NOTÍCIA

Edição 233

Autor

Tânia Pescarini

Publicado em 13/10/2016

Profissionalizar a gestão é o caminho para que escolas se mantenham atualizadas

A profissionalização no âmbito escolar requer pessoas qualificadas, com funções bem definidas e clareza de objetivos

© Shutterstock

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A escola não foge à regra do que acontece em diversos outros setores produtivos: também ela está passando por uma grave crise em termos de modelo, e isso não se restringe às questões pedagógicas, exaustivamente discutidas, com tensões entre a missão da educação e o modo de colocá-la em prática em tempos de revolução tecnológica.
Se isso acontece em relação à atividade-fim, não é muito difícil de imaginar que também esteja em curso crise semelhante em relação às atividades-meio. Afinal, os processos e lógicas vêm se modificando em muitas áreas, entre elas a administrativa-financeira, de serviços os mais variados. E também na gestão de pessoas.
Assim, as escolas que tentam manter-se atualizadas sob o ponto de vista da gestão têm passado por verdadeiros dilemas. Sentem-se, muitas vezes, entre duas possibilidades que veem como opostas: adotar uma gestão mais aberta, profissionalizada, que faça utilização exponencial de recursos tecnológicos e se abra a novos projetos, menos burocrática e mais eficiente e participativa, ou manter-se ancoradas na tradição e na história de várias gerações já formadas sob os princípios que geraram identidade institucional.
Fazer a passagem de um modelo para outro, ou adaptar essa identidade institucional a princípios mais modernos de gestão gera desconfiança e resistências dentro da comunidade escolar. Mas não é um processo que leve, necessariamente, a descaracterizar a instituição.
Com alguma razão, muitas escolas temem importar práticas de gestão que podem parecer eficientes em empresas ou bancos, mas que prometem criar confusão em seu ambiente. No entanto, o mercado de ensino privado está repleto de exemplos de escolas que conseguiram profissionalizar sua gestão e, ao mesmo tempo, manter-se fiéis a seus valores e à sua missão. Elas relatam que melhores práticas de gestão, longe de relegar o professor e o ensino a segundo plano, colocam o pedagógico no centro da escola, definindo para o ensino e aprendizado metas claras, além de alinhar metas financeiras e pedagógicas. Segundo escolas ouvidas por Educação, essa clareza é uma ferramenta para evitar conflitos.

Vestígios da crise

O cenário educacional brasileiro vem passando por algumas transformações importantes. Desde o ano passado, o país se vê mergulhado em uma crise econômica que tem atingido em cheio o orçamento de muitas famílias. Há também uma mudança demográfica: entre 2000 e 2013, a taxa de fecundidade caiu de 2,39 filhos por mulher para 1,77, segundo dados do IBGE. O fenômeno é mais acentuado no Sul e Sudeste e entre a população com maior escolarização.
Ainda que o Brasil siga sendo um país jovem, a nova curva demográfica já se faz sentir nas escolas. Como os anos 80 e 90 foram marcados por um relativo aumento na oferta de educação básica privada, estão sobrando vagas e a competição ficou mais acirrada.
É importante notar, no entanto, que há uma grande heterogeneidade entre as escolas particulares. Segundo o consultor Marcelo Maghidman, da Tafkid Marketing Educacional, uma parcela das escolas particulares vem perdendo alunos para a rede pública justamente por não buscar diferenciação explícita.
— Quanto mais a escola particular é parecida com a pública, mais os pais tendem a tirar os filhos da particular para matriculá-los na pública — acredita o consultor Maghidman.
Não que a crise não seja desafiadora para todos: muitas boas escolas sofrem com a inadimplência. Mas os especialistas ouvidos alertam que o caminho para permanecer no mercado e ao mesmo tempo fortalecer sua posição passa por oferecer uma educação de melhor qualidade, em vez de simplesmente partir para uma guerra de preços.
Henrique Tichauer, da EXP Inteligência Educacional, relata que em 2013 as escolas privadas no Brasil somavam 39.575 unidades. Em 2015, passaram a ser 36.769. Ou seja, mais de 2.800 escolas fecharam as portas.
O aumento da inadimplência, somado a um cenário em que a oferta ameaça ultrapassar a procura obriga as escolas a tornar sua gestão financeira mais eficiente. E, ao mesmo tempo, a melhorar a qualidade do ensino. Para quem está endividado, investir mais recursos pode parecer arriscado demais.
Para muitos, a primeira e mais natural reação à recessão financeira é conter os gastos, evitando assim que a sangria de recursos fuja ao controle. No entanto, quando o assunto é educação, o oposto parece verdade: quanto mais se investe, maior o retorno financeiro. Mas claro que a qualidade do investimento é igualmente importante.

O passo a passo

André Guadalupe, da AOG Consultoria Educacional, acredita na profissionalização da gestão escolar como um valor para as instituições. Ele acaba de voltar da Finlândia, país escandinavo reconhecido internacionalmente pela qualidade de seu ensino e também por valorizar a educação como direito humano de todos seus cidadãos. Um dos aspectos do sistema finlandês de ensino que o impressionou positivamente foi a autonomia profissional dos envolvidos: professores e administradores finlandeses têm muito claro o objetivo de seu trabalho e o que a sociedade espera deles. E isso é muito importante para que o profissional se sinta responsável por aquilo que entrega. Mas no que consiste exatamente a gestão profissionalizada?
Na visão de Guadalupe, a profissionalização da gestão em uma instituição de ensino começa com quatro passos fundamentais. O primeiro passo, responsabilidade dos mantenedores, é definir onde a escola pretende chegar como instituição.
— Os mantenedores precisam tornar tangível o propósito da escola. E isso significa um planejamento macro de posicionamento — afirma André Guadalupe.
Depois disso, é preciso avaliar a equipe escolar. “Faz-se, nessa etapa, um descritivo de cargos com a função de cada colaborador. Isso vale do mantenedor até o porteiro”, afirma André. É a partir desse descritivo que se alinham as expectativas.
— É preciso deixar claro quem é meu gestor, a quem respondo, quem eu lidero, como se mensura se estou entregando ou não o que devo entregar — acredita o consultor.
É importante notar aqui que todas as funções essenciais precisam ser exercidas por alguém e não é interessante que mais de uma pessoa fique responsável por uma mesma função. Só esse alinhamento já resolve muita coisa na escola. “Essa estruturação precisa ser feita de forma honesta, para evitar melindres”, aconselha André. Depois, é preciso verificar se cada colaborador tem o treinamento necessário para executar bem a função para a qual foi designado. “É preciso dar poder à pessoa naquele cargo”, afirma o consultor. O investimento na formação continuada de cada funcionário acontece a partir dos indicadores levantados nessa etapa.
O terceiro passo é o mapeamento de processos, fundamental para que a escola não dependa de determinadas pessoas e sim de um modo de operar conhecido por todos, que permita substituições temporárias ou permanentes.
Por fim, é preciso estimular uma cultura de inovação. Guadalupe acredita que, assumindo responsabilidades e tendo boa formação, as pessoas vão querer fazer melhor o seu trabalho. Vão querer inovar não somente em tecnologia, mas nos processos também. Um ambiente mais bem organizado, com metas claras para todos, também é mais motivador.
–Em uma escola desorganizada, o gestor se orgulha de passar o dia apagando incêndios. Mas isso o deixa com muito menos tempo para planejar — comenta Guadalupe.

O papel do conselho administrativo

Pode ser que a profissionalização da gestão se dê não por urgência financeira, mas simplesmente porque fundadores e mantenedores não vivem para sempre. É o caso da escola Lourenço Castanho, na capital paulista. O colégio contratou uma consultoria para definir um organograma de profissionalização em 2005 porque as sócias-fundadoras da escola, após 40 anos à frente da instituição, estavam se aposentando.
Antes, cada uma das três sócias dirigia cada uma das três unidades da escola. Agora, elas fazem parte de um conselho administrativo. Além de um diretor-geral, as escolas contam com diretores para cada unidade. Fazem parte do conselho administrativo, além das sócias, membros externos.
— O conselho passou a ter um plano estratégico com metas, indicadores e resultados — afirma Alexandre Abbatepaulo, diretor-geral do Lourenço Castanho.
Há um plano de bônus para a direção executiva a partir do alinhamento de metas. Foi contratado até mesmo um CFO (Chief Financial Officer, na sigla em inglês) do mercado para ajudar com o planejamento financeiro. “Ele (o CFO) entrega um planejamento financeiro anual muito bem detalhado, além de planejamentos para cada quadrimestre, mais enxutos. O plano apresentado no fim do ano deve ser aprovado pelo conselho. No ano seguinte, há reuniões mensais para confrontar a realidade com aquilo que foi planejado”, afirma Abbatepaulo.
Para André Guadalupe, o conselho administrativo tem o papel de fazer um alinhamento e identificar se a operação está sendo bem feita. “Não pode ser uma coisa para inglês ver. O conselho vai opinar a partir de indicadores”, afirma André.
Na escola onde trabalha, quem tabula esses indicadores é o diretor de operações. Guadalupe e sua equipe trabalham com indicadores de 13 áreas diferentes. Cada uma gera um indicador: há o indicador pedagógico, o financeiro, o de recursos humanos, o administrativo, o de inovação, de uso de tecnologia educacional, treinamento (horas, qualidade), entre outros. São essas as variáveis que guiam as ações do conselho escolar. O processo não sai excessivamente caro porque é realizado por apenas três profissionais.
Mas Guadalupe alerta: — O principal investimento, e o que gera maior retorno, é na formação de professores. A escola, mesmo profissionalizada, não cresce sem investir em professores — afirma.
Uma gestão profissionalizada não implica, necessariamente, terceirizar o máximo possível a área administrativa. No colégio Dante Alighieri, por exemplo, a gestão é dividida entre o pedagógico e o administrativo. João Ranieri é o responsável pela parte administrativa e diz que o colégio conta com aproximadamente 800 funcionários. “Somos autossuficientes em todos os aspectos, somente a alimentação é terceirizada”, afirma.
A escola se diferencia das outras entrevistadas porque é uma organização sem fins lucrativos: os mantenedores são ex-alunos da instituição e todo o dinheiro das mensalidades é revertido em investimentos no colégio. Ranieri se orgulha também do investimento que a escola faz na formação continuada de todos os profissionais, inclusive professores. Ele acredita em oferecer uma boa política de benefícios, para fidelizar funcionários.
— Nosso principal capital é o humano. É preciso ter bons profissionais em todas as áreas — afirma João Ranieri, do colégio particular Dante Alighieri.
Já Fernando Barão, da Corus Consultores, diz que o planejamento estratégico de uma escola começa com uma avaliação Swat, em que se identificam forças e fraquezas, ameaças e oportunidades. Em uma escola, esse é um trabalho que precisa ser feito ouvindo todos os setores internos. Ou seja, não é um trabalho de gabinete. “A verdade sobre a escola está um pouquinho em cada colaborador. Cada um sabe um pouco”, acredita.
A partir da identificação Swat pode-se começar a pensar em mudanças e inovações para reter as famílias, atrair novos alunos e se consolidar no mercado, sem abandonar a missão.

Investimento em professores

André Guadalupe, da AOG, que assessora o Colégio Planck, em São Bernardo do Campo, acredita que o investimento nos professores é indispensável para a obtenção de bons resultados. Ou seja, uma boa escola sempre tem bons professores.
— Do Equador à Alemanha, os países que apresentam melhoras nos indicadores educacionais investiram nos professores — afirma o consultor André Guadalupe.
Comparativamente, o Brasil ainda investe pouco na formação docente. No Colégio Planck, todos os docentes cumprem 6 horas semanais de treinamento, sempre. “Custa caro”, admite André. Para contratar bons profissionais, eles cumprem um ritual que inclui prova teórica, prova didática, entrevista em que se avalia o comportamento socioemocional do professor e como ele lida com conflitos e, por fim, um check-list dos itens que a escola tem como essenciais para que o professor realize seu trabalho e que constarão de seu contrato de trabalho.
Para manter bons professores, a remuneração é importante, mas não é tudo. Projetos que ofereçam oportunidades para o profissional ser criativo e a oferta de contato com novas práticas também podem ser muito estimulantes e realizadores. “Há lugares e escolas maravilhosos no Brasil e em países vizinhos. O professor precisa sair e visitar novas escolas”, defende Guadalupe.
Alexandre Abbatepaulo, do Lourenço Castanho, também corrobora a crença no investimento em formação de professores. Em sua instituição, é feita uma avaliação anual de cada profissional e, a partir dela, se define um plano de formação para as necessidades identificadas. No caso do Dante Alighieri, o colégio apoia e financia mestrados e doutorados para seu corpo docente.
Marcelo Maghidman, da Tafkid Marketing Educacional, lembra que bons profissionais são uma necessidade – muitas vezes ausente – em qualquer instituição. “As boas escolas não têm somente uma política de boa remuneração – o que é muito importante: as boas escolas investem na carreira dos professores”, diz.
Muitas instituições estão apostando no mestrado e doutorado de seus profissionais, além de oferecer maior autonomia de trabalho. Outras escolas investem também em cursos laterais para ampliar a formação de seus docentes: um curso de inglês para um professor de matemática, por exemplo.
Renato Júdice de Andrade, diretor do Colégio Elvira Brandão, em São Paulo, diz que a escola incentiva os professores a fazerem mestrado e doutorado, algumas vezes pagando parte dos cursos. Outras ações incluem oportunidades de formação continuada fora do Brasil e o contato com novas tecnologias e processos no meio educacional através do diálogo com startups da educação.
No caso dos cursos no exterior, como os custos são muito altos, montou-se um sistema no qual os professores escolhidos para esse tipo de formação comprometem-se depois a dividir os conteúdos estudados com seus pares. Assim, todos compartilham o conhecimento adquirido nas formações continuadas e todos os docentes da escola têm acesso à possibilidade de repensar seus processos.
Fernando Barão, da Corus, lembra que os professores especialistas em áreas carentes de profissionais são disputados a tapa nas instituições de ensino. Para atrair bons profissionais, muitas escolas já investem em remuneração variável e autonomia para os professores. Há escolas, por exemplo, que oferecem projetos, atendimento e tutoria: com tudo isso vem uma remuneração extra.
Esse investimento, que complementa o salário do professor com carga horária adicional, dá condições para que o bom profissional dedique todo seu tempo e energia à escola, além de contribuir para inovar o currículo, uma vez que o professor tem a oportunidade de desenvolver pesquisas e projetos interdisciplinares. Em alguns casos, a instituição pode oferecer promoção em meio período. Por exemplo, um professor de física que dá aulas pela manhã pode ser promovido a coordenador no período da tarde.
— Professores de escolas particulares, no geral, não ganham mal: os salários de ingresso são bons. O problema é que há poucas oportunidades de serem promovidos — alerta o consultor Barão.
Outro aspecto importante, mas que ultrapassa um pouco os muros da escola, é a valorização da função social do professor. É um ponto crucial que difere o Brasil de outros países, como a Finlândia. Em muitos dos países com alto desempenho educacional, além da questão da renda, observa-se que a carreira de professor da educação básica é tão valorizada quanto a de professor universitário. As diferenças de remuneração e reconhecimento são bem menores do que as existentes no Brasil.


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