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Educação Infantil

Bem na foto

Reconhecido como um exemplo avançado de educação infantil na América Latina, Brasil ainda enfrenta desafios com a qualidade e oferta educacional nos primeiros anos de vida

Publicado em 10/09/2011

por Juliana Holanda


País aposta nas creches e pré-escolas na instância educacional, e não em programas que contam com o apoio da família

Entre os países latino-americanos, o Brasil é visto como o detentor da legislação e a política educacional mais avançadas do continente. O entendimento da educação infantil como primeira etapa da Educação Básica e a concepção de desenvolvimento das possibilidades e competências das crianças a partir de seus modos específicos de aprendizagem são reconhecidos como um exemplo a ser seguido. Entretanto, é consenso que o principal desafio brasileiro é o mesmo de seus vizinhos: oferecer o acesso à educação desde os primeiros meses de vida e superar o desafio da qualidade.

Hoje, das 12 milhões de crianças brasileiras de até 3 anos, menos de 20% estão matriculadas na educação infantil. Entre a população rural, essa taxa cai para 8%. Considerada prioridade pelo atual governo, a primeira infância ganhou metas específicas no Plano Nacional de Educação (PNE), em discussão no Congresso Nacional. O intuito é elevar o atendimento dos 0 aos 3 anos para 50% e universalizar o acesso dos 4 aos 5 anos até 2020. Segundo dados oficiais, atualmente 80% das crianças de 4 aos 5 anos estão matriculadas em pré-escolas. Entre a população dos territórios rurais, esse número cai para menos de 60%.

Além do desafio da inclusão, há ainda o desafio da qualidade. Segundo pesquisa da Fundação Carlos Chagas encomendada pelo Ministério da Educação, quase 50% das creches e 30% das pré-escolas analisadas encontram-se em situação inadequada em diversos quesitos, como mobi­liário, interação e atividades em sala. Apenas 1,1% das creches e 3,6% das pré-escolas foram classificadas no nível “bom”. “Precisamos avançar muito na qualidade”, admite Rita Coe­lho, coordenadora geral de educação infantil do Ministério da Educação. Mas ela vê avanços. “Quem atua na educação infantil há mais de 20 anos percebe que a integração da educação infantil ao sistema educacional é um divisor de águas”, pontua.

A professora do Departamento de Educação da PUC-RJ Sônia Kramer concorda. Ela lembra que há 30 anos, dos 21 milhões de crianças brasileiras de 0 aos 6 anos, apenas 3,51% frequentavam instituições de educação infantil, incluindo a rede particular. Para ela, os avanços são resultado de um “expressivo” movimento social, de profissionais das mais diferentes áreas do campo educacional, associado ao aumento da pesquisa acadêmica para essa etapa de ensino. “É um aspecto muito interessante, que dá a essa etapa da educação básica uma expressiva diferença pela articulação dessas três instâncias da sociedade”, acredita.

Os marcos legais também colocam o Brasil em destaque em relação aos países vizinhos. O direito universal à educação para crianças de 0 a 6 anos, reconhecido ainda na Constituição de 1988, a confirmação da educação infantil como primeira etapa da Educação Básica, na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a incorporação recente da primeira infância nos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil são considerados exemplos. “Temos no país o que chamamos de opção brasileira pela educação infantil de forma institucionalizada. Muitos países fizeram programas de “mãe crecheira”, com o uso da família no projeto de expansão. A opção brasileira, na qual aposto, é pelas creches e pré-escolas na instância educacional”, diz Sônia.

Sem consenso
A unanimidade acaba, entretanto, quando se trata da aprovação da Emenda Constitucional 59/09 que, entre outras medidas, instituiu a obrigatoriedade de matrícula/frequência de crianças de 4 e 5 anos na pré-escola. Aprovada em 2009, a emenda tem até 2016 para ser colocada em prática em todo o país. O próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, tem dito que a universalização dessa faixa etária deve ser alcançada em 2020, como prevê o PNE.

As principais críticas à adoção da obrigatoriedade estão relacionadas à falta de discussão ampla sobre o tema – a emenda tratava, na verdade, da Desvinculação de Recursos da União (DRU) para a educação -, à possível confusão entre obrigatoriedade de oferta e de matrícula e à desconfiança de que a obrigatoriedade seja atingida ao custo da falta de qualidade. No estudo “Uma Tragédia Anunciada: Educação Pré-Escolar Obrigatória”, a professora de psicologia social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fúlvia Rosemberg faz um levantamento da obrigatoriedade da educação pré-escolar na América Latina e em outros países do mundo. Sua conclusão é a de que a obrigatoriedade não elimina iniquidades regionais, rural-urbanas, de renda domiciliar per capita e de contexto étnico no acesso à educação pré-escolar e na qualidade da oferta, um dos principais argumentos para a adoção da medida.

A pesquisadora levanta, ainda, a hipótese de que a emenda possa ser interpretada como uma obrigação dos pais de matricularem seus filhos na escola. E a de que a não especificação da matrícula aos 5 anos na educação infantil possa levar à matrícula no ensino fundamental. Rita Coelho, do MEC, garante que nenhum dos dois casos é factível. “Não estão previstas penalidades para os pais que não matricularem seus filhos, já que o Código Civil não foi alterado. Não iríamos penalizar uma criança que já foi penalizada. A motivação da obrigatoriedade é pela busca de igualdade de oportunidades”, diz Rita.

Segundo a coordenadora do MEC, o Conselho Nacional de Educação já se posicionou com inúmeros pareceres sobre a faixa etária para a matrícula e, do ponto de vista da legislação educacional, não há uma idade “vazia”, o que minimiza a questão da matrícula de crianças abaixo dos 6 anos no ensino fundamental. Mas ela admite que algumas promotorias, como dos Estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, têm concedido liminares para permitir que os pais possam matricular crianças abaixo dos 5 anos no ensino fundamental. “Mas isso tem a ver com uma ansiedade dos pais, que entendem como vantajoso para a criança, quando todas as pesquisas mostram que isso não é verdade”, argumenta.

Roselane Fátima Campos, professora do departamento de Metodologia de Ensino/Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, receia que medidas que visem apenas a ampliação do acesso criem falsas ideias sobre democratização da educação infantil. “Deveríamos ter aprendido com as lições da ampliação quantitativa do ensino fundamental durante a década de 1990: ampliar com recursos reduzidos significa oferecer educação de péssima qualidade. Democratizar implica ampliar consideravelmente os recursos para a educação infantil”, defende.

Construir para incluir
Para enfrentar a busca pela universalização dos 4 aos 5 anos e a ampliação do acesso de 0 a 3 anos, os municípios têm recorrido à construção de novas escolas e à ampliação das já existentes. Para isso, contam com o ProInfância, programa que repassa recursos para a compra de mobiliário e construções arquitetônicas, desenhadas para o desenvolvimento pleno das crianças. De qualquer forma, a naturalmente reduzida capacidade de atendimento nos primeiros anos de vida mostra que o desafio é hercúleo. “É impossível universalizar a faixa de 0 a 3 anos. Só o poder público não dá conta. É o nosso maior gargalo, por isso o ProInfância foi importante”, admite a assessora especial da Secretaria Municipal de Educação do município de Mauá, em São Paulo, Lairce Rodrigues de Aguiar.

A Escola Municipal Professora Patrícia Martinelli Ferreira Panigalli, inaugurada em setembro de 2010, nos moldes do ProInfância, em Mauá, atende  252 crianças de 0 a 5 anos. As escolas do programa são menores do que as normalmente utilizada
s pelos municípios, que podem chegar a até m
il crianças. Lairce faz a conta: a Patrícia Martinelli tem oito salas de aula, sendo que cada uma atende 12 alunos de 0 a 3 anos. “Então, para conseguir atender à demanda é muito difícil.”

Outra saída dos municípios são os convênios com entidades conveniadas, que recebem repasse de verbas para atender de 0 a 3 anos. Segundo Lairce, as entidades são acompanhadas por um educador, que dá assessoria e acompanhamento pedagógico à rede. Mesmo assim, em termos quantitativos os convênios também não ajudam muito – os cinco convênios existentes atualmente em Mauá atendem 570 crianças. Da faixa etária de 0 a 3, o município é responsável por um total de 2.917 crianças, incluindo as  conveniadas.

Na outra ponta, estão as escolas privadas, que aproveitam para ocupar o espaço de demanda. Das cerca de 70 escolas de educação infantil em Mauá, apenas dez têm autorização de funcionamento. As demais estão no processo de regularização de documentação. Desde 2009, cerca de três escolas particulares foram fechadas. Mesmo com as dificuldades, Lairce acredita que o modelo de parceria entre público e privado funciona. “A relação com as escolas particulares não é fácil, mas estamos quebrando essas barreiras e nos colocando mais como parceiros do que fiscalizadores. Brincamos que, a cada dia, surge uma nova escola em uma área de periferia. E quando fechamos, temos de oferecer alternativa de vagas.”

Formação de professores
Sônia Kramer, da PUC-RJ, que também vê na obrigatoriedade eventuais problemas como a falta de condições para atender à meta tão rápido, acredita que o ponto central da discussão está na formação dos professores e gestores que lidam diretamente com a educação infantil. Também coordenadora do curso de especialização em educação infantil da PUC-RJ, que existe há 18 anos, Sônia vê nos concursos públicos municipais um dos principais gargalos para a qualidade da educação infantil. “Muitos municípios não fazem concursos públicos específicos para essa etapa educacional. Em geral, quem assume é o professor que faz o concurso para educação fundamental e é alocado na educação infantil”, observa.

Outro desafio é a articulação com outras etapas de ensino, principalmente o ensino fundamental. “A obrigatoriedade precisa significar qualidade na educação infantil, assim como no ensino fundamental, que nós universalizamos, mas apresenta problemas muito graves. Se não for com uma oferta de qualidade, não vai beneficiar as crianças”, diz. De alguma forma, todas essas questões passam pela qualidade da educação ofertada. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil são reconhecidas como um documento importante para enfrentar a questão. Segundo educadores, elas têm o mérito de estarem baseadas em dois grandes eixos: a brincadeira e a interação e a adoção da criança como ponto de partida, em todas as suas dimensões, visando o seu desenvolvimento integral.

Patrícia Corsino, professora da faculdade de Educação da UFRJ, observa que as diretrizes foram construídas com base num intenso diálogo entre a universidade e os profissionais que lidam diretamente com a criança, na busca de “um processo dialógico entre o professor e as crianças, em que as culturas infantis são instituídas e construídas nas relações”. Mas ainda há desafios na prática, principalmente no que se refere ao entendimento do papel da escola, como um agente distinto que vai além dos laços familiares, tão importantes na primeira infância. “A educação infantil é importante ao fazer a diferença para a criança, permitir que ela saia da sua própria referência, da família. A escola que não considera a cultura infantil e da comunidade fica com a cultura escolar empobrecida. A formação escolar é fundamental, e junto com isso precisamos dar condições que possibilitem as interações entre as crianças e os adultos.” Eis um desafio que não é só do Brasil, mas de todo o continente.

 

Taxa de Escolarização por regiões e no mundo (2007)
Mundo: 42,1%
Leste Asiático e Pacífico: 15%
África Subsaariana: 47%
América do Norte e Europa Ocidental: 80,9%
América Latina: 65%
Caribe: 74%
Estados Árabes: 19%

O custo da manutenção
Para tentar enfrentar a dificuldade de capilarização da educação infantil nos municípios brasileiros, o Ministério da Educação instituiu o ProInfância, programa que destina recursos para os municípios construírem escolas de acordo com os parâmetros instruídos pelo Ministério. As diretrizes dos projetos arquitetônicos são bem específicas, e as construções incluem biblioteca, solário, espaço para brincadeiras, e especificações técnicas para mobiliário e equipamentos. Em 2010, foram celebrados convênios para a construção de 628 escolas de educação infantil. Além disso, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) transferiu recursos para mobiliar e equipar 299 creches. Para 2011, a previsão é de investir na edificação de 1.500 escolas, no âmbito da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).

Além do projeto arquitetônico voltado para o pleno desenvolvimento das crianças, o ProInfância também se distingue por oferecer escolas menores em relação ao que os municípios normalmente oferecem. Para a secretária adjunta de Educação do município de Presidente Prudente, em São Paulo, Sônia Pelegrini, isso é uma vantagem. “Percebemos que espaços com menos crianças dão mais resultado”, descreve. Inaugurada em fevereiro deste ano, a Escola Municipal Vovó Silvéria atende 150 crianças de 0 a 5 anos. Além de o espaço estar alinhado às diretrizes pedagógicas, com divisão entre berçário e as crianças maiores e móveis projetados para os pequenos, Sônia define a escola como “muito bonita”. “As outras diretoras estão com inveja das que estão lá”, brinca.

A secretária de Educação de Presidente Prudente, Ondina Barbosa Gerbasi, atenta, entretanto, para outro fator: o custo da manutenção das escolas, que ela estima ser da ordem de R$ 1 milhão por mês para cada 100 crianças. “O berçário representa o custo mais alto da educação infantil. Além disso, a capacidade de atendimento por professor é reduzida”, lembra. A assessora especial da Secretaria Municipal de Educação de Mauá, Lairce Rodrigues de Aguiar, diz que o município fez a adesão ao ProInfância por causa dos recursos, mas também por conta do investimento pedagógico. “O MEC faz um auxílio pedagógico, o que para nós é muito bom, principalmente na construção e auxílio na formação de professores.”

Autor

Juliana Holanda


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