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A solidão do ex-ditador em seu inverno Getúlio é uma recriação ficcional dos últimos dias de Vargas, mas realizada com zelo didático de um documentário Muitas vezes o cinema brasileiro deixa passar boas oportunidades de produzir filmes sobre fatos e personagens que, em virtude de […]
Publicado em 05/08/2014
A solidão do ex-ditador em seu inverno
Getúlio é uma recriação ficcional dos últimos dias de Vargas, mas realizada com zelo didático de um documentário |
Muitas vezes o cinema brasileiro deixa passar boas oportunidades de produzir filmes sobre fatos e personagens que, em virtude de efemérides ou do calendário nacional de eventos, estarão na pauta social e educacional do país. Não foi o caso, ainda bem, do mais lembrado agosto de nossa história, o de 1954, que registrou o suicídio do então presidente Getúlio Vargas, em circunstâncias que ajudam a compreender a política brasileira na segunda metade do século 20. Agora lançado em DVD e Blu-ray, o longa-metragem Getúlio (2014, 101 min) cumpre muito bem o papel de ser matéria-prima para reflexão e debate.
É uma recriação ficcional dos últimos dias de Vargas, mas realizada com o zelo didático de um documentário pelo diretor João Jardim. Na interpretação de Tony Ramos, o presidente é caracterizado como um velhinho solitário, fisicamente fragilizado e dependente da família para saber o que ocorria à sua volta. Parece saudoso dos tempos em que sua capacidade de liderança não era contestada e em que sabia encontrar saídas quando o acuavam. Desta vez, não demonstra ânimo nem mesmo para buscar uma estratégia de sobrevivência política, muito menos para executá-la. Age como quem entregou os pontos e aguarda, de maneira passiva, o desfecho da crise mais aguda de sua carreira política.
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Seu drama lembra elementos de tragédias shakespearianas sobre os meandros do poder, com um protagonista palaciano confinado ao seu quarto e aos gabinetes do Catete, sem confiar plenamente no que lhe dizem seus auxiliares, alguns dos quais considera traidores, mas sem força para afastá-los e reacomodar o círculo do poder. O colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) publicou em 1975 um vigoroso romance político, O Outono do Patriarca, sobre a solidão de um fictício ditador caribenho. Parafraseando o título e aproveitando a semelhança entre as situações, Getúlio corresponde a um diagnóstico rigoroso do inverno de um patriarca.
Para lembrar os anos 1950
Uma boa maneira de ajudar os alunos a entender como era o Brasil quando Getúlio Vargas se suicidou, em 1954, é recorrer a filmes brasileiros produzidos ou ambientados naquele período. Eles nos lembram aspectos importantes de nossa sociedade, como o protagonismo do Rio de Janeiro e a influência de jornais, revistas e emissoras de rádio antes da popularização da TV. Confira algumas opções disponíveis em DVD:
Uma pulga na balança (1953)
Um dos filmes mais populares da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que teve a ambição de reproduzir o modelo dos estúdios norte-americanos e europeus, mas que faliu em poucos anos. Nessa comédia dramática dirigida por Luciano Salce, a impunidade é objeto de sátira: da cadeia, um detento comanda uma rede de chantagem, o que possibilita uma divertida representação da elite da época.
Absolutamente certo (1957)
Em seu longa-metragem de estreia na direção, Anselmo Duarte (que faria em seguida O Pagador de Promessas) mostra o início da popularização da TV e o fenômeno dos “televizinhos” (que frequentavam as casas dos proprietários de aparelhos). Duarte interpreta um funcionário de gráfica que participa de um programa de perguntas e respostas, manipulado por uma quadrilha.
São Paulo S/A (1965)
O impacto da chegada das montadoras estrangeiras de veículos ao Brasil, na segunda metade dos anos 1950, está no centro das transformações sociais e econômicas recriadas pelo filme de Luiz Sérgio Person. Walmor Chagas interpreta um técnico que faz carreira rapidamente graças ao “boom” desenvolvimentista do país.
Flores raras (2013)
Ao recriar a história de amor entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a escritora norte-americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto), o filme do diretor Bruno Barreto apresenta o Rio do Janeiro na passagem dos anos 1950 para 1960 e tem como personagem uma das figuras-chave do agosto de 1954, o deputado Carlos Lacerda (Marcello Airoldi).