NOTÍCIA

Ensino Médio

Autor

Amanda Proetti e Cristina Charão

Publicado em 28/10/2011

Debate necessário

Diretrizes curriculares do Conselho Nacional de Educação estimulam secretarias da Bahia e do Rio Grande do Sul a buscar modelos de atendimento ao turno da noite

Gabo Morales
Proposta do CNE propõe redução da carga horária diária e anual

Diante do baixo desempenho dos alunos em avaliações sistêmicas e o altos índices de reprovação e  evasão – na casa dos 12% e 11%, respectivamente -, especialistas e gestores são unânimes no que diz respeito à necessidade de reforma do ensino médio. O diagnóstico é que o que está sendo ensinado nas escolas não desperta o interesse dos alunos. “O professor, o aluno e a escola têm consciência de que não dá para continuar como está”, diz Vera Maria Ferreira, assessora do ensino médio do departamento pedagógico da secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. “Se a escola não oferece nada que me atenda, que me faça ser grata por estar ali, não há por que respeitar – e daí os casos de violência – e nem por que frequentar.”

É neste contexto de transformação que está colocada, também, a discussão sobre a oferta no noturno. Com uma grande novidade: pela primeira vez, estão sendo pensadas não apenas políticas locais específicas, como também diretrizes diferenciadas. Mesmo tendo sido por anos responsável pela maior parte da oferta da educação secundária, o turno da noite nunca teve atenção especial nas diretrizes curriculares. As leis e os regulamentos existentes apontam que o ensino médio noturno deve ser idêntico ao diurno, mesmo que sejam conhecidas as desvantagens pedagógicas e de infraestrutura.

Aprovado em maio e aguardando a homologação por parte do MEC, o Parecer 5/2011, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), estabelece novas diretrizes para a etapa média. De maneira geral, o CNE reconhece a necessidade de a educação neste nível ser atraente e útil para várias juventudes, que chegam à escola com diferenças culturais e objetivos de vida diversos. Assim, a proposta é flexibilizar os currículos, de forma que os alunos possam ter uma formação básica comum e escolher seu percurso de formação, a partir de múltiplas disciplinas e atividades oferecidas pelas escolas. Para o turno da noite, a proposta do CNE soma à flexibilização curricular as mudanças na organização do calendário e das aulas. O documento prevê que, respeitadas as exigências legais de duração e carga horária, até 20% das atividades possam ser não presenciais. Outra opção seria ampliar a duração total da etapa para além dos atuais três anos, reduzindo a carga horária diária e anual.

Contra e a favor
As opiniões sobre a proposta do CNE são diversas. Raquel Souza, da Ação Educativa, lembra que as demandas acerca da qualidade e de mudanças são para o nível de ensino como um todo. Ela conta que, nas etapas preparatórias da Conferência Nacional da Juventude, têm surgido diversas propostas para o ensino médio, mas os jovens não pautam a diferença entre o noturno e o diurno. Entretanto, Raquel comemora o reconhecimento das especificidades do turno da noite. “O turno da noite tem uma jornada diferenciada, tem a especificidade de uma população que é trabalhadora, o que faz com que as propostas colocadas sejam mais urgentes”, comenta.

Ocimar Alavarse, da USP, reconhece a importância do diálogo com as demandas da juventude, porém teme que, na prática, isso leve a escola a se desobrigar de oferecer a mesma educação para todos. “Uma coisa é diversificar quando há condições iguais, outra é quando falta o necessário para todos”, opina. Segundo ele, diversificação tem de ser sinônimo de “algo a mais”. Mesmo afirmando a necessidade imperativa de uma transformação radical do ensino médio, Maria Helena Guimarães de Castro, da ONG Parceiros da Educação, critica a proposta do CNE, especialmente no que diz respeito ao noturno. Segundo ela, “é preciso inovar e não burocratizar”. “Quanto mais tempo o aluno levar para concluir o nível médio, maior será a evasão. Defendo um currículo mais enxuto para os alunos trabalhadores que só podem estudar à noite e o uso das tecnologias educacionais para complementar a carga horária”, diz.

Espera e ação
Enquanto as novas diretrizes do ensino médio não são validadas pelo MEC, as secretarias estaduais buscam algumas saídas para o dilema da oferta e da qualidade deste nível de ensino e, de alguma forma, tentam lidar também com as especificidades do noturno. Os dados apresentados por Vera Maria Ferreira, da secretaria do Rio Grande do Sul, mostram uma preocupação com a adequação da oferta à demanda real. O noturno é responsável por cerca de 32% das matrículas no RS. “Não sabemos o recorte de idade por turno, mas cerca de 80% dos matriculados no ensino médio estão na faixa etária adequada e 20% têm mais de 17 anos, o que significa que temos muitos jovens com menos de 17 anos estudando à noite”, diz. A assessora diz que a secretaria está “em compasso de espera” em relação às novas diretrizes do CNE. Enquanto isso, realiza a Conferência Estadual do Ensino Médio, cuja etapa final deve ocorrer em novembro. Os debates – com direito a um espaço específico para os estudantes – incluirão propostas curriculares, pedagógicas e acerca da infraestrutura. “Tudo isso foi motivado por números que nos assustam: temos cerca de 20% de evasão no 1º ano do EM e mais ou menos 30% no 3º”, diz Vera.

Na Bahia, a secretaria estadual de Educação tem apostado em uma renovação pedagógica, ao mesmo tempo que já iniciou as discussões sobre um currículo específico para o noturno. Em agosto, realizou um primeiro seminário estadual com esta missão. Os resultados ainda não foram divulgados e as mudanças serão realizadas aos poucos. Por enquanto, o que há de diferente é a proposta didática.”Propomos a reformulação das disciplinas por focos temáticos, pensados para serem auxiliares na apreensão dos conteúdos e desenvolvimento das habilidades previstas nas diretrizes atuais”, explica Nildon Pitombo, assessor da secretaria. Esta reformulação prevê a organização do ano escolar em quatro unidades didáticas definidas por uma grande temática: “Saberes escolares e profissões”. Segundo Pitombo, a ideia é “exatamente eliminar o canto único de que o pós-ensino médio é a vida universitária”.

O assessor explica que a ideia central é “amarrar” o conteúdo mais escolar e científico, organizado nas disciplinas tradicionais, com questões reais. “Por exemplo, queremos mostrar ao aluno que tal conteúdo de biologia tem a ver com as carreiras de biotecnologia ou de farmácia”, diz Pitombo. Nesta empreitada, as escolas contarão com materiais didáticos especialmente criados pelas universidades estaduais para cada uma das unidades temáticas em cada um dos anos do ciclo médio. Outro foco tem sido a oferta da etapa para a população rural, para quem o turno da noite é uma necessidade. Neste caso, a estratégia tem sido ao ensino à distância. As aulas são transmitidas ao vivo, via um sistema de IPTV (TV por internet), para salas de aula montadas nas zonas rurais. Estas salas contam com um monitor e já agregam 11 mil estudantes. “E não temos evasão nestas turmas”, comemora Pitombo.

Gabo Morales
Turma de ensino médio noturno no RS: evasão motiva debate sobre moldes de ensino

O que diz o parecer 5/2011 do Conselho Nacional de Educação (CNE)
“No ensino médio regular noturno, adequado às condições de trabalhadores e respeitados os mínimos de duração e carga horária, o projeto pedagógico deve atender com qualidade a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o sucesso destes estudantes:
A) ampliar a duração para mais de 3 anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 horas para o curso;
B) incluir atividades não presenciais, até 20% da carga horária diária e de cada tempo de organização escolar, desde que haja suporte tecnológico e seja garantido o atendimento por professores e monitores” 


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