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Políticas Públicas

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Publicado em 05/01/2012

Saúde pública em foco

Saneamento básico ainda é desafio para muitas escolas do país; ausência da rede de água e esgoto nas unidades e comunidades pode influenciar matrículas e desempenho

No Brasil, 12 mil escolas não têm esgoto sanitário, segundo o Censo Escolar de 2009. Isso corresponde a quase 8% das unidades e a cerca de 20 milhões de crianças. Além disso, em quase 20 mil escolas a água consumida pelos alunos não é filtrada e 800 não têm abastecimento de água. A maior parte do déficit de esgoto está na rede municipal, onde há mais de 10 mil unidades nessa situação – 6 mil delas no Nordeste.

O Maranhão concentra, sozinho, metade das escolas nordestinas sem esgoto: do total de 10.569 escolas de ensino fundamental naquele Estado, somente 70% têm acesso a rede de esgoto. Embora não possamos estabelecer relações diretas entre esses dados, o Estado também apresenta desempenho abaixo da média nacional no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): nota 3,9 nos primeiros anos do ensino fundamental e 3,6 nos anos finais – número ainda superior à média nordestina, 3,8 e 3,4, respectivamente, mas inferior ao restante do país, que é 4,6 e 4,0. O resultado da falta de saneamento, porém, pode ser ainda pior. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, além do menor rendimento escolar, estudantes de regiões sem saneamento matriculam-se menos nas escolas, ou seja, não chegam a participar dessas avaliações de desempenho.

As escolas do Acre e do Amazonas também têm índices muito ruins, mas sua população é bem menor que a do Maranhão. Os melhores índices estão nos Estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde quase todos os estabelecimentos de ensino fundamental possuem rede de esgoto. A falta de acesso a água filtrada é uma característica principalmente de Estados da região Sul. Pelos dados do Censo Escolar, a pior situação é a do Rio Grande do Sul: apenas 28% das escolas de ensino fundamental têm água filtrada, em um universo de 6.782 unidades.

Faltam investimentos em prevenção, apesar de ser conhecida a proporção entre os custos de saneamento e o dinheiro gasto em hospitais e tratamentos: para cada dólar investido em saneamento básico, outros cinco são economizados em despesas hospitalares, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A professora Anne Jardim Botelho, da Universidade Federal do Sergipe, pesquisou o impacto das parasitoses na atividade cognitiva e explica que, nas áreas endêmicas, não adianta dar remédio, porque há constante reinfecção.

O diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, Anthony Wong, lembra que o saneamento básico é fundamental para que substâncias químicas contaminantes não tenham acesso ao meio ambiente. Ou seja: a coleta de esgoto adequada não só melhora a saúde da população, mas pode nos poupar de um problema ecológico de proporções imensas. “Com informação adequada, a própria população poderia diminuir muito o problema.”

A professora Maria Cecília Pelicioni, da Faculdade de Saúde Pública da USP, lembra ainda o caso das crianças que não puderam chegar à escola: a mortalidade infantil é um indicador diretamente ligado ao saneamento, decisivo para medir a saúde pública de determinado local. “Para revertê-la, mais do que ter médico e hospital, é importante que se faça em primeiro lugar o saneamento. Os outros fatores diminuem a mortalidade infantil de maneira muito menos eficaz.”

Pesquisa
A pesquisa da Fundação Getulio Vargas, coordenada por Marcelo Neri, traz algumas conclusões sobre a conexão entre educação e saneamento básico. Entre elas a de que o acesso a esgoto melhora o rendimento escolar; a qualidade do uso caseiro da água tem relação positiva com o desempenho; e o acesso à infraestrutura sanitária reduz o índice de reprovação. O estudo não abordou uma conexão de causalidade direta, mas indicou uma correlação importante entre os problemas de saúde causados por falta de saneamento e o desempenho na escola.

Foram analisados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), relacionando o acesso à coleta de esgoto às três dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): saúde, educação e renda. “Os dados indicam que os efeitos no desempenho escolar podem ser imensos”, afirma Marcelo Neri.

Um dos avanços foi relacionar a morbidade (quantidade de portadores de doença em relação a uma população total) ao saneamento, e não só à mortalidade. “Se os efeitos de mortalidade são tão grandes nessa faixa e passavam despercebidos, podemos imaginar que os efeitos da morbidade, muito maiores, passam igualmente despercebidos”, raciocina.

Ele conta que o problema atinge mais os meninos – provavelmente porque eles brincam mais fora de casa. Mas a consequência da falta de acesso a esgoto não é o absenteísmo. As crianças sem saneamento apresentaram taxas mais baixas de matrícula e pior desempenho, mas muitas continuam indo às aulas. “Provavelmente porque estão entre as famílias mais pobres e a escola tem atrativos como a merenda e os incentivos de bolsas do governo”, diz Neri. Mas elas têm o desempenho abaixo da média, porque possivelmente têm o quadro clínico típico das doenças associadas à falta de saneamento.

Público e privado
A pesquisa da FGV foi encomendada pelo Instituto Trata Brasil. É uma organização ligada ao setor privado, a algumas das principais empresas de saneamento do país, diretamente interessada (por motivos empresariais, portanto) na universalização das redes de água e esgoto no Brasil.

O fato de a Trata Brasil estar disponível para entrevistas, ao lado da universidade, é sintomático do que acontece no país em relação ao saneamento. Nem o Ministério da Educação (MEC) nem o Ministério das Cidades responderam à solicitação de entrevista da Escola Pública. Em texto enviado sobre o tema, o MEC diz que suas ações são trabalhadas “de forma articulada e sistêmica, em parceria com secretarias estaduais e municipais de Educação, universidades públicas, sociedade civil organizada e a comunidade local”. O MEC admite que não houve até o momento um direcionamento “específico” das políticas de Educação Ambiental para a questão do saneamento na escola, mas é um tema “que pode ser abordado” nas conferências que realiza e na Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (Com-Vida), que visa implementar a Agenda 21 nas escolas de ensino médio e do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

Para o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, falta uma política nacional articulada para a educação ambiental. Ele diz que não há relações entre os ministérios da Educação, do Meio Ambiente e das Cidades – sem falar na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pelo saneamento nos municípios de menor porte.

Mesmo em um estado com índices melhores de saneamento, como São Paulo, a falta de políticas públicas é evidente. A coordenadora de Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente mencionou as articulações com a Secretaria de Educação, a Secretaria de Planejamento, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação Seade) e o Departamento de Águas e Energia elétrica (DAEE). Mas admite: “Especificamente em saneamento não temos projeto com começo, meio e fim. Estamos em um período de reformulação”.

Édison Carlos lembra que somente 43% da população é atendida por rede de esgoto no país. E somente 1% desse volume é tratado. Em áreas rurais, segundo Marcelo Néri, só 2,9% das pessoas têm acesso a tratamento de esgoto. “O brasileiro convive com esgoto a céu aberto de forma tranquila”, afirma Carlos. “Nas eleições cobra mais postos de saúde em vez de cobrar a solução. Na cabeça deles não é prioridade, então não será para o prefeito.”

Desigualdades regionais
Em Pirapemas, município de 17 mil habitantes do Maranhão, as crianças da Escola Municipal Leônidas Pessoa têm um vizinho criador de porcos. “A catinga [cheiro ruim] chega à sala de aula. Também não existe banheiro de qualidade. A caixa do vaso é amarrada no barbante”, conta o professor Gilmar Mendes Ribeiro. Além disso, o terreno da escola não tem limpeza: “é um matagal imenso”. Não à toa, a escola chegou a ser interditada pela Vigilância Sanitária, por conta da proliferação de mosquitos da dengue.

Na zona rural, na Escola Municipal Carmina Moura havia até algum tempo fezes de morcego no banheiro masculino. O poço dágua está há dois anos sem funcionar. Procurada pela reportagem sobre a situação das escolas do município, a secretária Beatriz Pereira dos Santos não deu esclarecimentos. Apenas repetiu que as informações estavam sendo divulgadas por uma questão “política”. Sem acesso a esgoto, Pirapemas não é o único município nessa situação e os gestores enfrentam dificuldades por conta da falta de recursos voltados para a questão.

Outra pesquisa do Instituto Trata Brasil, feita com dados dos 81 municípios brasileiros com mais de 300 mil habitantes, mostra uma disparidade do acesso a rede de saneamento.

Maria Cecília Pelicioni, da USP, diz que não pode estabelecer uma relação causal entre os fatores, mas observa que, no caso de Jundiaí, em primeiro lugar no ranking, uma pesquisa da FSP mostrou que a educação ambiental está bastante avançada no município. Ela lembra que mesmo no Estado de São Paulo, com melhores índices, há municípios com indicadores ruins, como Campos do Jordão e Guarujá. “E mesmo na capital há diferença entre bairros, como Cerqueira César, com índices de mortalidade infantil comparáveis com os do Primeiro Mundo, e Engenheiro Marsilac, no extremo sul da cidade, com alta mortalidade”, diz a pesquisadora. 

Melhores e Piores
É difícil estabelecer uma relação direta entre saneamento e qualidade da educação, mas nas 10 cidades com melhores colocações no ranking de saneamento, que considerou as 81 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes, a média do Ideb do 5º ano do ensino fundamental é 5,7. Entre as 10 cidades com pior colocação, a média é de 4,0.

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