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PÓS-GRADUÇÃO | Edição 202 Programas de MBA investem em disciplinas para melhorar o comportamento e a capacidade de liderança dos participantes, colocando-os em contato com situações reais do mundo empresarial por Christina Stephano de Queiroz “Contratamos executivos pelas habilidades técnicas e demitimos devido ao comportamento.” […]
Publicado em 14/09/2015
PÓS-GRADUÇÃO | Edição 202
Programas de MBA investem em disciplinas para melhorar o comportamento e a capacidade de liderança dos participantes, colocando-os em contato com situações reais do mundo empresarial
por Christina Stephano de Queiroz
“Contratamos executivos pelas habilidades técnicas e demitimos devido ao comportamento.” Essa frase, dita com certa frequência por profissionais de recursos humanos, sintetiza um desafio comum aos programas de MBA (Master of Business Administration): como formar gestores aptos a lidar com problemas de contabilidade e finanças, mas que também saibam articular o trabalho da equipe, lidar com processos de demissão e trabalhar em meio a cenários empresariais, sociais e políticos complexos?
Acadêmico de referência nos estudos em administração, o canadense Henry Mintzberg, docente da McGill University, em Montreal, faz duras críticas aos programas convencionais de MBA no livro Managers not MBAs (Gestores, não MBAs), 2005. A excessiva ênfase nos métodos analíticos quantitativos é uma delas, assim como o fato de que os cursos, de maneira geral, não desenvolvem nos alunos a visão de longo prazo e a perspectiva global necessária para eles atuarem no mundo contemporâneo dos negócios. Além disso, o acadêmico canadense defende que os egressos dos MBAs não possuem habilidades de liderança e os cursos tampouco fomentam o pensamento crítico e criativo. “Alguns executivos não fazem leitura do ambiente político da organização e compram brigas com as pessoas erradas”, conta Cynthia Betti R. Qualharello, diretora de recursos humanos do grupo de seguros BB e Mapfre.
Com esse panorama em mente e tendo de disputar espaço com os cerca de 4,5 mil cursos de MBA cadastrados no Ministério da Educação (MEC) no Brasil, as instituições precisam investir em ações para diferenciar seus programas. “Itens como infraestrutura, corpo docente e grade curricular, em geral, são imitáveis”, lembra Silvio Abrahão Laban, coordenador dos programas de MBA do Insper. Uma das recomendações é criar abordagens educacionais inovadoras e incluir nos programas matérias interdisciplinares que relacionem noções de geopolítica, globalização, estratégia, visão de negócios, padrões contábeis, finanças, direito e comércio.
Também vale oferecer serviços complementares, como coaching e agenciamento de empregos, para manter alunos e egressos em um raio de proximidade.
Aspectos comportamentais
Outra forte tendência entre as instituições é diminuir a carga horária de disciplinas básicas de administração, métodos quantitativos e finanças para que os alunos tenham tempo de desenvolver as chamadas soft skills, entre elas a comunicação e a capacidade para trabalhar em equipe, em condições adversas e com recursos escassos. Fernando Marques, diretor dos cursos de MBA e Master da BSP (Business School São Paulo), lembra que outro elemento que passa a ser valorizado são aulas para que os executivos melhorem seu autoconhecimento, noções de ética e responsabilidade social.
Para isso, as aulas devem abordar a complexidade dos negócios no mundo contemporâneo, marcado pela atuação simultânea de diversos atores, pela presença de novas tecnologias, maior interconectividade entre clientes, diferenças culturais na equipe, mudanças climáticas e sociais e, finalmente, instabilidade econômica e política. “As mudanças climáticas, por exemplo, geram falta de água e energia, aspectos que impactam o mercado de trabalho”, destaca Heitor Penteado Mello Peixoto, diretor da Stato Search, empresa de recrutamento de executivos. Peixoto opina que os executivos formados pelos atuais programas de MBA não estão preparados para trabalhar com esses cenários. “Eles têm visão de retrovisor: pensam em projetos futuros com base no passado, quando deveriam ser preparados para pensar de acordo com diferentes cenários que o futuro sugere”, critica.
Também é importante que programas se apoiem no convívio entre os estudantes para criar situações reais que se aproximem do que ocorre no cotidiano das empresas, preparando-os, por exemplo, para demitir funcionários de forma adequada. E, para simular o ambiente real do mundo dos negócios nas escolas, é preciso ir além dos estudos de caso. Nesse caminho, Peixoto propõe que as turmas de MBA sejam divididas em grupos para estudar casos específicos, estabelecendo líderes em cada uma. “E estudantes que chegam à aula sem preparar-se para estudar o caso escolhido devem ser ‘demitidos’ dos grupos”, avalia.
Sobre liderança de equipe, há um consenso de que os programas de MBA oferecem muita teoria e pouca prática, sendo aconselhável que sejam propostos exercícios práticos. “Há um apagão de talentos e um apagão de líderes. De cada 100 gestores demitidos, 83 são desligados por problemas de comportamento”, afirma Armando Lorenzo, diretor da Universidade Corporativa da consultoria Ernst&Young.
Além das questões mencionadas anteriormente, outra preocupação dos programas de MBA deve ser criar um sistema periódico de avaliação dos alunos para verificar se eles aplicam o conhecimento das aulas no trabalho. “É necessário, também, discutir questões éticas para além do campo filosófico, traduzindo-as em um código de conduta prático”, acredita o executivo da Ernst&Young.
Executivo transnacional
Apesar de prometer ganhos qualitativos aos programas de MBA, medidas de internacionalização requerem a definição de um novo posicionamento estratégico à instituição, o que envolve toda a comunidade acadêmica. Um dos principais erros ocorre quando a instituição realiza programas de imersão ou faz parcerias com universidades do exterior sem questionar os alunos a respeito da relevância da iniciativa. “Se o MBA contar com muitos participantes da área de varejo, pode ser mais proveitoso fechar alianças com instituições dos Estados Unidos. Se o público-alvo for executivos da indústria de alimentos, faz mais sentido aproximar-se de instituições europeias”, exemplifica Karla Nassuno Alcides, diretora do Centro de Educação Executiva da University of Pittsburgh no Brasil.
Atenta aos diferentes perfis dos alunos de cada curso, a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) estabelece parcerias de internacionalização que permitem ao estudante escolher a maneira como desejam participar dos programas. Na aliança com a EADA Business School de Barcelona, na Espanha, há duas possibilidades: o aluno pode optar por realizar o curso de 72 horas, feito em nove dias no Brasil, e obter créditos reconhecidos pela ESPM, ou realizar um segundo curso em Barcelona, obtendo dupla titulação. A ESPM também possui acordo com a francesa Audencia Nantes para o MBA em gestão do agronegócio, que deve ser cursado no Brasil e na França. As instituições possuem conhecimentos em setores de mercado complementares e a parceria viabiliza o intercâmbio de experiências entre gestores nas áreas de política econômica, produção em escala, cultivo de grãos, carnes e outros produtos.
Já com base no pensamento do acadêmico canadense Mintzberg, funciona o programa International Masters in Practicing Management (IMPM), que tem no intercâmbio de experiências internacionais o cerne da operação. “Com a premissa de que os programas ortodoxos de MBA são orientados a um ‘economicismo’ reducionista, o curso valoriza os conhecimentos dos participantes em gestão e ocorre em cinco países”, detalha Alexandre Faria, docente da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma das cinco instituições no mundo que participam do programa. Cada uma delas é responsável por desenvolver um tipo de mentalidade nos participantes. Assim, durante o módulo que ocorre na Inglaterra, são trabalhadas práticas de gestão orientadas ao desenvolvimento de “mentes reflexivas”, enquanto as aulas no Canadá se centram em questões analíticas e, no Brasil, o foco é preparar os executivos para mudanças de cenários. Há, ainda, módulos na China e na Índia, cujas finalidades são, respectivamente, fomentar competências de trabalho em cenários plurais e mundiais e criar mentalidades colaborativas. Com duração total de 16 meses, o curso é dividido em cinco módulos que duram dez dias cada, com intervalos de seis a oito semanas entre eles. O participante pode, ainda, optar por obter um diploma stricto sensu, caso produza uma dissertação (no lugar de um trabalho de conclusão) e amplie a duração do programa para 18 meses.
MBA nacional e no mundo
Da mesma forma que outros cursos lato sensu, os programas de MBA independem de autorização do MEC para funcionar. No entanto, devem cumprir alguns requisitos, entre os quais oferecer ao menos 360 horas de formação, provas e defesa de trabalho presencial.
Além disso, enquanto no Brasil há programas de MBA específicos para algumas áreas (finanças, marketing, agronegócio etc.), nos Estados Unidos e em países da Europa os cursos com essa denominação possuem apenas uma natureza e oferecem formação básica em metodologias de administração. Outra diferença é que, localmente, as instituições costumam valorizar um corpo docente exclusiva ou parcialmente formado por executivos do mercado – e não somente acadêmicos –, algo que não reflete a realidade dos programas norte-americanos.
Paulo Prochno, docente da Robert H. Smith School of Business da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, conta que, no país, predominam acadêmicos no corpo docente dos cursos de MBA. “O problema de ter executivos como professores é que muitos generalizam sua experiência individual, certos de que ela vale para trabalhar com todos os casos de gestão”, justifica. Para Prochno, os acadêmicos, por terem acesso a estudos do mundo todo, sabem trabalhar melhor questões de gestão aplicadas a diferentes contextos. Além disso, nos Estados Unidos, grande parte das instituições são públicas ou sem fins lucrativos. “A cada cinco anos, os MBAs são auditados e aprovados por um órgão regulador, que é formado por associações das próprias escolas auditadas”, conta o docente.
Com isso, explica Russ Morgan, diretor associado dos programas de MBA da Fuqua School of Business, da Duke University, nos Estados Unidos, o controle do governo sobre o funcionamento e a qualidade dos programas de MBA é descentralizado. “Muitas instituições, no entanto, investem para atingir os padrões de qualidade necessários para acessar recursos financeiros públicos”, detalha.
Já na Europa, há um marco legal comum, que especifica o que o curso deve conter para ser considerado programa de mestrado. No caso dos cursos de MBA, as escolas devem apresentar o projeto à agência de acreditação de cada país, que se responsabiliza por validar e avaliar a qualidade dos programas.