NOTÍCIA

Edição 220

Quem são os astros da educação digital

Eles fazem (muito) sucesso com canais e plataformas on-line voltados aos estudantes que deixaram a sala de aula com dúvidas ou que precisam revisar algum conteúdo

Publicado em 03/08/2015

por Tânia Pescarini

 

© Gustavo Morita
Marcos Aba: sucesso no YouTube com vídeos que mostram o passo a passo de operações matemáticas

 
Aos 17 anos, João Caffagni está se preparando para prestar vestibular. Como a maioria dos adolescentes, ele chega da escola, almoça e liga o computador. Na hora de estudar, João prefere acessar videoaulas a abrir os livros. “É mais legal porque os caras tratam as matérias de maneira mais interdisciplinar, misturam física, biologia e política”, conta. “É bom para fixar e aprender.” O fenômeno é filho legítimo da era digital: de um lado, alunos que levam para casa muitas dúvidas; de outro, o crescente acesso às plataformas on-line.
É nesse cenário que surgiu uma nova safra de “astros” da internet, “competidores” locais de Salman Khan, da Khan Academy, porém sem o considerável aporte financeiro de Bill Gates. São professores de matemática, física, química e redação cujos vídeos reúnem centenas de milhares de acessos. É só digitar, por exemplo, a palavra “funções” no Google. Entre os principais resultados, surge uma videoaula do canal Vestibulândia, postado por ”nerckie”, sobre os conceitos básicos de funções matemáticas. O conteúdo é carta certa no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e em vestibulares. O vídeo já foi visto mais de um milhão de vezes, e os comentários passam de 600. A audiência de nerckie – “codinome” virtual do professor César Medeiros –  supera a de muitos videoclipes de astros da música nacional.
Medeiros é engenheiro de formação e professor por vocação, com experiência dando aulas em cursinhos pré-vestibular. Atualmente vive das videoaulas, que ele prepara sempre sozinho, do roteiro à edição, incluindo a inserção de recursos gráficos. “Os principais ingredientes para criar uma boa videoaula são a roteirização, a edição e a descontração. Roteirizar as aulas não significa dizer exatamente o que está na lousa. É preciso fazer complementos e brincadeiras para descontrair”, explica. O estilo brincalhão, um pouco televisivo, vem da prática em cursinhos. Seu canal tem em média 1,5 milhão de acessos mensais. Os rendimentos vêm da publicidade, de acordo com o volume de acessos.
 

Divulgação
César Medeiros, o ”nerckie” do canal Vestibulândia: “diferentemente de uma sala de aula presencial, não há ninguém atrapalhando”

 
Quem também faz sucesso no YouTube é o bacharel em administração Marcos Alberto Alves – Marcos Aba, para os frequentadores de seu canal de vídeos. A popularidade foi conquistada graças a videoaulas que explicam passo a passo como resolver operações matemáticas muitas vezes consideradas simples, como divisão de números decimais e subtração. No entanto, os 743 mil acessos ao vídeo Aprendendo a fazer contas de dividir e subtrair provam que muitos ainda têm dúvidas sobre esses conteúdos. “Meu público são justamente as pessoas que têm mais dificuldades em matemática. Adolescentes, principalmente”, afirma Alves. “Há também muitas crianças curiosas. Nesta semana uma aluna me disse que gostaria de ”adiantar” o conteúdo de uma aula de porcentagem que ela teria em breve”, comenta ele.
Questão de tempo
Alves atribui parte do sucesso de suas videoaulas ao fato de ele ter, no vídeo, um tempo que o professor não tem em sala de aula. Isso lhe permite explicar detalhes de uma maneira que seria impossível diante de 40 adolescentes cansados em uma sala de escola pública. “Nas salas de aula, eu observava que muitas pessoas faziam perguntas referentes a conteúdos básicos. O professor ia pulando tópicos e, ao final, os alunos ficavam confusos quanto à forma como ele chegara ao resultado. Ou seja, a maioria dos alunos tinha dúvidas após a resolução dos exercícios porque não se explicava o passo a passo. Eles ficavam sem saber o que estava acontecendo”, afirma.
E não é só por mostrar os detalhes que o formato ajuda. “No vídeo, não há interrupções”, afirma César Medeiros. Se o aluno precisa fazer um intervalo para ir ao banheiro ou recapitular um conteúdo, basta pausar o vídeo ou voltar alguns minutos. “Diferentemente de uma sala de aula presencial, não há ninguém atrapalhando. Então, é possível aprofundar melhor o conteúdo.”
O professor Paulo Jubilut, do projeto Biologia Total, começou com vídeos na internet e hoje dirige uma plataforma educacional com mais de dez funcionários. “Virei empresário”, conta ele, que chegou a participar do programa de Fátima Bernardes, na Rede Globo. A plataforma cobra entre R$ 13 e R$ 22 mensais por assinatura. Para as aulas, construídas com uma linguagem descontraída, Jubilut fez cursos de teatro e oratória. Ele incorpora aos vídeos técnicas de gamification – uso de recursos lúdicos com o objetivo de engajar a audiência na resolução de um problema.
“Em sala de aula, perde-se muito tempo com a indisciplina. Em 17 minutos de videoaula trabalho o mesmo conteúdo que trabalharia em cinquenta minutos em uma aula comum”, diz o professor. Jubilut, que já é uma celebridade na web, aponta um outro diferencial das aulas na internet: o aluno é quem vai atrás do professor. “Nosso aluno não é obrigado a acordar às 7 horas da manhã e ir para a escola ou ao cursinho contra a vontade”, diz ele. O aluno assiste à videoaula na hora que quiser e, como pode pausar e voltar o vídeo, o formato é mais adaptável à velocidade de aprendizado de cada um.
 

Divulgação
Professor Paulo Jubilut, do Biologia Total: “em sala de aula, perde-se muito tempo com a indisciplina”

 
É claro que, para surtir efeito no aprendizado, as videoaulas exigem do aluno disciplina e algum grau de autonomia. “O aluno precisa saber estudar”, afirma Jubilut. Ele aponta que as videoaulas são pouco eficazes para o ensino nos primeiros anos do ensino fundamental, quando a criança ainda precisa de orientação do professor em muitos aspectos. “Para o aluno com pouca idade, há ainda o problema de a internet oferecer muita distração.”
Não são somente as tradicionais matérias campeãs de filas nos plantões de cursinho – matemática, física, química e biologia – que atraem milhares de alunos para os canais do YouTube e plataformas educacionais. Rafael Cunha é professor de redação do Descomplica, uma plataforma dedicada a todas as disciplinas do ensino médio e que também funciona como um canal de vídeos por assinatura, com recursos extras como plantão de dúvidas e correção de redações.
O peso da redação no Enem faz com que muitos procurem o serviço. Cunha deu aulas em escolas privadas do Rio por 17 anos e afirma que 100% do conteúdo que ele lecionava está hoje na web. “A aula é a mesma”, garante. Tanto o Descomplica quanto o Biologia Total mantêm canais no YouTube com alguns vídeos disponíveis gratuitamente.

Para acessar
Veja os endereços e perfis em redes sociais dos canais e professores citados nesta reportagem:
Vestibulândia
www.vestibulandia.com.br
youtube.com/nerckie
facebook.com/nerckie
twitter.com/nerckie
Biologia Total
www.biologiatotal.com.br
youtube.com/jubilut
facebook.com/biologiajubilut
twitter.com/Prof_jubilut
Descomplica
www.descomplica.com.br
youtube.com/sitedescomplica
facebook.com/descomplica.videoaulas
twitter.com/descomplica
Khan Academy
www.khanacademy.org.br
youtube.com/KhanAcademyPortugues
facebook.com/khanportugues
Marcos Aba
youtube.com/marcosaba360
Videoaulas para quem?
Apesar do sucesso, não faz sentido dizer que as videoaulas podem substituir a escola. Afinal, o papel da sala de aula inclui a socialização e a formação para a cidadania. Muito se fala também na possível inclusão digital de alunos de baixa renda e de escolas públicas graças às videoaulas. Se, por um lado, os estudantes que acessam esses canais – muitos deles com mais de 20 anos de idade e já nos primeiros anos da faculdade – provam que o formato é uma saída para preencher lacunas de conteúdos básicos que não foram absorvidos em etapas anteriores, os alunos das camadas mais pobres da população continuam excluídos. “Há esse papo furado de que as videoaulas fazem a inclusão digital. Isso pode até ser verdade nas periferias do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Distrito Federal, mas as pessoas que mais precisam de educação continuam sem acesso”, afirma Jubilut, referindo-se às zonas rurais do país e às regiões que reúnem milhões de lares onde o acesso à internet ainda é lento e precário. Para essas pessoas, é ainda quase impossível baixar um vídeo, mesmo que elas tenham um computador disponível. “Ainda há lugares onde não há aula digital nem presencial”, diz o professor. Além disso, acompanhar uma videoaula é uma tarefa para quem já teve algum acesso ao ensino formal. Não se trata, portanto, de uma solução para as carências mais profundas da educação.

Autor

Tânia Pescarini


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