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Ensino Médio

De olho na educação

Em feira de ciências, alunos deixam de lado projetos nas áreas de exatas e biológicas para estudar questões relacionadas com o meio educacional

Publicado em 27/03/2012

por Deborah Ouchana

Gustavo Morita
Jessica Ueno e João Luís Vieira, ex-alunos da Etesp: trabalho investigou as ligações entre o Enem e o SAT

Quando se fala em feira de ciências, as primeiras imagens que vêm à mente das pessoas são de tubos de ensaio, protótipos de vulcões em ebulição, robôs e aparatos tecnológicos. A edição deste ano da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), confirma o imaginário popular: dos 325 projetos selecionados para o evento, 257 eram relacionados às ciências da natureza e à engenharia. Há, entretanto, um segmento de pesquisas, geralmente esquecido nesse tipo de feira, cuja participação se mostra significativa. Em 2012, 68 projetos da Febrace se dedicavam ao estudo das ciências humanas e sociais, sendo que 28 se propuseram a refletir especificamente sobre as práticas da sala de aula e a educação de modo geral.

“Existe um preconceito do próprio pessoal das ciências humanas de achar que isso não é ciência, mas é. Se desenvolvo um método novo de como ter mais eficiência no ensino de uma disciplina, eu estou gerando conhecimento novo e isso é ciência”, esclarece Roseli de Deus Lopes, coordenadora geral da feira. A Febrace funciona como uma grande vitrine de projetos. Eles são avaliados e concorrem a medalhas, bolsas de iniciação científica do CNPq, certificados e estágios. Além disso, a feira seleciona projetos para representar o Brasil na Feira Internacional de Ciências e Engenharia da Intel (Intel Isef), que acontece em maio nos EUA – neste ano, 21 trabalhos brasileiros estão presentes no evento em Pittsburgh, no Estado da Pensilvânia.

Jessica Ueno e João Luís Vieira, ex-alunos da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp), foram finalistas na feira com um projeto sobre educação.  Quando visitou a feira em 2010, Jéssica se encantou com a possibilidade de fazer ciência aos 16 anos. Mesmo sem a ajuda da escola, que não oferecia nenhum projeto de iniciação científica para os alunos de ensino médio, ela se uniu a João para pesquisar um tema novo e de interesse dos alunos que pleiteavam uma vaga em alguma universidade federal do país: o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC). Os estudantes levantaram os três principais objetivos do MEC com o Sisu(democratizar as oportunidades de acesso ao ensino superior, promover a mobilidade acadêmica e induzir um novo currículo para o ensino médio) e verificaram se o Sistema era competente no que se propunha. Além de apurar sua atuação na realidade socioeconômica e educacional brasileira, em um segundo momento, os alunos fizeram uma análise comparada com o modelo de avaliação norte-americano, o Scholastic Aptitude Test (SAT).

“Percebemos que o Sisu não é eficiente em cumprir seus principais objetivos porque a realidade brasileira é heterogênea”, aponta Jessica. A dupla concluiu que as oportunidades de acesso às vagas de ensino superior dependem da trajetória de cada aluno na Educação Básica e que o desempenho nas provas está diretamente relacionado à renda dos estudantes. Sendo assim, os jovens das regiões Sul e Sudeste, onde se concentram as famílias com melhores condições financeiras, têm mais chances de conseguir uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, consequentemente, uma vaga na universidade. A pesquisa apontou que o Sisu facilitou a possibilidade de concorrer a uma vaga sem precisar se deslocar para prestar vestibular. “Mas a concorrência só será democrática quando as pessoas tiverem as mesmas condições”, explica João.

Um caso que ilustra bem o problema identificado pelos estudantes é o da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Em 2010, a universidade disponibilizou todas as vagas de medicina para o Sisu e 100% delas foram preenchidas por alunos não amazonenses, a maioria proveniente do eixo Sul-Sudeste. Jessica argumenta que a mobilidade acadêmica aumentou, mas de forma predatória: aqueles com maior renda se apropriaram das vagas locais, enquanto é pouco provável que os estudantes com menos condições financeiras consigam passar em um vestibular fora de sua região, além de encontrarem dificuldades para se manter longe de casa.

A iniciação rendeu a Jessica e João reconhecimento em algumas feiras de ciência do país. A primeira em que eles se apresentaram foi a Mostra de Ciência e Tecnologia (Mostratec), no Rio Grande do Sul. De lá eles foram premiados com uma credencial para a feira internacional Mouvement International pour le Loisir Scientifique et Technique 2011 (MILSET), que aconteceu na Bratislava, na Eslováquia. Mesmo com poucos brasileiros participando do evento, a dupla não conseguiu um patrocínio que cobrisse todos os gastos da viagem. “Tentamos com a nossa escola e com o MEC, mas infelizmente não conseguimos participar da feira”, lamentam. Com o mesmo projeto eles foram aprovados na edição de 2011 da Febrace. “Depois fomos para a Mostra Paulista de Ciências e Engenharia (MOP) e de lá ganhamos uma credencial para a Febrace 2012”, contam.

Foco na aprendizagem
Outra aluna que participou da Febrace com um projeto focado em educação foi Andreia Bergmann, 17 anos. Com planos de cursar pedagogia ou psicologia, a estudante do 3º ano do ensino médio do Colégio I. L. Peretz, em São Paulo, buscou identificar as dificuldades dos alunos de 6° e 7º anos em matemática. A ideia inicial de Andreia era desmistificar a premissa de que aprender matemática é difícil. “Todo mundo tem preconceito contra matemática. Existe até uma Barbie, criada em 1992, que fala: matemática é difícil. Isso mostra que desde criança temos isso inserido em nossas mentes”, exemplifica. A partir de pesquisas em livros de pedagogia, entrevistas com professores e uma pesquisa de campo com os alunos, ela concluiu que existem três momentos de aprendizado: a aula, o estudo individual e o retorno ao professor com as dúvidas. Além disso, percebeu que as dificuldades com as disciplinas aparecem nos três momentos. Na primeira etapa, os alunos acreditam que as aulas são muito abstratas e não conseguem relacionar teoria e prática. Na segunda, a maioria dos alunos não sabe como estudar em casa. Por fim, são poucos que recorrem aos plantões no período inverso da aula para tirar dúvidas. “Mas a maior falha é tratar cada etapa como algo individual. O correto é existir harmonia entre os três momentos”, finaliza.

Gustavo Morita
Pavilhão da Febrace: 68 projetos nas áreas de ciências humanas e sociais

EJA: dificuldades
Mayara Guimarães e Rebeca Batista, do Instituto Federal Catarinense (IFC), na cidade de Camboriú, também investigaram o tema das dificuldades durante o processo de aprendizagem, mas com o foco em um grupo específico: o de jovens e adultos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), que existe no IFC desde 2007. “A literatura foca as pesquisas nos aspectos infantis de aprendizagem. Além disso, o material didático utilizado no Proeja não foi pensado para os jovens e adultos”, explica Rebeca. “Por isso, decidimos categorizar as principais dificuldades desse grupo”, completa Mayara. As meninas levantaram as operações consideradas fundamentais para a apreensão dos conteúdos, como comparação, interpretação, análise, observação, decisão e busca de suposições. Feito isso, apresentaram aos alunos um quadro, em que para cada operação havia uma sugestão de atividade para ser feita em sala de aula. O intuito era que os estudantes de EJA identificassem as atividades em que encontrariam mais dificuldades, para que se descobrissem as operações que os professores deveriam trabalhar mais. Apesar de todas as operações do pensamento terem sido citadas pelos alunos, “interpretação” e “resumo” foram apontadas como as mais difíceis. A mesma pesquisa foi feita com os professores do Proeja, com o objetivo de saber se alunos e professores têm a mesma percepção das dificuldades. “É muito importante que o professor conheça a dificuldade do seu aluno, para trabalhar em cima desse problema”, ressalta Rebeca. “Percebemos que o aluno muitas vezes tem uma visão mais ampla das suas dificuldades e consegue identificá-las melhor”, diz.

Desinteresse pela escola
Santa Cecília é um pequeno município em Santa Catarina com cerca de 16 mil habitantes. Foi lá que Aline França e Gabriela Grimes identificaram a evasão escolar como um problema que atinge diretamente a realidade da Escola de Educação Básica Irmã Irene, onde estudam. Tendo em mãos o número de alunos que deixou a escola durante o ensino médio, Aline e Gabriela investigaram as razões que levam os jovens a interromper os estudos e descobriram que o desinteresse é a principal delas, seguido da necessidade de trabalhar. “Fizemos também entrevistas com os alunos que ainda cursam o ensino médio e descobrimos que metade deles já pensou em abandonar a escola”, contam. Com o apoio de professores, as meninas realizaram palestras com o objetivo de conscientizar os colegas da importância de completar o ensino médio. “Fomos também a escolas de ensino fundamental, porque notamos que a evasão não acontece apenas no ensino médio”, completa Aline. Para as jovens, o papel da escola é acolher e dar mais atenção a esses jovens. Outro ponto que elas consideram fundamental é a criação de políticas públicas que ajudem os alunos a conciliar os estudos com o trabalho. As estudantes já haviam participado de feiras de ciências em sua região, mas vir para São Paulo foi uma grande conquista. “Esperamos que o nosso projeto ajude a evitar que mais alunos desistam da escola!”, afirmam.

Autor

Deborah Ouchana


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