NOTÍCIA

Edição 229

A ciência por trás da tomada de decisão

Fazer escolhas é um processo cerebral complexo que, ao contrário do que se pensa, envolve mais a emoção do que a razão

 

 
O que fazer? O que escolher? Para onde ir? Como responder? Decidir nem sempre é tarefa fácil. No caminho entre a organização do pensamento e a tomada de decisão, o cérebro percorre muitas veredas. Inicia a caminhada considerando todas as alternativas, depois analisa a quantidade de informações, avalia custos e benefícios, faz um balanço das possibilidades e seus resultados e, por fim, elabora a decisão. A passagem da decisão para a ação é outro processo que consome, no mínimo, um décimo de segundo. Tudo o que você decide, vê, sente ou ouve já aconteceu, mas a mente precisa de tempo até processar e transformar a informação em ação. A mente se conscientiza de que uma parte da atividade cerebral trabalha previamente e, desde o nascimento, as pessoas lidam muito bem com esse atraso.

O que pesa na decisão

O processo cognitivo obedece a um circuito cerebral muito similar entre as pessoas. Mesmo assim, a genética, as conexões cerebrais, a personalidade, o humor, as interferências externas fazem diferença. “Resolver uma questão rapidamente ou gastar mais tempo em ponderações nem sempre revela uma decisão melhor ou pior. Tudo depende do nível de ansiedade”, diz Marcia Lorena Fagundes, neurologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Para ilustrar algumas diferenças entre as formas de decisão e ação, Marcia cita o prosaico ato de sair de casa para um compromisso, que deveria envolver tão somente passar a chave na porta e ir embora. No caso de um personagem obsessivo, depois de chavear a porta, ele volta para conferir se realmente está fechada; dependendo do nível de obsessão, pode voltar novamente para checar, até que acaba se atrasando para o compromisso. O ansioso passa ao largo dos aspectos importantes da decisão; quer apenas se livrar do sofrimento que a ansiedade provoca. Está com a atenção tão alterada que pode sair e até esquecer de passar a chave na porta. Mas vai ficar ansioso para voltar, já que a dúvida de ter ou não fechado a porta não permite tomar outras decisões. No caso do depressivo, o processo de decisão é tão lento e ele tem a atenção tão reduzida que consome um tempo imenso até não decidir nada. Para aplacar o sofrimento, ele adia a decisão e se convence de que o dia ou o horário não são propícios. Portanto, a personalidade do indivíduo pode ser determinante na tomada de decisão.

Caminhos possíveis

A tomada de decisão pode ser mesmo um ato de profundo sofrimento. Para se proteger, o cérebro nem sempre opta pela criatividade quando busca soluções: prefere fazer as conexões que já conhece a ter de enfrentar surpresa com os resultados. E mesmo quando optamos por caminhos novos, temos uma expectativa construída a partir daquilo que conhecemos. “Isso serve tanto para fantasia, memória, imaginação e até para o processo de decisão”, diz Daniel Barros, psiquiatra do Núcleo de Psiquiatria Forense do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Experimentar o desconhecido ou tomar o caminho conhecido são possibilidades que o cérebro analisa. Vale a pena ousar sem saber aonde vai chegar, embora com a possibilidade de descobrir algo novo e até prazeroso? Ou é melhor percorrer as veredas de sempre, cortar caminho, economizar energia e afastar um eventual fracasso? “Toda decisão envolve sempre duas opções”, diz Fernando Pinto, chefe do grupo de hidrodinâmica cerebral do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Qualquer das opções sempre dispara o lado racional e a parte afetiva das pessoas. Muito mais o emocional que o racional, destaca Marcus Vinicius Baldo, neurocientista, professor de fisiologia e biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Segundo Baldo, o emocional é muito mais determinante que o racional na tomada da decisão. “A racionalidade é uma invenção humana para justificar a decisão.” Decisões, diz ele, são norteadas por componentes afetivos. O chamado homem racional, que baliza suas decisões pelos ganhos, pelos lucros, faz parte de uma teoria ultrapassada. “A cada dia nos convencemos cada vez mais de que o componente afetivo determina até as decisões econômicas, o que derruba ainda mais o modelo do homem racional”, diz Daniel Barros.

A emoção prevalece

Não existe, portanto, decisão desligada da emoção. A avaliação do benefício da decisão está sempre associada ao prazer, enquanto a avaliação do risco se aproxima do sentimento do medo e do desprazer. Imaginar a possibilidade de sucesso dispara um sentimento de prazer, da mesma forma que pensar em um possível fracasso nos aproxima do desprazer, da perda. “A emoção é a ferramenta que a natureza desenvolveu para que o cérebro possa avaliar se a decisão é correta (prazer), ou errada (desprazer, dor)”, diz Armando Freitas da Rocha, professor titular em neurociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor colaborador sênior na Faculdade de Medicina da USP.
A tomada de decisão tem tudo a ver com a avaliação do benefício esperado depois da ação. Se o benefício supera o risco, a ação está garantida. Agora, quando o risco e o benefício se equivalem, fica estabelecido o conflito e um inevitável adiamento da decisão. Quando existem alternativas, o cérebro considera os riscos e benefícios de uma em comparação com as chances de outra. “Esse é um processo de decisão muito complexo e exige um esforço mental maior”, explica Freitas da Rocha. “Mas a necessidade motiva o agir.”

Cérebro conservador

O cérebro humano tem quase 90 bilhões de neurônios e cada um faz mais de 10 mil sinapses (conexões entre si) com infinitas possibilidades. A capacidade de memorização, de captação de experiências e de encontro de decisões é infindável. Mas o ser humano em geral prefere não ousar. Escolhe os caminhos que conhece, aposta nos resultados que deram certo em outras situações e elimina as conexões que possam chegar perto do erro ou que se aproximem do desconhecido. E isso não é ruim. O cérebro funciona dessa maneira porque, como o restante de nosso organismo, é resultado de um processo evolutivo por que a espécie humana passou. Gerar previsões e planejar um comportamento conservador tem um grande valor adaptativo, obviamente relacionado à sobrevivência. O nó, porém, está no fato de que vivemos em uma sociedade que nos oferece outros desafios, além da sobrevivência relacionada ao ambiente. Para isso, ser criativo é, muitas vezes, importante. Então, o desafio está em como lidar com um cérebro conservador nas situações que exigem criatividade.
O cérebro deixa de operar de maneira conservadora, porém, quando é neutralizado pelo instinto. É o caso de algum ataque inesperado que a pessoa sofre. “Instinto não exige decisão”, diz o neurocirurgião Fernando Pinto. “Ele envolve raiva e medo – as mais primitivas de todas as emoções”, diz. Não são raras as pessoas que se veem diante de entraves e enfrentam dificuldades na hora da decisão. É compreensível. Escolhas envolvem responsabilidade e quase sempre não têm caminho de volta. Para facilitar esses momentos cruciais, talvez sirva como consolo saber que a decisão perfeita não existe, já que é impossível analisar todas as consequências implicadas em qualquer escolha. Além disso, qualquer escolha implica sempre uma perda: a preferência por uma alternativa significa a imediata renúncia à outra. E engana-se quem acredita que estará escapando a essa responsabilidade ao delegar a decisão. Toda decisão é um ato solitário.

O livre-arbítrio

Impossível decidir por outra pessoa; injusto transferir a nossa decisão para os outros. Para isso, há o livre-arbítrio, justamente a capacidade que o ser humano tem de tomar decisões por conta própria. O livre-arbítrio é assunto de destaque desde os textos bíblicos, mas tanto a filosofia como a ciência ainda discutem seu verdadeiro significado e até existência. Segundo a neurociência, o livre-arbítrio pode ser explicado por fenômenos químicos regidos pelas leis da física.
A neurologista Marcia Lorena resume a materialização do livre-arbítrio a partir do momento em que a pessoa se permite tomar uma decisão baseada na própria vontade. Até quando alguém toma uma decisão para agradar os outros, sem levar em consideração o que pensa, isso também é livre-arbítrio. Só não é livre-arbítrio quando se toma alguma atitude contra a própria vontade. “Quem toma decisões baseadas em experiências prévias ou decide a partir do que os outros pensam também está exercendo o livre-arbítrio porque não está sendo forçado a fazer nada contra sua vontade”, resume Marcia.

Sofrimento

Escolha, portanto, é eliminação. E a antecipação da perda, muitas vezes, nos leva a fugir da decisão. Quando a dúvida envolve mais de duas alternativas, então, o sofrimento pode ser atroz; e quando a situação é nova e os atalhos ainda são desconhecidos, o processo decisório é ainda mais árduo. Mas se levarmos em conta que nunca se ganha tudo e que escolha envolve ganhos e perdas, pode ficar mais fácil criar cenários em que as possibilidades sejam analisadas de todas as formas.
Nosso cérebro pode ser comparado ao formato de uma orquestra – um semicírculo onde estão todos os músicos com seus instrumentos. O lobo frontal é o maestro. É justamente na região da testa que estão as funções motoras, cognitivas, a memória operacional, a atenção, os traços e as características relacionadas à capacidade de tomar decisões, planejar os atos, a inibição. O lobo frontal dá o tom do concerto, define quando entra cada instrumento, qual deles vai solar. É a região do cérebro responsável pela tomada de decisão. O lobo frontal trabalha em dobradinha com o sistema límbico, a área do cérebro relacionada com as emoções. É ali que são registradas todas as sensações, as boas e as ruins. “Durante o processo de escolha há um interjogo na análise das alternativas”, explica a neuropsicóloga Samanta Blattes, do Instituto de Neurologia de Curitiba. “Diante das opções, o cérebro vai reduzindo uma a uma até bater o martelo naquela que pode oferecer maior retorno.”
Ainda que haja um reconhecimento generalizado de que a tomada de decisão não é fácil, sempre há dicas para tornar esse caminho menos árduo – e a primeira é simples: barriga vazia é péssima conselheira. Nenhuma opção, nem a mais singela escolha de víveres e outros itens no supermercado, pode ser bem-sucedida se o comprador está com fome ou mal alimentado. Tomar decisões de estômago vazio, então, nem pensar. A quantidade de energia na corrente sanguínea alimenta o cérebro e dispara uma sensação de saciedade que estabelece a serenidade necessária para tomar qualquer decisão. Com fome, até a escolha entre o sorvete de baunilha e o de chocolate pode ser um desastre.

 Dimensões da personalidade e as decisões
O psiquiatra e geneticista Claude Robert Cloninger, da Universidade de Washington, Estados Unidos, propôs um modelo de personalidade. Ele afirma que o caráter é influenciado pelo ambiente e pela educação. O temperamento, por sua vez, é inato, com determinantes biológicos mais claros. Reconhecido como médico especialista no tratamento de psicopatologias, dependência química e transtornos de personalidade, Cloninger afirma que há quatro componentes (ou dimensões) do caráter, que podem ser mais ou menos intensas. Por exemplo: a ação de buscar novidades pode ser alta ou baixa em um indivíduo (ele tem muita ou pouca necessidade de novidades). Os que têm essa necessidade alta são mais impulsivos e inquietos, enquanto os que a têm baixa são mais ponderados e satisfeitos. Essas características influenciam diretamente no processo de tomada de decisão.
 

 

Autor

Silvia Torikachvili, da revista Quanta


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