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In memoriam do José Ronaldo

Freirianamente, acreditava que a escola pode mudar pessoas, que mudarão a sociedade

Publicado em 12/01/2015

por Redacao

Se a família terceiriza a educação dos seus filhos e a escola não ensina, uma sociedade doente considera normal que assim seja. Dizem que é o Freud que tudo explica, mas, desta feita, quem explica é o Schumpeter, quando nos diz que todo hábito, uma vez adquirido, afunda no subconsciente, transmitido pela educação. Talvez por isso, a crença nas virtudes da velha escola mantenha os professores na ilusão de uma possível melhoria. Que estranha loucura se apossou dos nossos educadores, que creem ser possível ressuscitar um cadáver em decomposição?

#R#

A velha escola já nem conteúdos consegue transmitir – poder-se-á aceitar, por exemplo, a reprovação de alunos com 100% de assiduidade? Pedem-lhe que eduque para o consumo e a saúde, mas ela engendra inadimplentes e obesos. Pedem que faça educação sexual, e alunas são estupradas dentro de uma universidade. Pede-se que eduque para a autonomia, e os professores, cativos de uma platônica caverna, para onde uma “formação” deformadora os atirou, semeiam heteronomia. Compete-lhe “educar para a cidadania”, mas decreta-se o voto obrigatório. Naturaliza-se a violência, num país onde, diariamente, 150 pessoas são assassinadas. Uma diretora, que não sabe que ninguém nasce criminoso e que o criminoso é uma construção social, exclama: Esta turma tem um filho de bandido. É provável que ele também venha a ser bandido.

A velha escola tem contribuído para a manutenção de uma crise moral, cujos escândalos alimentam os noticiários. Por isso, o senador Cristovam Buarque sugere que se troque “ordem e progresso” por “educação é progresso”. Diz-nos ser necessário passar do discurso à indignação, num impulso de resgate ético e moral da sociedade. E que esse desiderato só é possível de alcançar através da educação. Não mais uma escola, que condena milhões ao analfabetismo linguístico e social, assente numa competitividade nefasta e num sutil darwinismo social, que adoece professores, produz corruptos e reproduz injustiça social. Nunca será demais insistir na freiriana denúncia desse monstro, que um poder público irresponsável continua a alimentar.

A que se deve esta súbita fúria de velho professor? Por que este chorrilho de metáforas? Porque, indiretamente, o cadáver adiado continua a fazer vítimas. Explico. Presume-se que a velha escola promova educação ambiental, mas a educação que ela promove destrói a Amazônia, faz secar a Cantareira, ateia incêndios devoradores de florestas.

O meu amigo Zé Ronaldo sempre sonhou com uma nova escola nas terras de Minas Gerais. Freirianamente, acreditava que a escola pode mudar pessoas, que mudarão a sociedade. Acompanhei a sua labuta, com ele aprendi a amar o verde-esperança da serra que ele amava. A floresta da Serra de Carrancas estava a arder há já dois dias. O meu amigo foi ajudar a combater o incêndio, que a ignorância, a incúria, ou mãos criminosas atearam. O seu corpo sofreu queimaduras graves. O meu amigo Zé Ronaldo morreu sem ver realizado o seu sonho de uma boa educação em Carrancas e no Brasil. Que os seus companheiros saibam honrar a sua memória.

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