NOTÍCIA

Edição 243

Pichon-Rivière: para psiquiatra e psicanalista argentino, aprender em grupo significa conviver com uma leitura criativa e crítica da realidade

Considerado por muitos o maior analista latino-americano, ele estudou as diversas formas de práticas de grupos

Publicado em 01/11/2017

por Redacao

Para psiquiatra e psicanalista argentino, aprender em grupo significa conviver com uma leitura criativa e crítica da realidade

Crédito: Shutterstock


É quase impossível pensar as ideias de inclusão e de cidadania sem a compreensão dos mecanismos inconscientes dos diferentes grupos que formam as sociedades. Vale lembrar que cada sujeito pertence simultaneamente a diferentes grupos formais e informais e é confrontado com uma pluralidade de identidades ao longo de sua vida. Pluralidade que pode trazer crescimento, mas também conflitos.
Os processos de formação e funcionamento de um grupo em tarefa, e as grandes dificuldades encontradas nessa organização, inquietaram o psiquiatra e psicanalista argentino Pichon-Rivière (1907-1977), considerado por muitos o maior analista latino-americano. Ele orientou seus estudos, seminários, cursos e conferências para diversas formas de práticas de grupos, desde a criação em 1947 do que ele chamava grupo “em tarefa”, ou “grupo operativo”, que procurava responder às duas angústias fundamentais da vida social: o medo da perda (perder o que já se tem) e o temor do ataque (temor frente ao desconhecido). Com seu magistério, Pichon-Riviére exerceu enorme fascínio sobre seus discípulos e contemporâneos, principalmente no que diz respeito aos jovens estudantes da Escola de Psicologia Social, fundada por ele em 1959 na cidade de Buenos Aires.
Em 1955, Pichon-Rivière e o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) se conheceram e se aproximaram. Ambos tinham grande apreço pelo surrealismo. Lacan recebeu em sua casa Pichon em companhia do poeta surrealista Tristan Tzara (1896-1963). Depois, o psicanalista francês apresentou o argentino ao poeta e teórico do surrealismo André Breton (1896-1966). Pichon foi responsável pela introdução do lacanismo em seu país.
Por sua vez, Pichon interessou-se pelos dois grandes escritores da modernidade literária que exprimiram, por meio de sua escrita poética, a ideia de mudar o homem a partir da fórmula “eu é um outro”: Arthur Rimbaud (1854-1891) e Lautréamont (1846-1870). Interessando-se tanto pela medicina, como pela poesia e pela política, os trabalhos de Pichon contribuíram para estabelecer uma ligação entre as duas vias de implantação da psicanálise na Argentina: a via literária (cultura, educação) e a via terapêutica (psicologia, psiquiatria).
Pichon-Rivière começou a trabalhar com grupos na medida em que observou a influência do grupo familiar em seus pacientes. Sua prática psiquiátrica esteve subsidiada principalmente pela psicanálise, pela filosofia e pela psicologia social. Para o autor, o objeto de formação do psicanalista devia instrumentalizar o sujeito para uma prática de transformação de si, dos outros e do contexto em que estavam inseridos. Aprender em grupo significava conviver com uma leitura criativa e crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações.

Notas conceituais sobre o funcionamento dos grupos em tarefa

Conceito de grupo em tarefa
De acordo com Pichon-Rivière, o grupo se estabelece quando um conjunto de pessoas motivadas por necessidades semelhantes se une em torno de uma atividade específica, em tempo e espaço determinados, estabelecidos entre elas. Esses indivíduos, inicialmente amontoados e dispostos em série (sem ligação entre si), passam a se unir e iniciar um processo de comunicação e cooperação para a realização de tarefas.
A tarefa em grupo vai ocasionar o surgimento de uma série de outros elementos que não poderiam ser previstos inicialmente, aspectos inconscientes e/ou não ditos se farão presentes, ora contribuindo ora dificultando para o desenvolvimento do grupo.
Pré-tarefa e tarefa
Na concepção de Pichon-Rivière, o grupo apresenta-se como o principal instrumento de transformação da realidade. A mudança, que é o objetivo primordial de todo grupo em tarefa, envolve um processo gradativo, no qual os integrantes do grupo passam a assumir diferentes papéis e posições frente à tarefa grupal. O momento da pré-tarefa é caracterizado pelas resistências dos integrantes do grupo ao contato com os outros e consigo mesmos, na medida em que o novo, o grupo, gera ansiedade e medo, medo de perder o próprio referencial, de se deparar com algo que possa surpreender e por sua vez suspender suas velhas e cômodas certezas acerca de si e do mundo. A partir do momento em que é possível elaborar as ansiedades básicas, romper com as estereotipias, abrir-se para o novo e o desconhecido, pode-se dizer que o grupo está em tarefa.
A tarefa é a trajetória que o grupo percorre para atingir seus objetivos; relaciona-se ao modo como cada integrante interage a partir de suas próprias necessidades e fantasias. Compartilhar essas necessidades e fantasias em torno dos objetivos comuns do grupo pressupõe flexibilidade, descentramento e perspectiva de abertura para o novo. Quando o grupo aprende a problematizar as dificuldades que emergem no momento da realização de seus objetivos, pode-se dizer que ele entrou em tarefa, pois a elaboração de um projeto comum já é possível e esse grupo pode passar a operar um projeto de mudanças.
Tarefa versus trabalho
Segundo Pichon-Rivière, na tarefa se “constrói um pensar, um sentir e um agir, cuja distinção é central”. A noção de “trabalho”, por sua vez, refere-se a um aspecto predeterminado da organização social. “Tarefa” remete a uma atividade baseada na satisfação de necessidades humanas. O “trabalho”, mesmo que também suponha a satisfação de necessidades humanas, remete igualmente a uma reprodução social que, em cada ciclo do capital, afirma e em geral aprofunda a desigualdade social que a fundamenta.
A tarefa supõe resultados que não são de todo predeterminados ou predetermináveis, pois os objetivos que ela busca admitem reconfigurações nas quais os sujeitos podem intervir ativamente. No trabalho, no entanto, os resultados são basicamente predeterminados e, em geral, condicionados por elementos externos: os objetivos devem ser cumpridos e são escassamente vinculados às decisões dos sujeitos.
A tarefa é por definição saudável, seu cumprimento reforça a identidade dos sujeitos. Ela permite a satisfação das necessidades de reconhecimento e aquelas de desenvolvimento e realização individual e social. Quando isso não ocorre, pode-se pensar que não se trata de uma verdadeira tarefa. Já o trabalho pode ser saudável ou não. Ele pode reforçar a identidade ou deteriorá-la. O reconhecimento, quando existe, ocorre sob um aspecto do sujeito ou do grupo (reforçando a unilateralidade das imagens e sua consequente alienação). Somente para uma pequena parte da população o trabalho constitui um espaço de desenvolvimento e realização pessoal e social, e não um simples meio de subsistência.
Conflitos versus burocratização
Todo grupo é marcado por conflitos, tensões ou contradições, gerados por ansiedades, que podem constituir obstáculos para a ação do grupo em tarefa, dificultando os processos de comunicação e de aprendizagem. A partir da análise das ideologias e dos estereótipos que emergem no grupo – tanto em nível individual como grupal – é possível elaborar os conflitos. A elaboração dos conflitos leva os integrantes do grupo à construção e/ou re-significação de valores, crenças, expectativas etc.
A burocratização, ao contrário, inibe as posições criativas dos membros do grupo em tarefa. Impõe normas rígidas, impede a verbalização de dúvidas, sonhos e ansiedades, e não permite a eclosão de conflitos.
Papéis exercidos pelos membros do grupo em tarefa
Segundo Pichon, alguns papéis são comumente assumidos pelos membros do grupo. Esses diferentes papéis não são estáticos; ao contrário, são móveis. O que quer dizer que não se trata de características da personalidade dos sujeitos, mas são posições assumidas por eles diante da tarefa do grupo, das expectativas dos outros, de suas próprias expectativas. Incluem-se aqui aspectos de sua história pessoal, bem como da história do grupo. Os principais papéis analisados pelo autor são:
O coordenador, ou líder, tem um importante papel, a quem cabe perceber, analisar e criar condições para que conflitos ou contradições do grupo possam ser discutidos e superados; cabe-lhe procurar fazer do grupo um espaço de aprendizagem para todos. Em certos grupos, há pessoas que assumem o papel de “líderes da mudança”, que são aqueles que tendem a “puxar” o grupo para a frente, levar adiante sua tarefa, buscando soluções, mobilizando os demais; já, contrariamente, o “líder da resistência”, manifesta atitudes de “puxar o grupo para trás”, evidenciando comportamentos que tendem a dificultar os avanços do grupo. Ambos os papéis são necessários, na medida em que criam certo equilibro na dinâmica grupal.
O bode expiatório é aquele que se torna depositário das características negativas do grupo, assumindo para si todos os “defeitos” dos outros membros. Essa pessoa concentra sobre si as tensões do grupo; tende a aparecer como “culpada” por situações que são, de fato, grupais.
O porta-voz manifesta o que o restante do grupo está sentindo e pensando. Ele “fala pelo grupo”, tem coragem de expor as tensões, as ansiedades, de verbalizar, dar forma aos sentimentos e conflitos do grupo.

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