NOTÍCIA
Por meio de método que enfatiza a oralidade e o diálogo, a pesquisadora Onaide Mendonça elevou as taxas de alfabetização de escolas municipais em Presidente Prudente
Publicado em 18/02/2014
A combinação de princípios teóricos da linguística e da psicolinguística, tomando como ponto de partida as ideias e propostas de Paulo Freire, é o fundamento de um método de alfabetização desenvolvido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, pela professora e pesquisadora Onaide Schwartz Mendonça. A proposta, denominada de Método Sociolínguistico, foi adotada em escolas municipais de Presidente Prudente, com bons resultados: pesquisa realizada com 3,4 mil crianças do 1º e do 2º ano em 2011 e 2012 mostrou que, ao final de um ano letivo, 72,6% dos alunos estavam alfabetizados, proporção que sobe para 87,8% no 2º ano.
Em entrevista ao site de Educação, a pesquisadora conta como percebeu a possibilidade de fazer a junção de princípios teóricos e sua experiência em sala de aula, além de analisar a difusão do construtivismo no Brasil.
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Veja a videoaula Método sociolinguístico: práticas socioconstrutivistas
O método sociolinguístico resulta da combinação de sua experiência em sala de aula com seus estudos no mestrado e no doutorado. Como a senhora percebeu a possibilidade de fazer essa junção?
Estar à frente de uma sala de alfabetização e não saber por onde começar é desastroso. Dá insegurança e pavor em função da responsabilidade que é ter um número significativo de crianças para ensinar a ler e escrever. Ao conhecer a filosofia de educação de Paulo Freire, bem como seu método de alfabetização e a importância que dá ao diálogo, vi uma oportunidade de trazer a realidade das crianças para a sala de aula e garantir o seu interesse pelo mundo da leitura e da escrita.
Quais foram os pontos de contato entre esses dois universos que deram origem ao método?
Paulo Freire oferece a possibilidade de desenvolver a oralidade e ainda dá conta de ensinar os conteúdos específicos de língua organizando o trabalho do alfabetizador. Assim, verifiquei que se por um lado o construtivismo olha para o indivíduo, por outro, Freire vê a importância da socialização e quer todos os alunos lendo e escrevendo com autonomia, e ainda, capazes de intervir criticamente no cotidiano e no mundo em geral.
Paralelamente, as descobertas construtivistas de Emília Ferreiro nos ajudaram a direcionar atividades adequadas às dificuldades de cada criança para intervir pontualmente a fim de que construam e avancem em seus níveis de aprendizagem.
O que chamou sua atenção na proposta de Paulo Freire e como foi a transposição dessa proposta para a alfabetização de crianças?
O diálogo me chamou muito a atenção, pois envolve as crianças no processo de ensino/aprendizagem dando segurança e liberdade para questionarem o professor, assim não ficam com dúvidas sobre os conteúdos e aprendem a argumentar.
A ficha de descoberta é algo mágico para as crianças porque, ao apresentar três famílias silábicas de uma só vez, amplia rapidamente o repertório de conhecimento delas, o que possibilita que aprendam rápido e com alegria, sentindo-se capazes de descobrir, ler e escrever sozinhas cuja conquista valorizam muito.
A transposição para a proposta de Freire para crianças é extremamente simples, pois é só adequar à faixa etária das crianças o nível de questionamento e os textos a serem trabalhados nas palavras geradoras.
A partir de sua experiência e pesquisas, como a senhora analisa a maneira como se deu a difusão do construtivismo no Brasil?
As pessoas envolvidas com a alfabetização precisam compreender que construtivismo não é método de ensino, mas teoria de aprendizagem. Entretanto, no Brasil, a psicogênese da língua escrita foi divulgada como metodologia. As contribuições dessa teoria podem auxiliar muito a alfabetização desde que utilizadas corretamente, mas não foi o que ocorreu.
As secretarias de educação tentaram estabelecer uma relação entre as descobertas teóricas (os períodos e níveis de escrita) de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky e a sala de aula, mas sob uma ótica equivocada. O problema é a ênfase no letramento, ou seja, os usos que se faz da leitura e da escrita, que, entretanto, as crianças ainda não dominam, em detrimento da alfabetização propriamente dita.
Algumas práticas que se tornaram difundidas acabam tendo o efeito contrário do esperado: ao invés dos alunos ganharem autonomia, o processo acaba ficando centralizado no professor porque os alunos ficam sem elementos para avançar.
Por exemplo, o ensino sistemático com a leitura do alfabeto foi banido, pois sugerem que seja recitado ou cantado. Ora, o alfabeto foi criado pela humanidade para ser “lido”. Para que a alfabetização ocorra de modo eficiente, a primeira providencia é o professor explicitar o que e quais são as letras do alfabeto, sua combinação na produção e leitura de sílabas, palavras e textos. Isso é o básico da alfabetização que foi excluído das propostas oficiais.
Os professores também foram orientados a ler histórias, parlendas, poesias para as crianças e, em seguida, elas recontam o texto que é reescrito pelo professor na lousa. Esse trabalho deve ser feito diariamente até que os alunos decorem a história e a cópia do texto, ou seja, a cartilha foi tão criticada por fazer a leitura mecânica das famílias silábicas e em pleno século XXI os professores têm feito crianças decorarem textos inteiros.
Ler textos para os alunos é indispensável, porém ficar questionando sobre o título, autoria, gênero textual sem fornecer as informações necessárias para que os alunos realmente aprendam a ler e escrever é um tremendo equívoco que resultará na produção de futuros analfabetos jovens e adultos.
Erro semelhante seria limitar o trabalho aos aspectos técnicos da língua e se esquecer de mostrar a função social da leitura e da escrita e os diferentes gêneros textuais. Defendemos que se deve trabalhar tanto a alfabetização como o letramento em sala de aula, pois um complementa o outro para a formação de leitores e escritores autônomos.
Esse cenário só será modificado no dia em que os administradores da educação enxergarem que alfabetização é ensino de língua materna. Para assegurar que o profissional saiba o que está fazendo é indispensável prática, experiência de sala de aula, porque a sala de aula é o diferencial em alfabetização. É nela que se vê o que funciona para solucionar problemas de aprendizagem e se aprende a elaborar as melhores estratégias de ensino que garantem a aprendizagem.
Um discurso frequente na educação é o de que a experiência dos professores deve ser respeitada e aproveitada, porém, muitas vezes, quando alguém que veio da sala de aula se pronuncia de forma contrária às orientações oficiais é desqualificado. Ninguém ensina o que não sabe.
Como vem sendo a aplicação do método sociolinguístico na rede pública de Presidente Prudente?
Nem a secretaria de educação de Presidente Prudente nem os professores estavam contentes com os resultados da proposta que vinha sendo utilizada, por isso nos pediram ajuda.
Os professores sentiam necessidade de trabalhar a sílaba como estratégia que agiliza a aprendizagem das crianças, mas não queriam fazer um trabalho mecânico como o das cartilhas tradicionais. Apresentar as sílabas aos alunos acelera a alfabetização, mas como, em função das orientações oficiais, este trabalho não podia ser realizado, alguns professores o faziam escondido.
Assim, quando tomaram contato com nossa proposta metodológica e sugestões práticas de atividades, enxergaram a possibilidade de realizar um trabalho mais exitoso. Inicialmente, mais da metade dos professores da rede municipal de Presidente Prudente aderiram à proposta.
Uma das dificuldades da implantação da metodologia foi os professores entenderem e incorporarem o diálogo em sua prática. Alguns acham que conversar com as crianças é perda de tempo. Não percebem que o diálogo desenvolve o respeito mútuo, o aspecto cognitivo, valores, além de motivar para a aprendizagem. A maioria já reconheceu a importância e pratica o diálogo.