NOTÍCIA

Edição 236

Os novos desafios da educação de bebês

Descobertas recentes sobre habilidades das crianças até os 18 meses mostram a importância de escola e educadores ouvirem o que dizem as crianças dessa idade

Publicado em 01/02/2017

por Débora Rubin

Descobertas da ciência trazem novos desafios para educação de bebês

© Gustavo Morita


Nos últimos anos, as descobertas da ciência mudaram nosso entendimento sobre os bebês: eles são muito mais inteligentes do que se supunha, e capazes de aprender e se comunicar desde muito cedo. O entendimento acerca dos saberes das crianças de até 18 meses mostra que elas são cientistas em potencial: adquirem conceitos cotidianos da física ao observarem como os objetos se movem, ou da biologia, através da observação dos seres vivos, por exemplo. Na escola, a socialização entre si e com outros adultos que não seus pais demonstra a capacidade de linguagem. Como define o pedagogo Paulo Fochi, especialista nessa faixa etária, “os bebês são pop”. “Talvez eles nunca tenham aparecido tanto quanto agora. Isso é bom porque estamos tornando-os visíveis, tirando-os da invisibilidade”, define Paulo.
As descobertas realmente são recentes e, por isso mesmo, desconhecidas até mesmo por educadores. “Até os anos 70 compreendíamos os bebês como sujeitos muito passivos, mas os estudos atuais mostram que eles chegam ao mundo com um equipamento muito completo para realizar ações neste mundo”, resume a professora Maria Carmem Barbosa, pesquisadora e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das maiores especialistas em educação de bebês no Brasil. O novo entendimento sobre a primeiríssima etapa da infância, no entanto, tem refletido em como a sociedade e a própria escola veem os bebês.
“Ao mesmo tempo que os bebês estão se tornando visíveis, há uma preocupação acerca dos discursos que decorrem dessa ‘popularidade’”, reflete Paulo. O especialista se refere ao discurso da estimulação precoce, consequente, principalmente, das recentes descobertas da neurociência. “Nesse sentido há dois pontos de vista: o de que o bebê não é frágil, com o qual concordo, e o discurso de antecipar o desenvolvimento para dar mais subsídios à criança no futuro, sobre o qual sou contra. Precisamos dar tempo para os bebês serem  bebês”, defende. “Uma pessoa que se propõe a estar com bebês tem de ter a esperança da espera: é preciso ver se ele responde. É ter esperança para ver o que ele vai fazer”, define.

Cérebro em formação

Partindo do princípio da educação feita a partir e para a criança, as descobertas acerca do desenvolvimento dos bebês podem ser de grande valia para os educadores e a escola. A neurociência mostra que uma criança chega ao mundo com incríveis 100 bilhões de neurônios. Mais importante do que a quantidade é o que será feito deles. Até os 18 meses, os excessos são podados e as sinapses começam a ser construídas. Até os 3 anos, o cérebro está em formação. É nesses primeiros três anos de vida, portanto, que a interação com o ambiente e a estimulação permitem a construção das sinapses – que é o mesmo que dizer a construção do aprendizado. “Quanto mais cedo um bebê é estimulado, mais rápido se formam as sinapses”, explica a neuropedagoga Irene Maluf. “E quanto mais sinapses eu tenho sobre determinado assunto, mais facilidade terei nele no futuro.”
Aos 18 meses, mesmo sem falar, os bebês já têm um vasto repertório de experiências. A psicóloga Alison Gopnik, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), queria saber o quanto os pequenos entendiam o outro. Num teste feito com bebês de 15 e 18 meses, sua assistente oferecia a eles um pote de bolachas e outro de brócolis. Todos optavam pela bolacha (em formato de peixinhos). Mas ao demonstrar – fazendo cara de prazer – que ela gostava mais de brócolis, os bebês lhe ofereciam o pote de brócolis. Para Alison, ficou claro que eles entenderam o gosto do outro.
Os pequenos também são altamente solidários. Cientistas italianos colocaram gravação com choro de outros bebês para ver a reação dos pequenos ouvintes. Eles abriam o berreiro quando ouviam o choro do outro, mas não quando o choro era deles mesmos. Empatia pura. Indo mais além, uma pesquisadora da Universidade de Washington testou a atenção de crianças de nove meses para língua estrangeira. Quando eles ouviam um DVD com outra língua, não notavam, depois, quando alguém falava nesse outro idioma. No entanto, quando eles eram estimulados por uma professora de língua estrangeira, passaram a perceber quando as pessoas ao seu redor não estavam falando sua língua natal. A conclusão é que o aprendizado para línguas só funciona quando há interação social.
Há ainda estudos que mostram a precoce aptidão para a matemática. Crianças de sete meses foram testadas na Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), com vídeos e uma caixa de som. Em um monitor, elas viam duas mulheres conversando. No outro, três. Da caixa de som, ouviam ora duas mulheres ora três conversando. Os bebês se voltavam para cada tela conforme as vozes variavam. Kerry Jordan, um dos coordenadores da pesquisa, concluiu que eles conseguiram entender a equivalência entre o número de faces e o de vozes.
Novidades como essas vão, aos poucos, ajudando os pedagogos e educadores a perceber que educar um bebê vai muito além de trocar a fralda. Eles podem, e devem, ser olhados como pequenos aprendizes. A principal diretriz que os educadores têm, até hoje, sobre as capacidades dessa faixa etária provém da teoria dos estágios, de Jean Piaget (1896-1980). O primeiro estágio, das crianças de 0 a 2 anos, é o sensório-motor, fase na qual o bebê busca ter controle motor e aprende com os objetos ao seu redor. “A grande conquista dessa fase é a da permanência do objeto, ou a capacidade de entender que esses objetos vão continuar existindo, mesmo que ele não esteja mais vendo”, explica a neuropsicóloga Christina Iglésias. Embora seja obrigatório o conhecimento da teoria dos estágios nas faculdades de pedagogia do país, Piaget sozinho já não dá conta da complexidade do ser humano em seus primeiros meses de vida.
Uma pesquisadora que tem sido bastante estudada recentemente é a pediatra austríaca Emmi Pikler, diretora do Instituto Lóczy, em Budapeste, na Hungria. Seu trabalho à frente do instituto transformou o local, de instituição para órfãos e abandonados, em centro de formação e referência na prática da educação dos 0 aos 3 anos.  Entre os princípios da pedagogia Pickler-Lóczy estão: o valor da autonomia, através do desenvolvimento livre da motricidade, jogo e atividade autônoma; o valor da relação afetiva privilegiada, através dos cuidados fisiológicos; o valor da estabilidade e continuidade dos cuidados à criança e fazer a criança consciente de si mesma e de seu entorno, através do respeito e promoção da iniciativa da criança em sua vida cotidiana.
Paulo Fochi lembra que o interesse de diferentes áreas do conhecimento pelos bebês é recente. “Até dez anos atrás, os estudos da psicologia, da saúde, e todos os outros, na maioria, eram estudos laboratoriais, in vitro. Ou seja, colocavam-se as crianças em verificações ‘a priori’, nunca as pesquisas se faziam a partir delas. Na pedagogia, ainda há pouca coisa – e quando há, tem um ranço da psicologia desenvolvimentista”, analisa o especialista, que defendeu, em 2011, dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre o que os bebês fazem no berçário sem a intervenção adulta. “Eles conseguem fazer muita coisa sem que alguém tenha de estimulá-los”, observa.

Currículo para bebês

Descobertas da ciência trazem novos desafios à educação de bebês

© Gustavo Morita


Uma das principais características da educação de bebês é que os educadores dessa fase precisam de uma formação específica, o que inclui aprender com seus alunos diariamente. Primeiro, é preciso decodificar a linguagem deles através de todas as suas manifestações. “O bebê, que já procura o olhar da mãe ao ser amamentado, tem sempre a necessidade de chamar a atenção do adulto, seja através do olhar, do choro, do riso ou quando começa a engatinhar, indo em direção aos mais velhos”, destaca Lígia Ebner Melchiori, professora doutora do Departamento de Psicologia da Unesp e autora do livro Linguagem de bebês: manual de estimulação (Editora Juruá). Quando estão no berçário e se reconhecem entre seus pares, ficam muito entusiasmados e estabelecem contato. “Eles tentam interagir com gritinhos, toques, olhares e sorrisos”, complementa Maria Carmem. “Pode-se dizer que eles são grandes comunicadores”, define a psicóloga.
Segundo, é preciso entender que os bebês aprendem com absolutamente tudo. Tacyana Karla é uma das autoras do livro Os saberes e as falas de bebês e suas professoras (Editora Autêntica), resultado de uma experiência realizada na segunda metade da década de 2000 na rede municipal do Recife. O projeto foi realizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde a professora fez seu mestrado e doutorado. Durante um ano, em encontros mensais, as professoras das creches da prefeitura debatiam com a equipe da universidade suas práticas e o desenvolvimento das crianças. O projeto, além de ajudar a estimular a prática das docentes da rede pública, foi um aprendizado geral sobre quando e como os bebês aprendem. O “currículo” do bebê, resume Tacyana, está centrado nas experiências de aprendizagem. É nas interações com pessoas e com objetos que eles vão assimilando o conhecimento. A professora dá um exemplo: “Quando um bebê manipula um objeto que a professora oferece, ele descobre se ele é leve ou pesado, percebe sua textura, a sonoridade – que pode lhe causar estranhamento ou alegria –, aprecia suas cores e formas e, por fim, dá uma finalidade ou um sentido de acordo com seus próprios interesses”.

Organização do espaço

Para atiçar toda a capacidade investigativa dos pequenos cientistas é preciso que o ambiente seja rico em informações e organizado de forma que os próprios alunos o explorem. Uma sala limpa, iluminada, com fácil acesso aos materiais, segura, porém desafiadora, é um convite para os bebês fazerem suas próprias descobertas. Maria Carmem recomenda para bebês mais novos o uso de espelho, tapetes, rolinhos e almofadas que ajudem a sustentá-los e que favoreçam seus movimentos.
Mas, embora importante, não é a infraestrutura que faz a diferença no dia a dia de um berçário, mas a ternura, o afeto e a criatividade das educadoras. “Não é preciso nem brinquedo caro”, afirma a professora Lígia, da Unesp, com conhecimento de causa. Ela coordena um trabalho nas creches da rede municipal de Bauru, interior de São Paulo, com os alunos do último ano de psicologia da universidade. “Tampinhas coloridas, tampas de panela e copos de plástico já são de grande valia.”
A experiência de duas professoras da rede municipal de Recife, relatada no livro Os saberes e as falas de bebês e suas professoras, comprova a afirmação da professora de Bauru. Elas transformaram um berço em brinquedo ao virarem o móvel e estimularam as crianças a explorar aquele novo objeto com escaladas e engatinhadas. No final das contas, afirma a gaúcha Maria Carmem, os bebês não precisam de grandes programas de estimulação. “O que eles precisam é de contextos ricos e de pessoas que sejam encantadas com eles, querendo lhes oferecer as melhores oportunidades.” (Colaborou Isabela Barros)


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Autor

Débora Rubin


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