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Nestes tempos de transição paradigmática, em que as práticas inovadoras escasseiam, um editorial de um jornal de grande tiragem diz-nos que se
esgotou o tempo para teorias inócuas sem propósito e condescendência pedagógica no ensino público. Estou plenamente de acordo: urge suster experimentalismos e reformismos, de modo a assegurar o efetivo direito à educação de todos os cidadãos. Porém, estranhei que o editorialista sibilinamente acrescentasse que a
base do aprendizado tende a ganhar qualidade se deixar de lado modismos e valorizar leitura e matemática. O jornalista não informou onde teriam sido, efetivamente, praticados tais modismos, nem quais as escolas que teriam deixado de
valorizar leitura e matemática.
O editorial fazia eco da entrevista dada por um ex-ministro de Portugal, num discurso rasteiro, de senso comum pedagógico, incorrendo no equívoco de atribuir os males do sistema a
uma “pedagogia romântica”, que ninguém praticou, que nenhuma escola adotou, que nem o editorialista sabe dizer qual seja. Nem ele, nem o ex-ministro reconhecem o fato de, nestes desvairados tempos, as ciências da educação ainda não terem logrado influenciar as práticas das escolas. Desde há séculos, as escolas privilegiam o ensino do português e da matemática, em detrimento de todo o restante currículo. Nem as propostas de há cem anos, de um Dewey importado por Anísio logram entrar nas escolas. Aliás, quando li um cartaz com a inscrição “Paulo Freire fora das escolas”, fiquei confuso. Como pode Paulo Freire sair das escolas, se ele nunca nelas entrou?
Há jornalistas especializados em economia, política e até com especialização em futebol… mas não em educação. É lamentável que uma mídia irresponsável reproduza disparates proferidos por adeptos do regresso ao passado. No presente caso, um ex-ministro de frágil formação pedagógica, que confunde avaliação com classificação e produz pérolas deste jaez:
Projetos podem e devem ser multidisciplinares. Mas isso é muito negativo se destrói as disciplinas (sic).
O editorial refere que o ex-ministro combateu
os erros de uma “pedagogia romântica” e que,
após sua saída do ministério, os resultados do Pisa fizeram o mundo voltar os olhos para Portugal. A ingenuidade do editorialista não lhe permite perceber que os efeitos de medidas de política educativa nunca são de curto prazo e que os “bons” resultados do Pisa não ficam a dever-se às medidas decretadas pelo ex-ministro. Pedagogia não rima com demagogia e, como diria o poeta,
para a mentira ser segura, tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade…
O modelo educativo jesuítico reproduziu por séculos um ensino magistrocêntrico fomentado pela cátedra universitária e replicada pelo mestre escola. Mas, até mesmo os jesuítas já o aboliram, assumindo que
o trabalho escolar precisa de outras ferramentas, outras relações, outras dinâmicas. É o Colégio Jesuíta João 23, da Catalunha, quem o diz. E outras vozes se indignam, como a do meu amigo António:
Não podemos deixar a escola bloqueada por uma pedagogia medíocre (…) quando se fala em diminuição do currículo não pode ser sinônimo da velha ideologia do back to basics, isto é, de dar só matemática e português (…) trata-se de conseguir que, em cada uma das matérias, se valorize a dimensão das linguagens e não a dimensão dos conteúdos. Isto é, que nós tenhamos os instrumentos para ascender ao conhecimento (…) Aprender não é ter uma hora de aula de matemática, mas sermos capazes de incorporar nessa aula a dimensão da educação integral.