NOTÍCIA
A escola da BNCC recusa o direito à educação a milhões de jovens; leia mais na coluna de José Pacheco
Publicado em 24/11/2017
A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfeitou-se de expressões e palavras do discurso contemporâneo das ciências da educação: “desenvolvimento emocional”, “habilidades”… Porém, em tempos de pós-verdade e de crise ética, talvez devamos atender ao aviso que nos lança Guimarães Rosa: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”. Se o modelo epistemológico pressuposto na BNCC é, explicitamente, o da escola segmentada em anos e salas de aula, quais serão as “habilidades” ensinadas no chão dessa escola?
Entreguei a chave do quarto e escutei o estrangeirismo habitual:
Check out?
Sim. Estou de saída. Faça-me o favor de fechar a conta.
Teve consumo de frigobar?
Não.
O funcionário pegou o telefone e falou com a camareira: check out 301!
Era o número do quarto onde eu havia pernoitado. Decorrido um minuto, atendeu ligação da camareira: Ok!
Não comentei.
Na TV do átrio do hotel, uma campanha apelava a que os motoristas respeitassem os pedestres nas faixas de segurança, nas ruas semeadas de quebra-molas e radares, onde se ultrapassa pela direita e motoqueiros transitam entre faixas. É fácil perceber quais foram as habilidades aprendidas na velha escola. Apesar dos excelentes professores que nela sobrevivem, ela gera ignorância, exclusão, corrupções.
É sabido que se aprende por imitação. E, na escola da BNCC, vemos adultos a furar fila no refeitório. No banheiro dos alunos, como no banheiro dos professores (são separados…), leio os dísticos habituais: Por favor, urine dentro do vaso. Dê a descarga. Na saída, apague a luz. Não suba no vaso. A luz fica acesa e não é raro que o chão apareça coberto de urina. E, dado que se observa a afixação de idênticos dísticos nos banheiros dos serviços públicos (inclusive, nos das secretarias de Educação), poderemos concluir que há pessoas que aprenderam a “habilidade” de subir no vaso.
A aula da escola das escolas “convencionais” (ouvi dar-lhe esse nome) fomenta a habilidade do puxa-saco, o conformismo, a anomia. Nessas “convencionais” escolas, a “avaliação” por prova gera a habilidade da “cola”. E, para além da habilidade da decoreba, que essa escola identifica com aprendizagem, é fácil identificar as habilidades sociais que essa escola ensina. Na escola da BNCC, impera a praga da corrupção na merenda escolar e no transporte escolar. E sutis corrupções do discurso pedagógico, indevidamente utilizado, para legitimar leis espúrias.
Apesar da BNCC, muitos brasileiros escolherão ser éticos, pois não poderemos imputar à escola a exclusiva responsabilidade de certas habilidades. Porém, a escola da BNCC continuará antiética, sob o beneplácito de pedagogos, que a disfarçam sob o manto diáfano de uma base curricular que recusa o direito à educação a milhões de jovens. Mas, quando se propõe o diálogo sobre o seu conteúdo, a reação dos acadêmicos é a recusa do debate.
Não respondem a questionamentos pertinentes, refugiam-se numa arrogância, que lhes permite afirmar que a BNCC está dividida por anos, porque não se pode abolir a aula, ou abolir a série, e que seria difícil para os professores abandonar o seriado.
Saberão explicar, então, de que modo as “habilidades” prometidas na BNCC poderão ser ensinadas no frontal anónimo da aula? Ou em aulas “diferentes”, “circulares”… Que não se iludam, nem tentem iludir, porque esperar a aprendizagem das habilidades da BNCC em sala de aula é o mesmo que esperar o ónibus na paragem do trem.