NOTÍCIA
Projeto de lei enviado pelo governo é o que mais recebeu emendas na Câmara desde a Constituinte; novo PNE só deve entrar em vigor em 2012
Publicado em 10/09/2011
Tramitação do PNE: Senado deve criar comissão especial para análise do projeto |
A atuação dos lobistas no Congresso Nacional não é novidade. Circulam pelos corredores das comissões e gabinetes das duas Casas legislativas de olhos nos projetos importantes em tramitação relacionados aos interesses que defendem. Aproximam-se de parlamentares e de seus assessores para impedir – ou incentivar – que mudanças na lei sejam aprovadas. Não foi diferente quando, no final do ano passado, chegou ao Congresso o projeto de lei que servirá como base para o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2010-2011). Movimentos sociais, entidades de classe e grupos que defendem bandeiras ou setores específicos da educação começaram a se organizar para tentar mexer na proposta formulada pelo Executivo. Ainda no recesso parlamentar do início do ano, começaram a se movimentar para apresentar aos deputados propostas para incluir ou retirar do texto questões específicas, ligadas aos interesses dos setores que representam. O resultado é que desde a Constituinte de 1988 nenhum projeto de lei em tramitação na Câmara recebeu um número tão grande de emendas. Agora é o relator da matéria, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), quem terá a difícil e trabalhosa tarefa de analisar, uma a uma, as 2.906 emendas apresentadas.
O projeto do PNE apresentado pelo governo estabelece 20 metas educacionais que o país deverá cumprir até o fim da década. Sua formulação levou em conta as decisões dos mais de três mil delegados que se reuniram em março do ano passado em Brasília, quando foi realizada a Conferência Nacional de Educação (Conae), cujo documento final inspira em parte o projeto de lei. Essas decisões foram mediadas por análises de ordem técnica, jurídica e econômica do próprio Ministério da Educação e da área econômica do governo.
Tramitação
Uma comissão especial foi criada na Câmara para facilitar essa tramitação. Com o número enorme de emendas apresentadas, foi criada uma força-tarefa para dar conta do trabalho. Primeiro, o Centro de Informática da Câmara criou um programa de computador específico para separar as emendas por tema e tipo – se são supressivas, aglutinativas ou modificativas, ou seja, se retiram, acrescentam ou modificam parte do texto do projeto de lei. Dessa forma, foi possível identificar o número de propostas repetidas. E não foram poucas: do total de emendas, cerca de 1.400 são únicas, o que significa que mais de 50% tinham o mesmo conteúdo.
O presidente da comissão especial, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA) explica que a maioria das emendas são reivindicações antigas dos movimentos sociais. Algumas foram propostas debatidas e aprovadas durante a Conae, mas que não foram contempladas pelo texto enviado ao Congresso pelo Ministério da Educação (MEC).
“Os movimentos sociais repetiram o que tinham apresentado na Conae. Esse número de emendas é razoável dentro da disposição deles de recompor o texto que tinham entregue ao ministério. É uma tentativa normal, eles estão brigando pelo que querem”, afirma Vieira. Entre as principais entidades que formularam emendas ao plano e fizeram um trabalho forte de interlocução junto aos parlamentares para que elas fossem apresentadas estão a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Na segunda etapa do trabalho, uma equipe de funcionários da consultoria legislativa da Casa auxilia o relator na avaliação das emendas. Vanhoni tem a tarefa de analisar cada uma das propostas a partir de três critérios: a constitucionalidade, a viabilidade financeira e o mérito. O trabalho começou em julho, ainda antes do recesso parlamentar. Durante todo o mês de agosto ele continuou se dedicando às análises e o trabalho deverá continuar em setembro. O deputado paranaense está em seu segundo mandato e já presidiu a Comissão de Educação da Câmara. Mas conta que é a primeira vez que relata um projeto “dessa envergadura”.
“Há uma diversificação muito grande da direção das emendas. Além das 20 metas temos 150 estratégias que as compõem; então, aquele deputado que tem uma atuação baseada na priorização da educação infantil, por exemplo, ele vai e faz emendas para aquelas metas e as estratégias que elas acolhem. Há uma complexidade de cada emenda que se relaciona com a outra. Mas estou assustado é com o tamanho e o volume do trabalho”, confessa Vanhoni.
Para dar uma noção do tempo e do empenho necessários na análise das emendas, o relator conta que para avaliar as propostas de alteração dos quatro primeiros artigos que compõem o PNE, a equipe levou cinco horas. “Via de regra os artigos são a parte mais fácil, pois dão base constitucional para o plano. Nem foram pontos polêmicos” compara o deputado.
Campeãs
Entre as 20 metas e 150 estratégias que compõem o PNE, além dos 12 artigos que são as diretrizes do documento, o item que mais recebeu sugestão de alteração foi a meta de número 1: 253 ao total. Ela determina que o país deve universalizar o atendimento da população de 4 e 5 anos até 2016 e assegurar a matrícula em creche a 50% das crianças menores de 3 anos até 2020. Também receberam mais de 200 emendas as metas de número 7, 12 e 20. A primeira fixa o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como principal parâmetro para acompanhar a evolução da qualidade do ensino no país. A segunda trata da ampliação do acesso ao
ensino superior.
Já a terceira é a que deverá causar mais polêmica quando chegar a hora de aprovar o novo PNE: ela determina a ampliação do patamar de investimento público em educação para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020. Essa é a proposta do governo, mas os movimentos e entidades da área pressionam para que o patamar seja elevado a 10%. Por enquanto, Vanhoni despista qual deverá ser o destino final das 216 propostas que tentam alterar a meta de investimento em educação.
E depois que o relatório for concluído e o substitutivo for à votação, abre-se um novo prazo para apresentação de novas emendas, exclusivo aos parlamentares que são membros da comissão. Gastão Viera ressalta que é preciso construir um “acordo político” antes que o plano vá para o plenário, o que está previsto para ocorrer até outubro.
“Toda emenda será acatada ou rejeitada. E o autor daquela emenda rejeitada pode, na hora da votação do substitutivo, pedir destaque para que ela seja apreciada. É um rolo, um processo demorado e complicado. Tem de haver acordo em cima dos pontos do relatório, não dá para votar confiando apenas no voto de cada partido”, afirma.
A única certeza é que a presidente Dilma Rousseff não irá sancionar o novo PNE ainda em 2011. A previsão da comissão especial na Câmara é concluir os trabalhos até o final de outubro e início de novembro. De lá segue para o Senado onde passa por um mais longo período de debates até a sua aprovação. Sem dúvida será alvo mais uma vez de uma enxurrada de emendas propostas pelos grupos que não conseguiram, na Câmara, fazer as modificações de seu interesse. Ou seja, o PNE, que deveria reger a educação nacional por uma década, já terá perdido pelo menos um ano pelo caminho quando for aprovado.
Quem mexeu no PNE? | |
Número de deputados que apresentaram emendas: 87 |
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81,2% das emendas foram apresentadas por deputados da base do governo |
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18,8% por parlamentares da oposição |
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PT 48,9% das emendas |
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PCdoB 14,6% das emendas |
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PSOL 9,0% das emendas |
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PSDB 7,1% das emendas |
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Os 10 deputados que |
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1º Fátima Bezerra (PT-RN) – 515 emendas |
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2º Ivan Valente (PSOL-SP) – 259 emendas |
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3º Newton Lima (PT-SP) – 203 emendas |
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4º Alice Portugal (PCdoB-BA) – 160 emendas |
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5º Waldenor Pereira (PT-BA) – 125 emendas |
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6º Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) – 113 emendas |
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7º Emiliano José (PT-BA) – 112 emendas |
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8º Osmar Serraglio (PMDB-PR) – 93 emendas |
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9º Dr. Ubiali (PSB-SP) – 73 emendas |
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10º Artur Bruno (PT-CE) – 70 emendas |
O caminho do PNE |
As etapas já percorridas e a percorrer |
Conferência Nacional de Educação |
Ministério da Educação |
Congresso Nacional |
Câmara dos Deputados |
Criação da Comissão Especial do PNE |
Realização de audiências públicas e prazo para apresentação de emendas |
2.906 propostas de alteração foram apresentadas |
Relator conclui o trabalho de análise e apresenta um projeto substitutivo |
Novo prazo para que os deputados apresentem novas emendas. Exclusivo para os membros da Comissão |
Aprovado pela Comissão Especial do PNE |
Se nenhum parlamentar apresentar recurso, projeto não precisa ir a plenário e segue para o Senado |
No Senado, é provável que também seja criada uma comissão especial para analisar o plano |
Caso contrário, passa pelas comissões de Educação, Constituição e Justiça e Finanças e Orçamento. Ainda precisaria ir a plenário |
Depois de aprovado, segue para a sanção presidencial |
A batalha no Senado | |
Ainda não se sabe como será a tramitação do PNE no Senado, mas o mais provável é que, assim como ocorreu na Câmara, seja criada uma comissão especial para analisar o projeto. O deputado Gastão Vieira sugeriu ao presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, Roberto Requião (PMDB-PR), que os senadores começassem a discutir o plano antes mesmo que ele saísse da Câmara. Isso pouparia tempo e garantiria uma tramitação mais célere. Mas até o momento não houve movimentações no Senado para adiantar os trabalhos. E a tramitação na Casa não será fácil: nomes importantes da oposição são membros bastante ativos da Comissão de Educação, como os senadores Álvaro Dias (PSDB-PR) e Demóstenes Torres (DEM-GO). E não faltarão outros dispostos a assumir o debate e presidir a futura comissão especial. Um dos candidatos deverá ser o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-ministro da Educação e nome de referência no assunto dentro do Senado. Caso não seja criada uma comissão especial, o projeto de lei deverá seguir o trâmite usual. Será analisado pelas comissões de Educação, Assuntos Econômicos e Constituição e Justiça. Ainda precisaria ser votada em plenário antes de seguir para a sanção presidencial. |
As 10 metas mais “emendadas” |
Meta 1 – 253 emendas Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. |
Meta 20 – 216 emendas Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto (PIB) do país. |
Meta 7 – 213 emendas Atingir as metas nacionais previstas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), chegando à média 6 para os anos iniciais do ensino fundamental até 2020. |
Meta 12 – 212 emendas Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. |
Meta 13 – 170 emendas Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores. |
Meta 15 – 154 emendas Garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, que todos os professores da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. |
Meta 3 – 151 emendas Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária. |
Meta 2 – 126 emendas Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a 14 anos. |
Meta 11 – 116 emendas Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta. |
Meta 4 – 109 emendas Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. |