NOTÍCIA
O uso do termo "educativo" pode obscurecer especificidades de instituições e práticas
Publicado em 05/12/2012
Já vi lojas que dizem vender brinquedos “educativos” e visitei museus com serviços “educativos”. Já li sobre projetos que falam de uma “cidade educadora” e assisti a programas de televisão que se autointitulam “educativos”. A diversidade de usos igualmente legítimos de termos como “educação” e “educativo” parece desaconselhar qualquer tentativa de deles extrair um traço comum ou um significado essencial e imutável. Por vezes uma prática pode ser qualificada de “educativa”, a despeito de se restringir ao treinamento para um aspecto muito determinado de nossa existência social, como na expressão “educação para consumo”. Há ocasiões, no entanto, em que o termo “educação” remete a um amplo esforço social de iniciação num modo de vida, integrando costumes, valores, conhecimentos, ritos e crenças, como na expressão “cidade educadora”. O adjetivo “educativo” pode ainda se referir ao potencial formativo de uma experiência estética ou a supostas – e para mim enigmáticas! – propriedades de um objeto, como um trenzinho de madeira.
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A amplitude semântica dos termos vinculados à noção de “educação” – como o adjetivo “educativo” – pode ser interpretada como um signo de reconhecimento de sua importância social, pois qualificar algo como “educativo” implica atribuir-lhe um valor positivo. Por outro lado, a plasticidade em seu uso cotidiano contribui para obscurecer a especificidade de certas instituições e práticas educativas, fundindo em uma totalidade indistinta um conjunto de princípios que são, por sua natureza, diversos ou mesmo antagônicos. Se a escola, a família, a mídia, a igreja, o clube, o museu educam, nem todos o fazem com os mesmos objetivos, nem todos recorrem aos mesmos processos, nem todos derivam sua legitimidade dos mesmos princípios.
Enquanto a igreja fala exclusivamente a seus fiéis a fim de corroborar e expandir suas crenças, a escola se dirige a todos com o compromisso de garantir a liberdade da escolha individual no campo da fé. Igreja e escola educam; mas não da mesma forma, nem a partir dos mesmos princípios. E o mesmo se passa na dicotomia escola-família. Se nesta última são os laços de sangue que determinam a identidade e o lugar de cada um (como pai, irmão mais velho, caçula), na escola a posição que cada sujeito ocupa entre seus pares é fruto das qualidades e relações que ele estabelece com seus colegas e professores.
Se a televisão nos apresenta modos de vida, à escola cabe expô-los, estudá-los, compreendê-los, criticá-los. Isso porque na escola a educação – mesmo em seu sentido mais amplo de formação do caráter do indivíduo ou dos costumes do cidadão – se faz como fruto de um ensino deliberado e intencional. Os conteúdos podem variar de época para época, de sociedade para sociedade. Eles podem priorizar as ciências ou as artes. Podem recorrer aos mais variados estilos ou métodos, mas sempre representam um esforço no sentido de racionalizar a transmissão de um legado cultural. A especificidade da forma de transmissão escolar tem, pois, no ensino e no estudo contínuo e sistemático uma de suas marcas distintivas. E embora isso seja trivial, relembrar o óbvio é uma forma de evitar que a fusão em um todo indistinto descaracterize o papel educativo da escola; que não deve ser análogo ao de um trenzinho colorido de uma loja de “brinquedos educativos”.
*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII
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