, mas que também dominassem conhecimentos e habilidades técnicas. Entretanto, precisávamos resolver outro problema, já identificado nos anos 60: a alta taxa de evasão. Descobrimos que mais de 10% dos alunos não completavam dez anos de escolaridade. Como a população é pequena, o percentual é considerável. Percebemos, então, que os alunos tinham ritmos diferentes de estudo. Se você coloca todos na mesma sala, os mais lentos ficam desmotivados e acabam deixando a escola. Optamos por encaminhar os estudantes a grupos diferentes. Aqueles que são muito bons seguem para escolas tradicionais, com programas mais autônomos. Os alunos mais lentos são designados para escolas específicas, onde podem ser beneficiados com um currículo mais customizado e cuja base são atividades práticas. Essa estrutura foi adaptada a todas as etapas educacionais.

Mas não se cria um estigma com essa separação?
As pessoas pensavam que seria o caso. Na realidade, a divisão dá ao professor a chance de adotar tipos diferentes de ensino. Os mais rápidos podem seguir num ritmo normal. Para os mais lentos, oferecemos atividades específicas. Não há um estímulo apenas intelectual, mas também da prática, porque eles aprendem quando fazem. Um exemplo: o professor desse tipo de escola descobre que um grupo de alunos adora andar de esqui. Se ele diz que a velocidade é o tempo sobre o espaço, os estudantes entendem o que ele quer dizer. O docente, então, os leva para andar de esqui e pede a eles que meçam a distância e o tempo que andaram. Por fim, explica o conceito de velocidade. O fato de eles terem participado da experiência faz com que aprendam. Não são alunos que não podem aprender. Eles podem, mas precisam de atividades diferenciadas. A política de estabelecer diferentes “fluxos” de ensino fez com que a taxa de evasão caísse para quase zero.

E qual é a terceira fase da reforma?
O mundo mudou de uma economia de base industrial para uma economia cuja base é o conhecimento. Nesse novo cenário, a aplicação do conhecimento pode gerar valor. O governo passou a olhar para o potencial de cada criança. De 1996 até hoje, temos a educação voltada para as habilidades, ou seja, identificamos e desenvolvemos as habilidades de cada criança. Há um incentivo para que elas pensem, sejam curiosas e tenham oportunidades de mostrar seus talentos. Se o aluno é muito bom em artes, haverá aulas da disciplina disponíveis para ele, além do currículo básico. Os alunos são estimulados a sair do processo de aquisição do conhecimento para o de inovação.

Um dos pilares da reforma foi a instituição do respeito social ao docente. Como ele foi construído?
Na Finlândia e na Coreia, esse respeito é cultural. Naqueles países, a sociedade tem essa postura porque acredita que os professores são pessoas honradas e importantes para o desenvolvimento da criança. Como Cingapura é uma nação recente, o respeito não era grande no começo dos anos 90. A docência era uma das profissões menos escolhidas por quem se formava no ensino médio. O governo imediatamente reconheceu que a educação não alcançaria progressos sem bons professores nas salas de aula. Era necessário atrair os melhores candidatos e dar a eles formação mais consistente. Para começar, o salário do professor iniciante foi equiparado ao de engenheiros e contadores em começo de carreira.

Quanto ganha um professor iniciante?
O valor não faz diferença. É a mensagem que importa: ser professor é tão importante quanto ser engenheiro. O segundo passo foi investir na carreira docente. Hoje, há quatro etapas de carreira para o professor que leciona em sala de aula: inicial, sênior, líder e master . O master pode ganhar tanto quanto um vice-diretor. O governo também identificou que há professores bons em desenho de currículo e avaliações. Agora, eles podem ser promovidos para atuar nessas áreas. Além disso, os professores que têm talento podem ser diretores ou vice-diretores. O último passo para criar o respeito foi esclarecer o significado da profissão porque a sociedade não entendia o que um professor fazia. Sabíamos que ele acordava, dava aula e voltava para casa. Nós definimos seu papel e contribuição social, que se resumem em uma frase: o professor molda o futuro da nação, porque as crianças são justamente o futuro do país. Quão mais nobre uma profissão pode ser? Mas também era preciso fazer com que as pessoas soubessem mais sobre o trabalho deles. Passamos a divulgar mais pesquisas e relatórios para a imprensa. O objetivo era fazer com que esses profissionais fossem vistos com bons olhos. Por exemplo: se nossos professores produzem um novo modelo de ensino para crianças com necessidades especiais, enviamos material sobre isso à mídia. Há dois anos, foi feita uma pesquisa com a população para descobrir qual profissão contribuía mais com a construção da nação – a docência foi eleita a primeira. Além disso, o número de candidatos por vaga no Instituto Nacional de Educação de Cingapura aumentou. Em 1991, tínhamos 6 vagas para 4 candidatos. Nesse ano, tenho uma vaga para 5 candidatos.

Vocês utilizaram a política de bonificação por desempenho para melhorar a carreira docente?
Não há por que usar a bonificação por desempenho ou o ra
nking. Se você olhar os mel
hores sistemas educacionais do mundo (a consultoria McKinsey já fez isso) e questionar os fatores que causaram esse sucesso, chegará a três conclusões. Em primeiro lugar, a qualificação de professores e diretores é alta. A qualidade do sistema educacional não pode exceder a de seus professores. A segunda conclusão é o impacto do ensino em sala de aula – se o professor ensina bem, o desempenho dos alunos será bom. Por último, é preciso estabelecer os objetivos educacionais em questão. Se você quiser iniciar uma viagem, precisa saber para onde está indo. O aluno deve ter clareza sobre aonde a educação o levará. Mas eu diria que a chave é ter bons professores e diretores – são eles os responsáveis pelo funcionamento de toda a rede.

Quais os caminhos para quem deseja ser professor em Cingapura?
Um aluno do ensino médio que ainda não se decidiu pela carreira docente vai à universidade e escolhe uma área para estudar, como biologia. Caso ele posteriormente opte pela docência, deve se candidatar a uma vaga no Instituto Nacional de Educação de Cingapura. O processo seletivo envolve dois critérios: aptidão e demanda. Os candidatos participam de entrevistas com educadores experientes, que os questionam: você gosta de interagir com crianças? Por que você escolheu ser um professor? Além disso, levamos em consideração as diferentes demandas das escolas. Se há maior necessidade por professores de matemática, essa é a preferência. Os selecionados participam de um treinamento de um ano no Instituto. Se um aluno do ensino médio já decidiu que quer ser professor logo no início, ele  participa de um processo de seleção no mesmo órgão. Será analisado em quais disciplinas o aluno teve as melhores notas, para que ele já seja direcionado a uma área em que pode lecionar futuramente. O curso dura quatro anos e dá um diploma de bacharelado em educação.  

Como o currículo do bacharelado em educação é construído?
Nosso modelo de ensino é chamado de “modelo VHC”. O “V” é para valores, o “H” é para habilidades e o “C”, conhecimento. Um dos valores que incutimos nos professores durante a formação é: “eu acredito que toda criança pode aprender”. Com essa perspectiva, o docente não vai negligenciar aqueles que demoram em aprender. Pelo contrário: vai buscar uma abordagem pedagógica diferente, que se encaixe com o perfil deles. Da mesma maneira, o aluno no Instituto é equipado com diversas metodologias de ensino, inclusive as habilidades tecnológicas, para que eles usem a tecnologia no momento certo. A ideia é que ele chegue à escola, encontre  um perfil específico de aluno e saiba o que fazer.  O docente também precisa dominar seu objeto de ensino. Como um professor de matemática pode ensinar a disciplina sem conhecê-la? Então, há aulas para as disciplinas específicas. Há um outro componente no currículo chamado de  “estudos educacionais”, que trata de psicologia e educação. O objetivo é ajudar os futuros docentes a entender os perfis diferentes de alunos. Por último, há a prática, feita em parceria com as escolas. Se um aluno passa um ano conosco, será obrigado a ficar dez semanas dentro de sala de aula.

Por que isso é tão importante?
É preciso fazer um balanço entre teoria e prática. Isto é, se você tem todas as teorias, sabe os porquês, mas não sabe como trabalhar. Nas escolas, os professores mais experientes supervisionam aqueles que estão em período de aprendizagem. Quando um estagiário ensina de uma maneira inadequada, o mais experiente o orientará.  É dessa maneira que formamos um professor confiante. Quando ele entrar em uma escola, a sala de aula não será nova para ele.

Qual a postura do governo em relação aos professores considerados ineficientes?
Se você leciona em uma de nossas escolas, é avaliado pelo diretor e por departamentos responsáveis. Essa avaliação não é feita com base em um teste; há uma série de critérios, como o nível de formação. O Ministério oferece diversas oportunidades de desenvolvimento. Se em três anos o professor não apresentar melhoras, é melhor que se vá. Ele é demitido.


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