NOTÍCIA
Como escolas públicas brasileiras conseguiram envolver os pais nas tarefas escolares, mesmo quando não tinham repertório para isso, e melhoraram o desempenho de seus alunos
Publicado em 10/08/2012
A professora de língua portuguesa, Miraildes Bispo, da Escola Municipal Maria Geralda da Conceição, BA: com o aumento da lição de casa, os resultados já são percebidos |
Em 2009, a rede municipal de educação de Vera Cruz, município do interior da Bahia, decidiu enfrentar o mesmo dilema de muitas escolas e redes brasileiras que atendem a uma população mais pobre: sendo a maioria dos pais iletrada e trabalhando fora em diversos turnos, pouco ou nada conseguiam ajudar seus filhos com as tarefas que traziam da escola para casa. Seja por desestímulo, por falta de cobrança ou por dúvidas que não podiam ser respondidas pelos pais, os estudantes acabavam por ignorar a lição de casa. Mas em vez de diminuir o ritmo do dever, a rede o aumentou. Isso com o compromisso de que, no dia seguinte, na escola, o aluno tivesse a oportunidade de se sentar junto a um professor para corrigir a atividade. Os estudantes têm a opção, ainda, de fazer a lição de casa no contraturno, já que as escolas passaram a funcionar em período integral e reservam um tempo para essa atividade, com um professor para orientar e tirar as dúvidas.
“A lição serve como reforço às atividades da sala de aula para estimular o aluno com uma abordagem interessante que faça resumo do que foi ministrado em classe, para que ele crie esse vínculo de aprender e estudar em grupo ou sozinho”, afirma Silvano Sulzarty, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e coordenador pedagógico da Escola Maria Geralda da Conceição, uma das 53 da rede de Vera Cruz. Sulzarty conta que a reação de muitos pais em princípio foi negativa, porque o contraturno, usado também para o reforço da lição, impedia os jovens de trabalhar. “Estamos em uma região que infelizmente ainda tem muito trabalho infantil, por isso muitas crianças ficavam sem fazer as lições de casa devido à falta de tempo ou ao esgotamento em que chegavam em casa à noite, por estarem trabalhando.” Com o tempo, a reação diminuiu e os resultados apareceram. Sulzarty conta que o desempenho dos alunos melhorou cerca de 60% por causa da iniciativa, mas que em algumas escolas esse índice chega a 80% (isso é avaliado por provas semestrais desde que as mudanças foram implementadas).
Crianças investigadoras
Da Bahia ao Ceará, a mesma questão: a falta de envolvimento dos pais (ou interferência negativa) também fazia com que as crianças da Escola Municipal de Educação Infantil José Perboyre Sampaio Sabiá, em Juazeiro do Norte, tivessem pouco ou nenhum envolvimento com a lição. “Percebemos que elas não tinham acompanhamento em casa, não tinham estudo dirigido, e isso dificultava o nosso trabalho”, conta Lygia de Oliveira, diretora da escola. “Quando havia um feriado, por exemplo, ou não havia aula, os alunos retrocediam.” Isso quando a lição não vinha feita pelos pais, perdendo completamente o seu propósito. Para manter o contato com o conhecimento e atividades voltadas para o desenvolvimento infantil constantes, a equipe pedagógica da escola elaborou o projeto De Casa Para Sala/ Da Sala Para Casa. O objetivo da iniciativa é dar continuidade ao trabalho feito em sala de aula, enviando propostas de leitura, pesquisa de informações e propostas de atividades lúdicas relacionadas ao que foi trabalhado em classe naquele dia, para estimular o espírito investigador das crianças e envolver os pais nas atividades.
Diferentemente da lição de casa tradicional, focada na reprodução de exercícios que geram um padrão semelhante, o propósito do projeto é que as próprias crianças usem como base seus conhecimentos prévios e pessoais, juntem a isso o que aprenderam na sala de aula, pesquisem novos saberes e criem algo novo que reflita o processo de aprendizado. “É a criança construir por ela mesma. É fazê-las pensar sobre o que estão produzindo, desenvolver um senso crítico. A criança compreende melhor o mundo dessa forma, porque observa e, sozinha, espontaneamente, faz suas descobertas”, diz Lygia. Em paralelo, a escola passou a chamar mais os pais para atividades no ambiente escolar, tanto em reuniões, quanto em atividades de estímulo à leitura e empréstimo de livros. Tomadas pelo gosto de ler, as famílias tenderam a se envolver mais com a vida escolar dos filhos.
Internet e incentivo
Despertar o interesse da família pela vida escolar e, por consequência, pela lição de casa dos filhos, foi a mesma solução encontrada pela professora Taiz Helene Valenzuela, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Associação da Paz, em Paragominas, interior do Pará. Boa parte dos pais estuda na turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da escola, e frequentemente estão aprendendo conteúdos atrasados em relação aos seus filhos. “Eles reclamavam que não sabiam ler e não tinham estudos, por isso não podiam ajudar com a lição. Mas eu falava que só o fato de perguntar para o filho se ele está fazendo ou não já é um incentivo”, relembra Taiz. Foram necessárias muitas reuniões de conscientização para a importância da tarefa. Quando conseguiu garantir o maior envolvimento das famílias, a professora investiu na principal ação para que seus alunos, do 4º ano, passassem a fazer o dever de casa: propor uma atividade criativa e interessante, conectada a sua realidade.
Assim, Taiz criou uma webquest, um site propondo uma situação relacionada ao tema trabalhado em sala de aula, com instruções para fazer, de casa, uma pesquisa orientada na internet em torno do assunto, e assim agregar conhecimento junto aos colegas de volta à classe. “A preparação deles para a aula melhorou, e por isso a participação em classe aumentou. Hoje existe a interação dos alunos, e me sinto a mediadora na sala de aula, e não mais aquela que transmite conteúdo”, afirma.
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