NOTÍCIA

Edição 237

Oferta de cursos de mestrado profissional na educação quintuplicou entre 2012 e 2016

Maior aproximação entre teoria e prática tem favorecido escolha para aperfeiçoamento da formação de gestores educacionais e professores

Publicado em 27/03/2017

por Redacao

Por Renan Barbosa

Reunião de conselho na EE Ayres de Moura, em São Paulo: mestrado ajudou diretor a enxergar caminhos para resolução de conflitos na escola e a estimular pesquisa dos alunos para a região | Foto: Gustavo Morita

Reunião de conselho na EE Ayres de Moura, em São Paulo: mestrado ajudou diretor a enxergar caminhos para resolução de conflitos na escola e a estimular pesquisa dos alunos para a região | Foto: Gustavo Morita


A Escola Estadual Ayres de Moura, na zona oeste de São Paulo, substituiu as tradicionais reuniões de pais e mestres por assembleias participativas que têm atraído cada vez mais gente. Em vez das habituais acusações de indisciplina contra os alunos, criou-se um espaço para compartilhar a gestão escolar. A iniciativa partiu do diretor Daniel Quaresma, professor de história da rede pública desde 1988 e no comando da escola há quatro anos. Em 2013, ele assumiu o desafio de organizar a unidade como escola de ensino integral em meio a alunos ociosos e professores sem direcionamento. As assembleias são parte do seu esforço de gestão. “O papel do gestor é fundamental: você acolhe o professor, o aluno, a família, discute a escola e decide verbas. Isso reforça o papel social da comunidade e do aluno”, salienta.
A ideia de procurar uma pós-graduação surgiu também em 2013, quando Quaresma percebeu que podia ir além das diretrizes estaduais no cotidiano escolar. Os programas de mestrado acadêmico não chamavam sua atenção. Aí veio a descoberta do mestrado profissional. Munido de uma bolsa da Secretaria Estadual de Educação, num financiamento atualmente suspenso, ingressou no programa “Educação: Formação de Formadores” da PUC/SP, inaugurado naquele ano. O curso permitiu aprofundar as práticas de gestão escolar, dando ênfase ao diá-
logo com a comunidade. Quaresma lembra de uma oficina de teatro que montou durante o programa, com seus mais de 30 colegas. A iniciativa foi fundamental para mostrar-lhe, na prática, como envolver os participantes de reuniões e assembleias nas discussões. A experiência compartilhada entre os colegas, todos vindos do chão de escola, ajudou a introduzir essas práticas durante os dois anos de mestrado profissional. A possibilidade de discutir textos e possíveis soluções na área, conjugada ao viés prático dos programas, é um aspecto positivo destacado por aqueles que cursaram a modalidade.
Outro ponto positivo ressaltado pelos egressos dessa variante do mestrado é o ganho na autonomia em pesquisa para a resolução de problemas práticos. Com Quaresma não foi diferente. O segredo para resolver o problema da indisciplina na escola foi a união entre pesquisa e diálogo. Ele relembra o caso do aluno Eduardo, que mostrou um comportamento bastante violento já em seu segundo dia na escola. Conversando com os pais do garoto, descobriu que o aluno tinha sido diagnosticado com Síndrome de Asperger, uma espécie de autismo. Os pais já haviam tentado matricular o filho em escolas particulares, mas ele não se adaptara a nenhuma delas. O diretor reuniu os professores da escola em uma força-tarefa para conhecer as formas de lidar com esse tipo de aluno e mobilizou toda a escola para acolhê-lo. Meses depois, Eduardo, já não mais violento, chegou a inscrever um projeto de clube juvenil de informática na escola. “Buscamos as ferramentas corretas para trabalhar com esse aluno. A verdadeira pedagogia da presença é a mobilização de todos os professores para a compreensão da situação do aluno. A indisciplina foi resolvida quando ele percebeu isso e passou a ficar mais calmo”, avalia.
Quaresma aproveitou a expe­riência em pesquisa também para desenvolver essa habilidade entre os alunos. Enquanto fazia o mestrado, mobilizou 78 alunos da escola para pesquisarem problemas do bairro e as informações coletadas, desde a falta de médicos nos postos de saúde até a falta de segurança para pegar ônibus, foram organizadas em planilhas de acordo com a natureza dos problemas. Em seguida, os estudantes voltaram às ruas para pesquisar no bairro sugestões de soluções entre os moradores por meio de entrevistas. Elegeram, então, as prioridades e sugeriram caminhos para resolver essas questões, encaminhadas pelo diretor a vereadores, cujos nomes foram levantados pelos próprios alunos. Estes se dispuseram a discutir a viabilidade das propostas junto aos canais competentes. “Estamos buscando expandir a verdadeira função da escola”, completa Quaresma.
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Caráter prático

O mestrado profissional tem surgido como uma solução viável, na visão de muitos profissionais da área e professores universitários, para resolver problemas crônicos da educação brasileira. O primeiro programa de mestrado profissional na área de educação foi instituído pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 2010. Atualmente, são 44 programas e mais cinco já aprovados pela Capes.
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Bernardo Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), único conceito 5 da Capes entre os mestrados profissionais em educação, sintetiza os esforços na área: “Temos como desafio não só enriquecer a experiência pessoal dos educadores, o que é importante, mas buscar soluções para problemas concretos da educação básica”, diz. Remi Castioni, da Universidade de Brasília (UnB), relata que o curso sob sua responsabilidade surgiu de uma demanda do MEC de capacitar técnicos da área, mas tem procurado redirecionar sua abrangência para a educação básica como um todo. “Há um arsenal de possibilidades nessa área. Temos uma enorme base de dados com a qual ainda não sabemos lidar. Nossos programas de educação desconhecem o que acontece mundo afora”, avalia.
A principal diferença entre mestrados acadêmicos e profissionais é o trabalho de conclusão do curso. Enquanto os programas acadêmicos requerem uma dissertação e a capacitação em pesquisa para o doutorado, os profissionais têm flexibilidade para exigir uma ampla gama de propostas que vão desde análises de uma situação prática e propostas de intervenção na forma de dissertação, até a formulação de sequências didáticas e materiais como blogs, vídeos, peças de teatro, roteiros de museus e softwares para computadores e celulares. Muitos programas têm investido nesses trabalhos, os “produtos”, que, além de dialogarem diretamente com a prática do campo, podem gerar patentes para o país, embora quase todos ainda requeiram dissertações que expliquem a gênese desses produtos e uma avaliação de sua aplicação.
A ênfase nos produtos decorre dos objetivos. De acordo com a Capes, “os mestrados profissionais têm especial importância para o ensino básico tendo em vista que focam a relação teoria e prática, ou seja, são uma oportunidade de oferecer à sociedade os conhecimentos desenvolvidos nas instituições de ensino superior”. Marcus Guelpeli, coordenador do programa da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), ressalta que existe muito preconceito contra os trabalhos de conclusão dos mestrados profissionais na forma de produtos, em razão de seu desconhecimento na comunidade acadêmica. “Há muita controvérsia, ainda não há uma direção sobre se geramos um produto ou uma dissertação”, avalia.
O programa da PUC-SP, por exemplo, escolheu adotar como trabalho de conclusão uma dissertação articulada à prática profissional. A professora Marli André, em artigo no prelo sobre a experiência do curso entre 2013 e 2016, vê como positivos os resultados dessa escolha, que congrega pesquisa e prática. “A análise dos 44 trabalhos defendidos até junho de 2016 evidenciou que 42 tiveram interlocução direta com a educação básica e dois dirigiram-se indiretamente à educação básica, na medida em que investigaram a formação inicial de professores no curso de pedagogia. Pôde-se observar que, de forma geral, os objetos de pesquisa estavam centrados na atividade profissional dos autores”, escreve, concluindo que os objetivos do programa vêm sendo atingidos.
A capacitação prática de professores, com temas que vão desde currículo e docência, até educação sexual e tecnologia, são o maior foco dos programas. A gestão escolar e a capacitação de diretores, coordenadores, supervisores de ensino e técnicos administrativos também estão ganhando espaço. O programa da UFJF, além de ser o primeiro da área, inovou com uma proposta de capacitação para diretores. Segundo a coordenadora, Eliane Medeiros Borges, o programa inscreve-se nas políticas que visam estabelecer “padrões de desempenho para diretores de unidades de ensino, base para a implantação de programas de avaliação da gestão escolar e de certificação profissional”.
Além da UFJF, já oferecem mestrados profissionais voltados à gestão escolar a PUC-SP, a Universidade Estadual da Bahia (Uneb), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal de Santa Maria (RS), a Unisinos (RS), a Uniara (SP), a Unicid (SP), o Ceeteps (SP) e a Uninove (SP). Marli André destaca que os mestrados em gestão suprem uma lacuna grave na capacitação de gestores, pois a formação em pedagogia é muito ampla e inespecífica. “A gestão pedagógica trabalha em vários ramos: planejamento das atividades da escola, elaboração do projeto político-pedagógico, acompanhamento dessas atividades, avaliação dessas atividades, orientação dos professores e busca de recursos para a escola.” O programa da PUC-SP tem dado bastante ênfase no trabalho com as avaliações externas das escolas, cujo manejo adequado é uma carência crônica no Brasil. “Queremos que o gestor conheça o potencial da avaliação para utilizá-la em favor da melhoria da escola. Muitos gestores nos dizem que recebem esses resultados e não sabem bem como trabalhar com eles”, completa.
O programa da Unisinos também tem se dedicado a atender às crescentes demandas específicas da gestão. Segundo Flávia Obino Werle, responsável pelo curso, “a gestão abrange diferentes âmbitos profissionais, sejam espaços colegiados, de representação, departamentos, superintendências, delegacias, secretarias e ambientes executivos na área de educação e afins, bem como outras áreas de atuação na sociedade, em redes, sistemas, espaços empresariais e diferentes ambientes que envolvam formação de pessoas”. Com isso, busca-se atender ao setor público e privado, às ONGs, ao Sistema S e aos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia.

Mestrados profissionais em Rede

No tocante à formação docente, o maior número de egressos sai dos programas de mestrados profissionais em rede, modalidade stricto sensu introduzida pela Capes desde 2011. Atualmente, há cinco desses mestrados cujo objetivo é a capacitação de professores da educação básica: o ProfMat, o ProFis, o ProfLetras, o ProfHistória e o ProfArtes. Todos têm subsídios da Capes, embora, nos últimos anos, o contingenciamento de recursos tenha limitado as bolsas. Esses programas estruturam-se a partir da coordenação de uma instituição nacional e da colaboração de polos espalhados por todo o Brasil. O ingresso e o currículo são unificados em todo o país, mas as disciplinas são ministradas presencialmente pelos professores das universidades parceiras. Alguns contam com materiais e fóruns on-line.
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O primeiro mestrado profissional em rede surgiu na área de matemática, em 2011, com o ProfMat, nota 5 na área de concentração de matemática, que já pós-graduou mais de 2.800 professores. Em 2013, surgiu o ProFis, na área de astronomia e física. Os programas são coordenados, respectivamente, pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). Também em 2013 surgiu o ProfLetras, coordenado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2014, foi a vez do ProfHistória, coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do ProfArtes, cuja coordenação é da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Hilário Alencar, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do ProfMat, enfatiza que o foco do programa é atender o professor que já está lecionando. “Algumas pessoas reclamam que é um mestrado conteudista, sem disciplinas pedagógicas, mas é essa a demanda da educação básica. Se você não tem conhecimento de logaritmo, por exemplo, deve passar a conhecer antes de ensinar”, diz. Iramaia de Paulo, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e membro da Comissão de Pós-Graduação do ProFis, ressalta a necessidade da retomada dos conteúdos de física em um nível mais aprofundado e destaca uma externalidade positiva da iniciativa: “A grande maioria dos professores do nosso quadro é oriunda da física teórica ou experimental, que não tem formação em ensino e que agora está se predispondo a adquirir uma cultura de ensino de física. Isso tem acarretado uma mudança do ensino nas graduações de física, a reavaliação da graduação de física e a superação da distância entre o ensino superior e o básico”, afirma.
O ProfMat tem gerado resultados parecidos. Vanderlei Horita, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) há 20 anos, sempre faz pesquisa de ponta na área desde que se doutorou no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Seu envolvimento no ProfMat, no polo da Unesp de São José do Rio Preto, começou a despertá-lo para as necessidades do ensino básico. Ele ressalta que a maior parte dos mestrandos do programa vem de universidades privadas que não oferecem formação adequada. “No tocante ao ensino, porém, preciso confessar que aprendo muito mais com os alunos do que eles comigo”, destaca. Essa aproximação com a sala de aula levou vários de seus colegas a se interessar pela área de educação e aproveitarem a experiência prática dos mestrandos, a partir dos exemplos, na licenciatura em matemática da Unesp.
Os maus resultados crônicos dos alunos brasileiros na área de matemática e os problemas da educação também têm levado Horita a pensar em soluções, postas em prática pelos produtos dos mestrados do ProfMat. “Tenho insistido muito no desenvolvimento de sequências didáticas”, conta. Para isso, o professor e os estudantes têm pensado em como despertar o interesse pela matemática em crianças e jovens. Como eles têm facilidade em usar redes sociais e aparelhos eletrônicos, o professor tem buscado maneiras de usar essa tecnologia para o aprendizado. “Outra estratégia é tratar de assuntos que os interessem: o que significa um código de barras, que veem o tempo todo no supermercado, como um GPS funciona, como funciona o sistema de busca do Google, tudo isso tem a ver com matemática”, completa.

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