NOTÍCIA
Pesquisa abre portas para que o fator seja destacado em futuras análises
Publicado em 15/12/2016
Tanto em nível internacional, quanto em nível nacional, o debate sobre gasto em educação é marcado pela ausência de consenso quanto ao seu efeito sobre o desempenho dos estudantes.
Nos anos 1960, James Samuel Coleman, no seu renomado “Relatório Coleman”, identificou o nível socioeconômico dos estudantes como o principal fator de impacto sobre o desempenho de alunos.
Mais recentemente, o economista Erick Hanushek aponta para a ausência de uma relação consistente e sistemática entre gasto e desempenho, embora faça uma relativização: a de que não se pode dizer que o dinheiro nunca importa para o desempenho, pois existem situações em que o aumento de recursos claramente gera impacto positivo.
O problema, contudo, aponta o economista, é que faltam descrições claras de quando e onde essas situações ocorrem, o que impede que se tenha clareza de quais ações e políticas produzem impacto positivo na qualidade da aprendizagem.
Como argumenta Galvão, “a conclusão de que os recursos não importam, motivação de inúmeras pesquisas e debates, tem potencial para impactar de forma significativa a realidade de escolas e sistemas educativos, ao contribuir para a sustentação de decisões que impliquem restrição do financiamento educacional”.
No Brasil, a infraestrutura tem sido apontada como um fator que produz efeito sobre a aprendizagem. Já o efeito de outras dimensões, como salário de professor, período de aula e tamanho de turma, não é consensual. Um dos motivos para a falta de consenso, aponta Galvão, pode justamente ser a dificuldade de acesso a dados desagregados.
Para construir a análise, Galvão construiu uma proposta de classificação dos gastos escolares alinhada com as funções e atividades desenvolvidas nas escolas. A definição foi feita a partir de discussões com técnicos da secretaria de Educação e profissionais das instituições.
Foram utilizados dados referentes aos salários de professores, diretores e coordenadores, entre outros profissionais que atuam nas escolas, pois tendem a representar a maior parte de gastos escolares, além de permitirem estabelecer uma relação com o tipo de atividade ou função desempenhada.
Desse modo, na categoria gastos diretamente relacionados ao ensino, Galvão considerou as seguintes subcategorias: desenvolvimento do ensino básico (despesas com professores, auxiliares de classe e estagiários), desenvolvimento de atividades de ensino – educação especial (professores e estagiários de educação especial), espaço para pesquisa, leitura e ensino (biblioteca), orientação e suporte às atividades pedagógicas (coordenação pedagógica e suporte a alunos e professores – monitoria). A categoria gastos indiretamente relacionados ao ensino considerou a gestão escolar (direção da escola e apoio operacional e administrativo).
Entre todas as categorias, o maior volume de recursos é alocado para o desenvolvimento do currículo básico, seguido da gestão escolar e orientação e suporte às atividades pedagógicas.
Uma das constatações iniciais de Galvão na análise é a existência de uma variação significativa do gasto por aluno entre as escolas, sobretudo no que diz respeito aos salários. “Essa variação contraria o senso comum, pois esse é um tipo de gasto sobre o qual, aparentemente, as escolas não teriam uma influência direta”, analisa Galvão.
No entanto, o pesquisador identificou que o gasto por aluno nas escolas municipais de ensino fundamental de São Bernardo varia de R$ 1.516,85 a R$ 3.277,67, sendo a média R$ 2.171,59.
Considerando a subcategoria desenvolvimento de currículo, o gasto médio por aluno é R$ 1.371,82, sendo o máximo R$ 1.953,59 e o mínimo R$ 1.032,27. Já as despesas com orientação e gestão são as que apresentam maior variação por escola.
Os gastos com gestão variam de R$ 174,59 a R$ 518,72 (média R$ 300,65); os relativos à gestão oscilam de R$ 187,24 a R$ 816,25 (média de R$ 327,02).
Embora não seja o foco da pesquisa, Galvão analisou a relação entre gasto por estudante e nível socioeconômico do alunado, constatando uma fraca associação entre esses dois elementos – exceto quando considerou o percentual de professores com nível superior, os quais estão mais presentes nas escolas com alunos com maior nível socioeconômico.
“Esses resultados indicam que, ao explorarmos as informações sobre gasto no nível da escola, podemos perceber e analisar as desigualdades entre escolas, assim como a relação entre essas desigualdades e outras variáveis relevantes, como a condição social dos alunos e os resultados em testes.”
Considerando os aspectos relacionados à aplicação dos recursos educacionais, a coordenação pedagógica é o fator que apresentou associação mais forte com o desempenho dos estudantes.
Um dos testes realizados na pesquisa, por exemplo, considerou um gasto médio de R$ 203,44 e uma variação de R$ 10, produzindo um acréscimo de 0,5 a 0,61 na nota em matemática das escolas analisadas.
“O valor do acréscimo não é alto, mas o fato de ele ter se mostrado estatisticamente relevante e de estar positivamente associado ao desempenho indica que esse tema merece mais atenção e estudos”, enfatiza Galvão.
Segundo ele, os questionários socioeconômicos aplicados com a Prova Brasil e outras avaliações tendem a privilegiar as questões relacionadas aos professores e diretores. Mas esse resultado pode sinalizar para a necessidade de obter mais informações sobre a coordenação pedagógica, a fim de entender melhor o que favorece o desempenho dos alunos.
Em contrapartida, os gastos com assistentes de sala apresentaram uma associação negativa com desempenho. Tomando como referência um gasto médio de R$ 52,90 e um aumento de R$ 10 no montante aplicado nessa dimensão, há uma variação negativa na nota entre 0,057 e 0,062.
Galvão analisa o resultado com cautela. “Vários fatores podem estar associados a esse resultado e sinalizam para a necessidade de compreender melhor a atuação desse profissional nas escolas e seu efeito sobre desempenho”, afirma.
Primeiro, porque a presença de auxiliares nas salas de aula é benéfica, pois permite a garantia do direito à educação, já que viabilizam a realização de determinadas atividades desenvolvidas nas escolas – como é o caso dos estudantes com deficiência. Segundo, porque o resultado poderia ser outro, se o considerado não fosse a nota da Prova Brasil em matemática.
Finalmente, é preciso levar em conta que a relação negativa ocorra porque os maiores investimentos com assistente de sala sejam direcionados justamente para as escolas com desempenho mais baixo, ou seja, aquelas em que os alunos apresentam maior dificuldade.
Com relação aos gastos com gestão e salários de professores, também não foram encontradas correlações positiva ou negativa com o desempenho em matemática na Prova Brasil. No entanto, com relação aos dados sobre salário de professor, Galvão defende que seria necessário desagregar mais os dados para aprofundar as análises, a fim de identificar eventuais efeitos, dependendo de cada disciplina ofertada aos estudantes, aulas de reforço ou recuperação, entre outras atividades.
Ao confrontar os gastos com desempenho em matemática na Prova Brasil, a análise demonstrou que a condição socioeconômica dos estudantes (uma das dimensões analisadas como variável de controle) é o principal fator associado ao desempenho na Prova Brasil.
Já no que diz respeito a outras variáveis analisadas, Galvão identificou uma forte influência da experiência dos diretores sobre o desempenho dos alunos. “Os resultados indicam que quanto mais experiente é o diretor, maior a associação com o desempenho”, aponta o pesquisador.
Segundo os resultados, as escolas que contam com diretores de 3 a 10 anos de experiência e com diretores com 11 ou mais anos de experiência, as notas são entre 6,6 e 9 pontos maiores. O parâmetro de comparação foram as escolas cujos diretores têm até dois anos de experiência na função.
A compreensão de como o gasto em educação influi no desempenho dos estudantes requer estudos mais aprofundados, defende Galvão.
“A pesquisa considerou um número restrito de observações, na tentativa de jogar luz sobre a relação entre gastos escolares e desempenho dos alunos”, diz. “Os resultados indicam que os dados no nível da escola e agregações com o uso dos recursos são relevantes para o entendimento dessa relação.”
No entanto, o pesquisador pondera que outras formas de agregação de gastos e contextos diferentes podem resultar em outros tipos de conclusão. “É preciso pesquisar mais, realizar um número maior de observações, para compreendermos melhor como os recursos podem colaborar para a melhoria da aprendizagem.”
Dissertação: “Gastos com educação e desempenho escolar: uma análise no nível da escola”.
Autor: Fernando Vizotto Galvão
Orientador: Romualdo Luiz Portela de Oliveira
Instituição: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Ano de defesa: 2016