NOTÍCIA
Se a escola assimilar o elogiar, o interagir e o levar além, tão presentes no mundo virtual, reinventará a arte de aprender e ensinar
Publicado em 02/08/2013
A cultura facebookiana nos leva a ler mais. Há de tudo: textos toscos, recados superficiais, citações atribuídas a autores que nunca escreveram nada daquilo, mas também citações verdadeiras e oportunas, mensagens acertadas e contribuições bacanas.
Lemos confidências públicas, desabafos, lugares-comuns, estereótipos, notícias ultrapassadas, momentos poéticos, toques de brilhantismo, manifestações de repúdio a tudo o que está aí, denúncias, orações a todos os santos, frases sentimentais, raciocínios mais ou menos falaciosos, enfim, uma profusão de textos que nos são enviados por uma multidão de pessoas.
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O dilúvio verbal não cessa. E nossas reações são múltiplas. Ficamos indignados, emocionados ou instigados à medida que vamos recebendo (e somos nós que procuramos) essa enxurrada de palavras. Os erros gramaticais ou conceituais ficam em segundo plano. Queremos beber desse manancial heterogêneo e inusitado. Nunca tantos escreveram tanto para tantos leitores.
Ou ainda nem tanto assim, se pensarmos que sempre é possível multiplicar a quantidade de novos e prolíficos amigos virtuais. Nós podemos ficar horas e horas lendo o que nossos conhecidos e desconhecidos parceiros do Face postam a toda hora. Será educadora essa leitura?
Vontade de curtir
Somos convidados a dizer que gostamos do que lemos. Podemos curtir. É o impulso da curtição. O curtir é uma forma de aprovar, elogiar, admirar. Os amigos que nos curtem curtirão nossos textos. Professores que frequentam o Facebook sabem que seus alunos poderão curtir (ou não) os textos, fotos e vídeos que postarem. A responsabilidade docente de viver na Idade Mídia reside aí.
Mostre-me o que postou e curtirei quem você é! Nós somos (ou queremos que pensem que somos) aquilo que postamos no Face. Nossas preferências e breguices, nossos chutes e genialidades ensinam algo a todos. Todos podem se tornar mentores e mestres de um certo público. Se 40 pessoas curtiram você, então algo de você quiseram aprender.
O que eu curto, por outro lado, reflete, de certo modo, meus interesses, minha visão de mundo, meu sistema pessoal de convicções. Ao curtir a foto de um cachorrinho, ou um verso de Drummond (mesmo que talvez não seja de sua autoria…), ou uma advertência apocalíptica, ou uma crítica amarga, ou uma piada, revelo que pessoa eu estou me construindo mediante estas opções e curtições.
Comentar: trabalho mental
Um passo além do curtir é o do comentar. Exige um pouco mais de empenho. Meu comentário deve ser relevante. Ou não. Em dado momento será um mero kakakaka, ou um descontraído shuashuashua, ou um simpático hehehehe. Não preciso ser profundo nas diferentes formas de rir.
Ou posso fazer um comentário grosseiro. É uma perda de tempo, um desgaste inútil, como todos os desgastes, mas essa possibilidade está aí. O teclado não se opõe. Posso digitar sem calibrar palavras. Se eu sou professor, no entanto, devo ter o cuidado de incluir um comentário caprichado, indicando um livro, um link, fazendo uma ponderação.
O comentário expressa meu ponto de vista. Se já curti, posso explicar o porquê do curtir, e acrescentar informações. Se não curti, o comentário pode ser a forma de eu me explicar. Gerar um certo debate, dentro das limitações próprias do Face. Mas lugar de debate para valer é fora da rede!
Compartilhar é ensinar
Compartilhar pressupõe adesão e engajamento. É uma pequena contribuição, sem dúvida. A própria etimologia do verbo “compartilhar” nos remete à palavra “partícula”. É um gesto pequeno, mas com uma intenção importante: transmitir e ensinar.
Enviar algo que considero valioso para a leitura de outras pessoas consiste em participar e fazer participar. O compartilhamento aumenta o alcance do curtir e do comentar.
A rapidez com que podemos difundir notícias, dados, ideias deve ser acompanhada pelo velho hábito da reflexão. Porque a reflexão confere densidade ao que se difunde. Um compartilhamento ensina na medida em que nos faz avaliar melhor os acontecimentos.
Os três cês
Nessa dinâmica comunicacional, temos os três cês: curtir, comentar e compartilhar. Curtir é elogiar. Comentar é interagir. Compartilhar é levar além.
Essas três ações deveriam estar presentes também no mundo não virtual. Aliás, o virtual é cada vez mais real. E se o virtual invade a realidade da sala de aula, a melhor defesa é a assimilação. Assimilando, dentro da escola, o curtir, o comentar e o compartilhar, estaremos reinventando a arte de aprender e ensinar.
Curtir é muito mais do que dar uma nota 10. O curtir ele mesmo é uma aprovação simples, leve e motivadora. E o não curtir já diz tudo. Quem não recebe um curtir precisa descobrir o porquê.
O comentar dá espaço para que todos se posicionem. Comentários não passam de comentários. Alguns são interessantes. Outros são inúteis. Podem ser lidos ou ignorados. E vale a regra de ouro: que eu não envie comentários que eu não gostaria de receber!
E o compartilhar introduz o aprendizado numa grande rede de trocas. Quanto mais compartilhamos, maiores são as chances de ensinar, aprendendo, e de aprender, ensinando.
*Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação (USP) e pesquisador do Núcleo Pensamento e Criatividade (NPC) www.perisse.com.br