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Publicado em 03/06/2013

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A obrigatoriedade da presença de psicopedagogos nas escolas públicas de São Paulo abre a discussão para o apoio necessário à escola na mediação de conflitos

As escolas da rede pública municipal de São Paulo passarão a contar com o auxílio de um psicopedagogo para trabalhar em situações de conflito. As condições de oferta desse profissional ainda não estão definidas, mas serão regulamentadas até julho. A notícia foi bem recebida pelos teóricos da área, que esperam ganhar agilidade na regulamentação da profissão, que tramita no Congresso Nacional, e melhorar os processos de aprendizado, intervindo em situações de crise e tentando reduzir problemas como a evasão escolar e o bullying.

O projeto 11/2005, que culminou na Lei 15.719 sancionada pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), é de autoria do vereador Antonio Goulart (PSD) e foi formulado com o apoio da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). “Sempre me preocupou a questão da evasão escolar e dos problemas de aprendizagem. Pesquisando a legislação, descobri que outras cidades como Ourinhos e Santos já tinham essa assistência”, afirma o vereador.

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Para ele, esta era uma lacuna a ser preenchida no ensino público paulistano, uma vez que, nas instituições de ensino particulares, o profissional de psicopedagogia já integra o corpo docente há muitos anos.

A profissão de psicopedagogo ainda não é regulamentada no Brasil. O projeto de lei 3512/2008, de autoria da deputada federal Ra+quel Teixeira (PSDB), que trata do assunto, passou por audiência pública no Senado Federal. O próximo passo é a votação em uma comissão especial, para só então ser promulgado pela presidente Dilma Rousseff. Há 33 anos no Brasil, a formação em psicopedagogia é mais difundida em cursos de especialização, mas o campo conta hoje também com três cursos de formação superior específica: na Rede Lassalle de Educação (Unilassale, de Canoas-RS), no Centro Universitário Fieo (Unifieo, em Osasco-SP) e na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Representante do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), a conselheira Alacir Villa Valle Cruces, especializada em psicologia escolar e educacional, também considera a Lei 15.719 um avanço, mas ressalta que, para a instituição, o ideal seria que a psicopedagogia mantivesse o seu elo com a saúde, sendo uma especialização exclusiva da psicologia. A questão é polêmica.

Polo formador
O projeto de lei paulistano foi apresentado em 2005. A demora para a aprovação, ocorrida oito anos depois, deve-se em parte ao fato de a profissão envolver áreas distintas do conhecimento, relacionadas a diferentes orçamentos públicos. “No começo, não se sabia se quem pagaria a conta seria a Saúde ou a Educação”, diz Quézia Bombonatto, presidente da ABPp. Optou-se pela segunda.

Sem a devida regulamentação, a psicopedagogia vive, de fato, uma crise de identidade no Brasil. Enquanto se espera, a formação desse profissional oscila entre uma graduação específica e uma especialização, ora da psicologia, ora da pedagogia. Países como Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina e Chile já regulamentaram a profissão, cada um ao seu modo. E São Paulo já se configura como um polo exportador de profissionais para outros municípios.

“Estimamos que haja hoje cerca de 150 mil psicopedagogos no Brasil, destes, 50 mil estariam em São Paulo, com as mais diferentes formações”, ilustra Quézia. Segundo ela, os profissionais da cidade são disputados por municípios de todo o país, já que muitos têm legislação semelhante há alguns anos.

Isso se deve à atuação de organizações de estímulo à inclusão social, que atuam principalmente em pontos distantes dos grandes centros. Assim, por vezes, esses pequenos municípios obtêm avanços na legislação antes de grandes capitais.

“Temos conhecimento de 98 cidades com leis do tipo – e elas estão em todas as regiões do país”, acrescenta a presidente da ABPp. É o caso de pequenos municípios do Ceará, onde atua o Projeto Lumiar, uma iniciativa que promove atendimento psicológico gratuito em comunidades de baixa renda há 13 anos.

Com base em concursos públicos municipais que ocorrem pelo país, é possível afirmar que o salário inicial do psicopedagogo varia de R$ 1.800 a R$ 2.500 para 20 horas semanais. “O valor é baixo, mas cerca de 20% superior à média salarial de professores,” diz Quézia.

Na prática
A escola é uma confluência de diferentes públicos: alunos, professores, coordenadores, diretores, pais e mesmo médicos, em casos de encaminhamento. Caberia ao psicopedagogo mediar esses encontros e promover uma comunicação mais eficiente entre eles. Por vezes, isso acontece por meio da identificação de variantes, como habilidades abaixo ou acima da média, indisciplina, repetência, e desinteresse do aluno.

“Com a Lei da Inclusão, as escolas têm de se preparar para lidar com a diversidade no cotidiano”, afirma a psicóloga, psicopedagoga e terapeuta familiar Nívea de Carvalho Fabrício.

Nívea é diretora do Colégio Graphein, em São Paulo, especializado em inclusão escolar.  “A presença de psicopedagogos em escolas públicas representa uma excelente mudança, um progresso”, diz. “Toda escola precisa de psicopedagogos.”

A professora Maria Anita Viviani Martins, coordenadora do Curso de Especialização em Psicopedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também comemora a Lei 15.719. Ela acrescenta ainda que é parte das atribuições do psicopedagogo “documentar casos particulares de assistência à aprendizagem escolar”. Porque se trata de um conhecimento em pleno processo de construção histórica.

Em uma perspectiva mais ampla, entende-se que a psicopedagogia tem ainda um papel importante na inclusão social de jovens em situação de pobreza e risco. “Desde que a proposta foi apresentada em São Paulo, foi possível identificar alguns casos nos quais a presença do psicopedagogo seria fundamental para prevenir, por exemplo, tragédias como a de Realengo”, afirma o vereador Goulart, frisando que o psicopedagogo tem um papel importante para além do aprendizado formal: o auxílio na prevenção à violência juvenil. 

O massacre ocorreu em 2011, na Escola Municipal Tasso da Silveira, do bairro de Realengo, na cidade do Rio de Janeiro. O jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu o colégio armado com dois revólveres e disparou contra os alunos, antes de se suicidar. Doze adolescentes morreram.  Acredita-se que Wellington era vítima de bullying, um processo de assédio e a intimidação continuados sofridos no ambiente escolar.

Leia a bula
Muito se fala hoje também sobre o papel da escola na “medicalização da infância”, isto é, na prescrição precipitada e irresponsável de remédios para o controle de problemas como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Qual seria o papel do psicopedagogo nesse contexto?

Para Mauro Muzkat, neurologista e neuropediatra, coordenador do Ambulatório de Déficit de Atenção da Unifesp, o medo da medicalização gerou um preconceito contra a escola e contra os remédios em questão.

“Maior do que o problema da medicação é a falta do diagnóstico para crianças que realmente tem TDAH”, afirma. “Estima-se que hoje, no Brasil, apenas um sexto dessas crianças estão em tratamento, já que o transtorno corre em cerca de 5% da população, de acordo com padrões internacionais.”

Também é importante destacar que a prescrição da Ritalina é controlada e só pode ser feita por um médico, nunca por um psicopedagogo. No ato da compra, a receita fica retida na farmácia com os dados do médico e do paciente.

Na opinião de Muzkat, o medo da medicalização, que realmente ocorre em alguns casos, fomenta um preconceito contra um tratamento farmacológico eficaz quando bem prescrito e estabelecido desde a década 50. Os psicopedagogos, então, seriam uma interlocução adicional de que o médico pode dispor para um diagnóstico mais preciso.

Segundo os especialistas ouvidos, para fazer um bom trabalho, o psicopedagogo precisa de recursos multidisciplinares para além de materiais físicos, como testes, formulários e apostilas.

Esse profissional necessita principalmente de um canal aberto com todos os componentes da vida escolar: alunos, pais, professores, coordenadores, diretores e médicos. E tudo isso começaria com uma formação sólida e algum reconhecimento social.

Aprendizagem em debate

Entre os dias 29 e 31 de agosto, ocorrerão em São Paulo o 1º Congresso Internacional e o 3º Congresso Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizagem. Estão previstos cerca de 20 especialistas de outros estados e três do exterior (Argentina, Portugal e Israel), além de professores da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que realiza o evento em conjunto com a Associação Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizagem (Andea). Podem participar estudantes, professores e profissionais.
Mais informações no site http://www.congressoandea.org.br.

Por que regulamentar a profissão?

No Brasil, a formação do psicopedagogo vem ocorrendo em caráter regular e oficial, desde a década de 70, em instituições universitárias. Essa formação foi regulamentada pelo Ministério da Educação (MEC) em cursos de pós-graduação e especialização, com carga mínima de 360 horas, sendo que a maioria dos cursos é oferecida com 720 horas ou mais.

Hoje, há cursos autorizados nos seguintes estados: Amazonas, Pará, Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e no Distrito Federal.

Entendem-se como campos de trabalho do psicopedagogo as áreas clínica, institucional (escola, hospital ou empresa) e pesquisa em universidades e fundações. Nenhuma das graduações existentes (exceto poucos e pioneiros cursos superiores de psicopedagogia, propriamente dita) contemplaria a especificidade dessa formação, ou seja – todas as facetas do processo de ensino e aprendizagem.

A regulamentação pretende oficializar o que já existe de fato, o que permitiria a normatização da formação e do exercício profissional, além de estender este atendimento à população de baixa renda, por meio de convênios de assistência médica e sistemas públicos de saúde e educação.


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