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Edição 240

A matemática é bela

Três problemas na relação com a disciplina e um caminho para solucioná-los

Publicado em 06/07/2017

por Redacao

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A rejeição à matemática, na escola, deve-se à soma de pelo menos três problemas:
Problema nº 1 – exigência de alto grau de abstração.
Problema nº 2 – insistência em estratégias pedagógicas ultrapassadas, com base no acúmulo e na repetição de exercícios.
Problema nº 3 – falta de nexo entre o conteúdo da disciplina e a vida cotidiana dos estudantes.
O recurso à memorização de fórmulas e truques não dá conta de todas as contas. A conta não fecha. No cômputo final, nada resta. As análises e estatísticas confirmam: o conjunto fica vazio.
Por outro lado, inúmeros estudos já demonstraram por A + B que a matemática é bela, assim como a vida, mas é preciso equacionar melhor nossa maneira de ensiná-la e de aprendê-la. Como potenciar nossa relação com a matemática?
Um dos segredos desta equação didática consiste em abrir mão do excesso de cálculos muitas vezes feitos de modo mecânico, multiplicando, em outro sentido, o espaço de comunicação e contextualização. Sabemos, por exemplo, que relatar aspectos da biografia dos matemáticos ajuda os alunos a perceberem a grandeza e a extensão da “rainha das ciências modernas” (Carl Friedrich Gauss, no século 19). A verem que matemática é coisa humana, ligada à realidade, apaixonante.

O afeto ímpar

O afeto pela matemática não tem igual. É ímpar. É radical. Não pode ser calculista. Absorve a mente e o corpo. Como se vê na vida do Professor, personagem do romance A fórmula preferida do professor, da escritora japonesa Yoko Ogawa (publicado recentemente pela Editora Estação Liberdade).
O Professor (é assim que a narradora o chama) concentrava-se…
Sua concentração atingia o ponto de saturação. Depois que ele entrava no gabinete, eu não escutava mais som algum. Isso chegava a me afligir. Teria derretido de tanto pensar? Mas então, de repente, esse silêncio era rompido pelo ruído do lápis riscando o papel. O som do grafite sobre o papel me tranquilizava. Provava que ele continuava vivo e que avançara, ao menos um pouco, rumo à solução.
A narradora é empregada na casa do Professor. Mas não é fácil trabalhar ali. O Professor sofre de uma enfermidade muito específica. Sua memória está congelada no passado. E a cada 80 minutos esquece o que acabou de ver e viver. Não é possível acrescentar novas memórias. Seu futuro sempre retorna à estaca zero, a cada novo dia. Os números, porém, constituem sua ponte para a realidade. Sua linguagem, feita de algarismos e argumentos computáveis, está, no entanto, vinculada às coisas mais simples. Num dado momento, o Professor reflete sobre o zero:
— […] Um número inferior, por uma unidade, ao menor dos números naturais, isso é o “0”. A integridade das regras de cálculo não foi afetada em absoluto por sua aparição. Muito pelo contrário, a sua presença reforça a inexistência de contradição, e fortalece as regras. Imagine agora: há um passarinho pousado em um galho. Um passarinho que canta com uma voz maviosa. Tem um bico adorável, e lindas asas enfeitadas. Ele atrai nosso olhar e, sem querer, deixamos escapar um suspiro. Nesse instante, o passarinho voa longe. Não há mais vestígio dele no galho onde estava pousado. Apenas as folhas secas balançam. […] “1 – 1 = 0”. Não é lindo?

Números perfeitos, alunos curiosos

Sem perceber, o Professor ensina por transbordamento. Sua limitação de memória torna-se expansão para os outros. Mais do que esforço para decorar artimanhas, matemática é intuição e surpresa, pensamento e jogo.
No romance, o Professor explica que o número perfeito é igual à soma de seus divisores próprios. Por exemplo, o número 6 é perfeito, porque 1 + 2 + 3 = 6. O número 28 também, porque 1 + 2 + 4 + 7 + 14 = 28. E por aí vai, como quem vai para o infinito. Perfeição e senso do infinito nos aproximam do mistério de estar vivo.
Os números são coisa sagrada. Exercem fascínio. Ou deveriam exercer. A curiosidade é ingrediente necessário. Quanto maior o volume inicial de curiosidade, maior será a dilatação da inteligência. Quanto maior for a nossa aproximação da sabedoria dos números, mais intensa é a percepção da beleza convidativa da matemática.
Diante da vida e do dinamismo próprios dos números, quem os estuda sente que nada é difícil, quando, ao desejo de saber, acrescenta-se um ensinar descomplicado:
O Professor sempre repetia para si mesmo, dentro da alma: “O que eu consigo fazer é insignificante. E, se eu posso fazê-lo, qualquer outro também pode.”
O sentido da matemática se descobre quando aceitamos ver sua beleza. O Professor tinha suas limitações para registrar fatos, mas admirava-se diante do número 11, por exemplo. “Um belo número primo!”, ele exclamou, quando alguém se referiu aos 11 anos de idade que um menino iria completar.
*Gabriel Perissé é professor, escritor e palestrante – www.perisse.com.br

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