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Autor

Natália Leão

Publicado em 05/11/2012

Vigilância ou punição?

Protesto de alunos contra instalação de câmeras em escola em São Paulo abre discussão sobre os limites entre a disciplina e o diálogo

Gustavo Morita
O Colégio Rio Branco afirma que as imagens serão usadas apenas em caso de necessidade: “ninguém fica monitorando”

Sorria, você está sendo filmado! As plaquinhas, geralmente ilustradas com caricaturas com largos sorrisos, servem como notificação para os desatentos, mas são também uma forma sutil de dizer que você está sendo vigiado. Para os adultos, a presença de câmeras de vigilância em praticamente todas as esferas da vida pública pode ter se tornado comum, mas será necessário e aceitável que elas adentrem os pátios escolares e salas de aula?

Em setembro, 107 estudantes do Colégio Rio Branco, em São Paulo, lançaram esta pergunta. Eles foram surpreendidos pela instalação de câmeras em suas salas de aula e os resultados foram imediatos: uma manifestação por parte dos estudantes, a suspensão de todos eles e um imenso burburinho na mídia local e nacional.  Para os alunos, sua privacidade foi invadida sem nenhum aviso, consulta ou justificativa. A diretora-geral do Rio Branco, Esther Carvalho, admitiu ter errado ao não comunicar aos pais e os alunos sobre a novidade, que não é uma exclusividade do colégio.”Quando começamos o projeto de instalação, há quatro anos, a presença de câmeras em quase todos os lugares já era uma realidade, por isso achamos que poderia ser feito sem comunicação. Falhamos neste ponto”, assumiu Esther à revista Educação.
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Segurança e disciplina
Há quatro anos, o Rio Branco começou a instalar câmeras nas áreas externas, pátios e áreas comuns. Depois passaram para os laboratórios, e só agora para as salas de aula. No entanto, a diretora diz estar tranquila quanto à medida que visa a segurança patrimonial da escola e dos alunos e a disciplina. “Ninguém fica monitorando essas imagens, elas são gravadas e serão usadas apenas em casos de necessidade”, afirma Esther. Ela cita como exemplo o caso de um aluno que jogou sprays com mau cheiro na sala. Em episódios assim, a câmera ajudaria a diretoria a saber o que houve.

O fato gerou debate sobre se o uso câmeras dentro das salas de aula seria a única – ou a melhor – maneira de preservar a segurança e a disciplina dos jovens. A psicóloga Rosely Sayão é categórica ao dizer que não. “Estamos vivendo uma situação de controle e adestramento, mas os jovens são espertos, eles vão errar longe das câmeras e vão perder uma ótima oportunidade de aprender com seus erros no lugar certo: a escola.”

Para Rosely, antes de punir é preciso explicar as regras, como no futebol. “Todos os jogadores sabem o que podem e o que não podem fazer dentro de campo”, explica. “Se mesmo assim eles cometem uma falta são avisados pelo juiz das consequências e depois, se o problema persistir, eles sofrerão algum tipo de sanção. Mas para estudantes, suspensão não é o caminho, eles até agradecem por ficarem uns dias fora da escola.”

No Colégio Equipe, de São Paulo, a “juíza” é a orientadora educacional Luciana Fevorini. É dela o papel de garantir a ordem e a disciplina, sem o uso de câmeras. “Nosso método é a clareza. Acreditamos que quanto mais claras as regras estiverem para o aluno, mais fácil fica para ele cumpri-las, e não apenas porque está sendo vigiado, mas porque foi dada autonomia para ele decidir com discernimento”, explica.

O simples fato de explicar as regras, porém, obviamente não evita a transgressão. “Infringir não é um comportamento adolescente, é humano. Todos sabemos que é proibido passar com o carro no sinal vermelho e muitas pessoas o fazem, mesmo sabendo que podem estar sendo filmadas”, afirma Luciana. Para ela, o certo é que, quanto mais se limita o diálogo e se impõem atitudes, mais difícil fica a relação do jovem com a escola.

Liberdade em risco
Outro efeito colateral possível da presença de câmeras nas salas de aula é a perda da naturalidade da criança e do jovem em fase de desenvolvimento, além, é claro, da liberdade do próprio professor em escolher seus métodos de ensino e gerenciar os problemas da classe. Apesar de já termos nos acostumado com a presença da vigilância em ambientes públicos, não é incomum que um adulto mude sua postura ou o tom de sua conversa dentro de um elevador, por exemplo, quando percebe que está sendo gravado. “A presença da câmera gera um controle da liberdade tão característica da criança e do adolescente”, explica Eloiza Gomes, professora, pedagoga e psicóloga, diretora do Instituto de Formação Humana com Tecnologias, da UERJ. “Nessa situação a criança deixa de se sentir à vontade para expressar emoção, opinião, riso, choro e a própria verbalização da raiva fica proibida. Isso vai gerar uma espécie de pasteurização de comportamento em vez de formar atitude nesses jovens”, completa.

O estudante do Colégio Equipe Yuri Saad Coraini, 18 anos, concorda. “Câmera na sala é um objeto de controle e eu acho engraçado os adultos pensarem que o adolescente precisa disso. Não estamos fora de controle, precisamos de diálogo e reflexão, dentro e fora de sala, com os pais, com os professores e com a escola.”

Especialistas concordam com a visão do aluno. “Quando você tira do professor o comando da sala e entrega isso para uma câmera, o aluno vai pensar ‘não devo mais respeito ao professor, agora quem cuida de mim é o setor de segurança”, afirma Maria Irene Maluf, especialista em psicopedagogia e educação especial. A conclusão, segundo ela, é que a noção de respeito à autoridade vai por água abaixo e isso vai se refletir em uma sociedade que só respeita regras quando vigiada.

A diretora do Rio Branco sugere que bons exemplos também levam o aluno a aprender. “Quando você induz o jovem a ter um comportamento adequado, ou quando você o expõe a um ambiente organizado, com regras, ele vai agregar esses valores à sua vida e não há nada que sugira que ele vá romper com tudo que aprendeu quando não estiver sendo vigiado.”

Câmeras aprovadas
Mas será que existe alguma ocasião em que as câmeras sejam bem-vindas, mesmo para a vigilância de crianças? A pedagoga Eloiza Gomes acredita que sim. “Só acredito que essa medida seja eficiente como ato emergencial, em uma situação em que a violência tenha tomado um vulto avassalador”, afirma. Mas ela lembra que, mesmo nesses casos, a câmera sozinha não tem serventia. “É preciso ter uma educação para a civilidade, convivência, paz, diversidade e gestão de conflitos.”

Quando Adão Nunes assumiu a direção do Colégio Ubedulha de Oliveira, na periferia de Londrina (PR), encontrou uma escola com quase dois mil alunos, nenhum muro, com vai e vem de pessoas de fora da instituição e alto nível de indisciplina e violência. “Eu mandei subir muros, colocar catraca eletrônica, câmeras nas áreas comuns e em todas as salas de aula da escola e até nas áreas comuns dos banheiros”, recorda.  A aprovação é praticamente unânime. A dona de casa Maria Helena da Silva, mãe de um aluno do colégio, é uma das que aprovam as câmeras. “Elas melhoraram muito a escola, protegem contra bullying, violência e contra o tráfico”, avalia.

No Colégio Nascimento, de São Vicente, litoral do estado de São Paulo, o número de alunos estava aumentando e a direção decidiu usar a tecnologia para elevar a segurança e a disciplina interna.

“Usamos câmeras nas salas há quatro anos, com consulta e aprovação dos pais”, diz o coordenador para o ensino fundamental e médio, Nelson Bispo dos Santos Jr. Quando acontece um caso de indisciplina, a conversa e as imagens são usadas.”Nossa intenção é ouvir primeiro e depois ver as imagens apenas se tivermos dificuldade na conversa. A câmera é nosso tira-teima”, explica Nelson.

Nesse caso, os alunos dizem conviver bem com o monitoramento. Ricardo Ramajo, de 17 anos, garante que não se incomoda com vigilância, pelo contrário. “Eu posso levar meu tablet e deixar em cima da carteira com a certeza de que ninguém vai pegar.”

O que diz a legislação

A discussão do monitoramento excessivo no cotidiano está longe de chegar a um consenso. “Não existe legislação sobre isso. Essas novas tecnologias chegaram rápido e há pouco tempo”, afirma Augusto Marcacine, presidente da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP. “O fato é que nós vivemos em uma sociedade de vigilância, todos colocam câmeras onde podem e a escola está refletindo a realidade externa, isso é natural. Também é natural que surjam discussões sobre liberdades individuais e direito à privacidade, mas se a vigilância é inevitável, temos de pensar sobre como conviver com ela, como usar isso da maneira correta”, completa.

Segundo o professor de Direito da PUC-SP e procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Clilton Guimarães dos Santos, a existência de câmera dentro da sala de aula é inconstitucional, pois viola Direitos Fundamentais como imagem, privacidade e personalidade. Para ele, ao instalar o equipamento, a escola atesta uma “incompetência pedagógica e na garantia da segurança”.

Ainda de acordo com Santos, se os pais informam o caso ao Ministério Público, este deve determinar a retirada da câmera. As aulas do Colégio Rio Branco continuam sendo filmadas, porque, segundo a diretoria, houve uma reunião com os pais e a maioria concordou com a permanência dos equipamentos. Segundo o procurador, ao consultar os responsáveis, a instituição apenas diminui as chances de ser processada, mas não elimina essa possibilidade.


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