NOTÍCIA

Edição 217

Yvette Jackson: todos os alunos têm potencial para a alta performance

Após 12 anos de estudos em cognição e neurociência, a americana defende que é preciso inverter a lógica de olhar para as deficiências dos alunos e trabalhar seus pontos fortes

Publicado em 12/05/2015

por Paulo de Camargo

Divulgação
Yvette Jackson: se todos recebem as estratégias de altas habilidades, o direito à alta performance pode ser ativado

Paulo Freire influenciou gerações de educadores e continua influenciando o surgimento de novas perspectivas para uma educação emancipadora. É o que acontece nos Estados Unidos, onde a pesquisadora Yvette Jackson vem se tornando conhecida pelo impacto de seu livro Pedagogia da Confiança (ainda não publicado no Brasil).
Discípula do psicólogo israelense Reuven Feuerstein (1921-2014), que por sua vez foi aluno de Piaget e colega de Freire, Yvette vem se notabilizando por defender a tese de que todas as crianças podem atingir alta performance de aprendizagem.
Apoiada em conhecimentos de neurociências e da cognição, a autora defende que é preciso inverter a lógica de olhar para as deficiências dos alunos, passando o foco para seus pontos fortes.
Recentemente, a pesquisadora esteve no Brasil para ministrar um curso sobre o tema na Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio de Janeiro, e concedeu a seguinte  entrevista exclusiva à revista Educação.
Como surgiu a ideia da Pedagogia da Confiança?
Quando era professora, tive a oportunidade de ensinar os mesmos alunos por três anos. Eles eram descendentes de africanos e latino-americanos, oriundos de famílias de baixa renda, e, como todas as crianças, tinham sede de aprender. Durante aqueles anos vi a aprendizagem deles se expandir a altas taxas, o que demonstrava um potencial inato. Ao mesmo tempo, a diretora da escola queria iniciar um programa para estudantes com altas habilidades, acreditando que lá havia alunos que tinham as características identificadas nos programas desse tipo. Ela pediu a uma psicóloga para indicar testes que pudessem identificar tais crianças. Esta profissional veio a mim e manifestou sua descrença. Para ela, não havia ninguém assim lá. Fiquei furiosa por ver que uma pessoa que nunca ensinou àquelas crianças pudesse fazer tal declaração. Então fiquei determinada em identificar pesquisas que pudessem fundamentar aquilo que eu sabia – que todos os alunos têm um potencial inato para a alta performance cognitiva.
Como foi o caminho de pesquisa?
Minha pesquisa me levou a estudar o psicólogo cognitivo Reuven Feuerstein, aluno de Jean Piaget. A teoria de Feuerstein era que todos os seres humanos têm a característica única de modificar-se a si mesmos, não importa de onde partam. Esta convicção impulsionou sua pesquisa sobre a modificabilidade cognitiva estrutural do cérebro e do efeito transformador que o uso de estratégias cognitivas específicas para mediar a inteligência tem para reverter os problemas de aprendizagem. Feuerstein provou que até mesmo barreiras inatas e traumas poderiam ser superados com confiança e mediação certa. Sua pesquisa fundamentou em mim a ideia de que a educação de crianças deveria ser o que chamei de Pedagogia da Confiança, ou seja, uma proposta que defende a identificação e ampliação do potencial intelectual para envolver e acelerar a aprendizagem e a realização. Eu tinha certeza de que, se os alunos recebem as mesmas estratégias e práticas oferecidas aos alunos de altas habilidades, o direito à alta performance poderia ser ativado.
Qual foi a inspiração para o nome deste conceito?
Eu concebi o título Pedagogia da Confiança depois de assistir a uma sessão com Paulo Freire, que foi colega do Dr. Feuerstein. Freire fez uma palestra sobre seu livro A Pedagogia do Oprimido, e discutia o que era necessário para emancipar as pessoas oprimidas. Eu pensei que o antídoto para a desconfiança opressiva sobre a capacidade de aprender das crianças era a confiança. Eu investi 12 anos de pesquisas, por meio da experiência e do estudo da cognição e da neurociência, para fundamentar a teoria defendida na Pedagogia da Confiança.
Quais são os principais pontos desse conceito?
Pedagogia da Confiança é a convicção corajosa e o apoio para que todos os estudantes demonstrem altas performances intelectuais. É baseada na transformadora crença de Feuerstein de que dentro de cada um de nós reside um reservatório inexplorado de potencial para alcançar altos níveis de aprendizagem. Eu escrevi [o livro]Pedagogia da Confiança para reacender a crença dos educadores na grande capacidade de seus alunos e para restaurar sua confiança em sua capacidade de inspirar altas performances intelectuais. Quando você verdadeiramente acredita no potencial do aluno, começa por lhe oferecer opções e caminhos enriquecedores para fazer emergir os pontos fortes e a alta performance intelectual.
Nas escolas, em geral, os professores estão mais preocupados com as dificuldades do que com o potencial dos seus alunos. Você acredita que isso é cultural?
O mito cultural segundo o qual o único modo de fechar uma lacuna é focar a fraqueza é mais pronunciado na educação do que nos outros campos. Esse mito é cultivado na educação por meio de uma avaliação referenciada na norma, comparando milhões de crianças com as mesmas normas padronizadas desenvolvidas para atender a massa de estudantes. A ênfase excessiva na fraqueza tem nos desviado da grande capacidade intelectual inata dos indivíduos.
A Pedagogia da Confiança trata de mudança de atitudes ou leva à criação de novas estratégias, métodos e técnicas de ensino?
A Pedagogia da Confiança é sobre a implementação de estratégias e práticas que fortaleçam as funções cognitivas de forma transdisciplinar. Piaget, Vigotski, Feuerstein, Freire, todos eles, demonstraram que o alto nível de aprendizagem é gerado por estratégias que promovem alto nível de pensamento, o que inclui o pensamento analógico, silogístico, criativo, dialógico, filosófico. Tais formas de pensamento são ativadas por meio de estratégias que estimulam atividades cognitivas como analogias, comparações, metáforas, razão indutiva e dedutiva, perspectiva, reflexão, elaboração, e assim por diante. Essa conquista impacta todas as disciplinas. Identifiquei práticas, que eu chamo de Altas Práticas Operacionais, que incluem estratégias para identificar e ativar as fortalezas dos alunos, para enriquecer o ensino, para integrar determinados pré-requisitos para a aprendizagem, para situar a aprendizagem na vida dos alunos e para amplificar a voz dos estudantes.
Em seu trabalho, você mostra as relações entre confiança, autoestima e desenvolvimento do cérebro. Que efeitos têm essas relações no processo de aprendizagem?
O estresse que resulta da baixa autoestima provoca a emissão do hormônio cortisol, que inibe a compreensão e faz com que as regiões do cérebro associadas à tomada de decisões executivas e ao comportamento orientado por objetivos se deteriorem. Esta repercussão representa barreiras para o desenvolvimento de disposições mentais necessárias para o sentimento de conquista e autorrealização. A autoestima é reforçada quando professores levam os estudantes a refletir sobre suas fortalezas e a afirmá-las. Estudos demonstram que afirmações positivas podem reprogramar crenças negativas e motivar os alunos a estabelecer metas, o que é muito importante para o amadurecimento e a autorrealização.
Esse conceito pode ser aplicado a todos ou só em alunos com baixa performance?
Eu acredito que a Pedagogia da Confiança é aplicável a todas as pessoas. Nós nascemos com um potencial inato, a predisposição para a alta performance e o desejo de nos autorrealizarmos. Dr. Fuerstein provou que, com a mediação certa, disfunções cognitivas podem ser revertidas e altas performances podem ser cultivadas. Ele descreveu a mediação como um processo em que se destaca a qualidade da interação que um adulto usa para intervir entre um aprendiz e seu meio ambiente, com o objetivo de provocar no aluno a motivação pessoal para aprender. A mediação fornece aos indivíduos o convite para engajar-se e investir em sua aprendizagem, a partir de seus quadros de referência, das suas experiências e de sua realidade cultural e ética.
As suas pesquisas prosseguem? Quais são seus desdobramentos?
Tenho procurado demonstrar a recíproca relação entre as emoções dos professores e a aprendizagem dos alunos. Educadores ao redor do mundo investigam as razões da baixa performance dos estudantes e o impacto da pobreza ou da desigualdade, mas prestam pouca atenção ao efeito do estado emocional dos professores sobre a aprendizagem e aquisições dos alunos. Como os alunos, quando professores são reconhecidos pelas suas habilidades e apoiados para desenvolvê-las, eles vivem um estado emocional positivo, que motiva a inovação, assim como seu desejo de colaborar com os gestores e os alunos em caminhos mais profundos e responsivos. Mas o oposto é verdadeiro também. Quando os professores sentem-se sem apoio ou estressados em seu ambiente de trabalho o hormônio cortisol, debilitante, é liberado. Esse hormônio impacta a claridade do pensamento, a criatividade e a capacidade de focar. Isso diminui a capacidade do professor de desenvolver uma pedagogia inspiradora e um relacionamento motivador com seus alunos. A performance dos alunos e dos professores sofrem juntas. [leia mais sobre esse tema na matéria de capa desta edição, pg. 76]
Você é otimista quanto ao futuro da educação de crianças e jovens?
Sim, eu sou otimista. Mas meu otimismo se baseia em educadores que constroem sua confiança armando-se a si mesmos com pesquisa sobre a aprendizagem, com estratégias que promovem altos níveis de aprendizagem e levem em conta a importância de começar pelos pontos fortes de cada um – dos alunos e de si próprios – para criar o suporte pedagógico que presenteie o potencial inato dos estudantes, ao invés de degradá-lo.

Autor

Paulo de Camargo


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