NOTÍCIA
A partir de 2015, os professores do ensino médio da rede pública terão acesso a obras digitais; mercado editorial ainda busca respostas para os impactos dessa adaptação
A partir de 2015, os 600 mil professores do ensino médio da rede pública do país poderão escolher entre adotar livros digitais em seus cursos ou continuar com as obras impressas. Para que essa mudança seja possível daqui a dois anos, as editoras começaram no ano passado uma verdadeira corrida contra o tempo para digitalizar seus livros didáticos e participar do edital do PNLD 2015 (Programa Nacional do Livro Digital), que receberia inscrições até maio de 2012.
Essa demanda do MEC pelos livros digitais – que pretende impulsionar mudanças nas escolas – está mudando o jeito de as editoras trabalharem, com a criação de equipes multimídia familiarizadas com a linguagem web, além de exigir outra relação autor/editor com o livro didático.
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De acordo com Sergio Quadros, presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares), o desafio é criar um novo ambiente dentro das empresas que seja adequado às demandas dos conteúdos digitais. “As editoras estão investindo fortemente na contratação de profissionais especializados, empresas de tecnologia, pesquisas e desenvolvimento, além da formação e treinamentos de suas equipes.” O processo de criação dos objetos multimídia e livros digitais, explica, envolve um grande número de profissionais: editores de conteúdos, designers, revisores, pesquisadores, professores, leitores críticos especialistas de todas as áreas, diagramadores, ilustradores, programadores, cartógrafos e produção de vídeos, entre outros.
Do CD-Rom ao PDF
O material digital para o ensino médio já era esperado pelas editoras, que vinham trabalhando em objetos digitais para o governo desde o início de 2012, quando foi lançado o PNLD 2014 – voltado para alunos do 6º ao 9º ano. A diferença é que no edital anterior o MEC pedia duas entregas distintas: o livro impresso e um CD-ROM com o material multimídia complementar, que também ficará disponível no Portal do Professor do Ministério da Educação. De acordo com Fernando Moraes Fonseca Jr., gerente de Inovação e Novas Mídias da Editora FTD, porém, a impressão de tantos CD-ROM no Brasil está se mostrando inviável e as editoras têm negociado com o Ministério a possibilidade de o material ser acessado apenas online. O fato é que ali começava um processo que culminou com o “PNLD Digital”.
“Com o PNLD 2014, começamos a criar a cultura. As editoras não estavam preparadas, tiveram de montar a estrutura de TI e equipe para isso. Esse processo foi bom para que elas inserissem essa produção no processo. Em 2015 conseguiremos dar o salto para pedir um livro digital, onde os objetos digitais passam a estar na tela do livro, mas ainda é opcional. Quem quiser pode inscrever apenas o livro impresso, com a diferença de que precisam disponibilizar o material em PDF”, afirma Rafael Torino, diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mesmo acreditando que a tendência será de os professores adotarem as obras mais modernas.
É possível dizer que o aprendizado das editoras, entretanto, está sendo às escuras e baseado no que elas começam a desenvolver em menor escala para a rede privada de ensino. Isso porque o resultado do PNLD 2014, aguardado para março de 2013, não havia sido divulgado até o meio de abril, o que fez com que as editoras trabalhassem nas novas obras da forma que acreditam que seja a mais adequada.
“Como temos uma empresa de tecnologia, aumentamos o número de pessoas. No PNLD 2014 foi mais experimental”, afirma Emerson Santos, diretor-geral da Positivo. Para chegar aos objetos digitais que vão compor o e-book, Santos conta que os autores foram envolvidos em programas de capacitação. “Eles direcionam o que querem para aprofundar aquele conteúdo, e o designer e o programador vão tocar.”
Processo novo
Na Edições SM, o trabalho de enriquecer o material ficou a cargo do editor, que avalia o material que chega dos autores para enxergar objetos que possam influenciar no processo de aprendizagem e melhorar a assimilação do conteúdo. “Nós trabalhamos com o conceito de obra coletiva. Algumas têm até 11 autores, então o papel desse editor é fundamental”, afirma Ronyse Pacheco, diretora da SM.
Já a FTD, a partir da obra impressa, tem trabalhado formas de enriquecer esse material. De acordo com Fernando Moraes, a editora conta com uma equipe de profissionais multimídia para fazer esta concepção. “É um processo novo para toda a indústria. É novo para o autor, mas também para os editores. Trata-se de uma nova cultura para a edição pedagógica. E precisamos o tempo todo fazer o exercício para saber se aquilo realmente vai ajudar o aluno a entender melhor.” Ronyse completa: “Não basta colocar um objeto multimídia e pronto. É preciso conversar com a proposta pedagógica do livro, senão não faz sentido”.
Do outro lado, a avaliação dessas obras também deve contar com pessoas familiarizadas com o uso das TICs (tecnologias da informação e da comunicação) na educação. De acordo com o FNDE, as instituições de ensino superior que fazem a avaliação desse material estão sendo alertadas para que tenham em suas equipes – normalmente formadas por 30 a 50 especialistas – profissionais capacitados para a tarefa. Como a banca deve mudar periodicamente, Torino não vê problema neste ponto.
O que exige o edital
O e-book será uma espécie de PDF enriquecido com um conteúdo multimídia, como vídeos, jogos, infográficos, simuladores, galerias de fotos etc. Esta é, inclusive, uma demanda do edital: que os dois volumes tenham paridade. Além da necessidade de que os conteúdos iguais estejam sempre nas mesmas páginas, aluno e professor devem poder fazer download desses e-books para uso off-line (leia mais no box).
Outras novidades do edital foram a inclusão do livro de arte – que está fazendo com que as editoras corram contra o tempo para conseguir apresentar uma alternativa – e a restrição no número de páginas nas obras (tanto no livro do aluno como no do professor). O dos alunos fica entre 288 e 400, dependendo da disciplina, e o livro do professor vai de 400 a 512. Esta restrição tem gerado muito mais dor de cabeça às editoras, que já estavam com os livros praticamente prontos e estão mexendo em tudo novamente para atender à demanda.
Rafael Torino faz questão de frisar que o que se vive agora é um momento de mudança e que o objetivo do MEC é implementar as novas tecnologias na rede pública de forma gradual. “Precisa ser factível para as editoras, para que elas possam cumprir o que pedimos, e temos de inserir na escola de forma que não seja assustador para os professores e coordenadores”, diz. O diretor afirma ainda que a ideia não é descartar o livro impresso, mas apenas apresentar novas possibilidades. “Nossa filosofia é que elas são complementares. Ao menos por enquanto.”
Enquanto aguarda as próximas obras serem desenvolvidas, o MEC comprou tablets para os 600 mil professores do ensino médio e vai adquirir o PDF dos livros do professor do PNLD 2012, que serão colocadas à disposição dos docentes em duas lojas virtuais de e-books – selecionadas também por um edital. Assim, neste ano e em 2014, os docentes terão os livros on-line, mas sem nenhum recurso extra.
Custos
“Há um outro desafio que é a criação de modelos comerciais que permitam esses investimentos, a atualização tecnológica e o desenvolvimento de conteúdos que atendam às demandas das políticas públicas para a educação básica”, afirma Sergio Quadros, da Abrelivros. Mas quando o assunto é o valor que essas obras devem movimentar no mercado, há um conflito de interesses.
O MEC não revela quanto a mais está disposto a pagar por esse material digital, enquanto na outra ponta as editoras afirmam que os investimentos para viabilizar a empreitada foram muito altos. De acordo com Quadros, é possível afirmar apenas que o setor como um todo vive uma fase de intensos investimentos para criar e adequar seus conteúdos às novas plataformas e demandas.
Segundo Fernando Moraes, só o custo com terceiros para a produção dos objetos ficou em torno de R$ 6 milhões na FTD. Na Edições SM, a versão digital tem custado para a editora 75% de uma versão impressa. “Essa é uma grande preocupação. No PNLD 2014 não ficou definido o que é. Tudo foi feito sem compromisso de valores. Dependendo da resposta do governo, a indústria vai tirar o pé do acelerador. Não dará tempo de mexer para 2015, mas o processo vai ter de ser tocado”, avalia o diretor da FTD. Para quem, neste caso, a solução será adequar materiais estrangeiros e prontos.
O desafio do acesso |
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As editoras ainda nem entregaram os livros, mas já têm trabalho duro em um formato para atender a um outro desafio imposto pelo PNLD 2015: o acesso dos alunos ao conteúdo digital. Pensando que uma empresa venda um milhão de livros para o MEC, ela terá ao menos um milhão de alunos aptos a acessarem esse conteúdo digital. Isso significa o desenvolvimento de uma plataforma capaz de receber esse número de visitas, seja para poder acessar o conteúdo on-line ou fazer o download, já que o edital também exige que esse conteúdo possa ser usado off-line. “Nós não podemos trabalhar com um número médio de acessos, porque não temos nenhuma referência. Será a primeira vez que isso acontecerá. Então, temos de ter uma plataforma pensando nos picos”, afirma MarciaTakeuchi, da Edições SM. Para que isso funcione, de acordo com o FNDE, cada aluno receberá com o livro um código de acesso, e esta é outra dúvida. A editora FTD, por exemplo, já importou uma máquina que custou 1 milhão de euros apenas para poder imprimir códigos não seriados nos livros. Mas as editoras que terceirizam o serviço de impressão terão de arcar com um custo maior se essa for a solução encontrada e aguardam as definições do MEC de como será a inserção desse código. De acordo com Torino, o objetivo do MEC ao deixar a gestão de acesso com as editoras é ainda uma forma de dar autonomia para que elas possam atualizar o material durante os três anos em que o livro for usado, podendo colocar novos elementos a qualquer momento. Questionado sobre qual seria o interesse das editoras em continuar a atualizar esse material, o diretor do FNDE afirma que isso já acontece no setor privado e que para as editoras é importante porque beneficia escolhas futuras pelos docentes. |
Dificuldades além dos livros |
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Quando se fala nos livros digitais, um outro questionamento surge: como os alunos terão acesso a esse material se ainda há uma carência de infraestrutura? Pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2011, mostra, por exemplo, que apenas 4% das escolas públicas brasileiras têm computadores em salas de aula. No levantamento, eles mapearam 650 escolas, das quais 497 públicas e 153 particulares, com base em dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). O levantamento, chamado TIC Educação, revelou ainda que 55% dos docentes e 51% dos coordenadores pedagógicos das instituições públicas acreditam que o número de equipamentos por aluno limita o uso do computador e internet na escola. O uso das TICs em aulas expositivas e interpretação de textos também se mostrou bem baixo, 24% e 16% respectivamente. “É uma iniciativa pioneira, inclusive em relação a outros países. O MEC está tomando a dianteira, mas por ser muito nova traz muitos desafios, como a questão da infraestrutura das escolas e a formação dos professores”, afirma Emerson Santos, diretor-geral da editora Positivo. “E não estamos falando apenas de computadores, tem a questão da banda larga, mas também a da energia elétrica, de tomadas para todos os equipamentos”, afirma Ronyse. De acordo com Torino, essas são as várias frentes em que o governo vai trabalhar até 2015 para que seja viável a utilização do material digital que o MEC irá comprar. “Nós vamos adquirir conteúdo, há outras áreas trabalhando para a aquisição de equipamentos, as escolas estão recebendo banda larga. Não podemos ficar esperando. Uma coisa vai puxando a outra. São ações paralelas. Hoje não tem, mas para 2015 vai ter.” |
O caminho do PNLD 2015 |
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O cronograma até 2015 para que os alunos recebam os livros 2013 2014 |