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Edição 244

Direitos humanos vivem momento de regressão, analisa especialista

Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito-SP traça histórico da presença dos direitos humanos e identifica atual momento como de domínio conservador em várias esferas

Publicado em 17/11/2017

por Redacao

Direitos humanos vivem momento de regressão, analisa especialista

Crédito: Shutterstock


Se a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) a comunidade internacional iniciou um movimento em direção à consolidação e garantia da universalidade dos direitos que garantem a dignidade de cada indivíduo, hoje, o processo é de regressão. Essa é a análise do professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito-SP e um dos autores do recém-lançado livro Direitos humanos e vida cotidiana, voltado para o ensino médio.
Hoje, a guerra na Síria, a crise de refugiados e a ascensão de governos conservadores que não abraçam a questão dos direitos humanos têm fortalecido ainda mais esse processo de regressão. No Brasil, na análise do professor, a composição predominantemente conservadora do Congresso Nacional também contribui para que a pauta dos direitos humanos encontre dificuldades.
Tais dificuldades, no entanto, não começaram agora – e os direitos humanos também enfrentaram outros entraves ao longo de sua evolução. Em conversa com a revista Educação, Vieira delineou um panorama dos direitos humanos desde a sua consolidação no pós-guerra até o momento atual. Confira, abaixo:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Um dos grandes marcos dos direitos humanos e da preocupação da comunidade internacional com essa temática é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que completa 70 anos em 2018. O documento foi uma resposta direta às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e consolida os direitos dos quais todos devem desfrutar pelo simples fato de serem humanos, buscando evitar que as barbaridades vividas no conflito militar global se repitam.
A DUDH foi incorporada a diversas Constituições – inclusive a do Brasil, de 1988 – e, depois dela, tratados internacionais foram firmados com o objetivo de assegurar os direitos humanos ao redor do mundo. A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) são alguns exemplos.
Apesar desse movimento em direção à afirmação dos direitos humanos universais, durante boa parte do século 20, eles foram muito contestados. “Esses direitos humanos foram muito politizados pela Guerra Fria, porque se dizia que eram um mecanismo do Ocidente para estabelecer quais padrões transformariam em legítimo o exercício do poder, em contraposição a como esse poder era exercido nos países do bloco comunista”, explica Oscar Vilhena Vieira. Segundo o professor, os direitos humanos também foram instrumentalizados pelos países subdesenvolvidos, que entendiam que eles se tratavam de uma cartilha liberal e que, portanto, deveriam ser sobrepostos por um discurso nacionalista.
Foi só no final dos anos 80 e início dos 90, com eventos como a queda do muro de Berlim (1989), a redemocratização da América Latina e do sudeste asiático e o fim do apartheid na África do Sul que os direitos humanos passaram a funcionar como uma régua pela qual todos os países passaram a buscar balizar suas instituições. O governo de Bill Clinton nos Estados Unidos (entre 1993 e 2001) contribuiu com essa onda de otimismo com relação aos direitos humanos, com a ideia de que eles representariam a face moral da  globalização e que isso levaria à sua expansão.
Os anos 90 também foram marcados por importantes convenções, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (conhecida como Rio 92), em 1992, e a Conferência de Direitos Humanos de Viena, em 1993. “Pela primeira vez, as relações internacionais e a discussão sobre parâmetros e direitos não se restringia aos estados. As organizações da sociedade civil também fizeram parte dessas grandes conferências. Isso criou um certo cosmopolitismo ético”, destaca Vieira.
Em 2001, com o ataque às torres gêmeas, esse processo se inverte: ganha força a ideia de que o terrorismo deve ser combatido a todo custo, ainda que às custas de direitos. Ganha espaço o discurso de que os direitos podem ser condicionados, e não inalienáveis.
Os países dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), especialmente África do Sul, Índia e Brasil, também começam a colocar interesses econômicos à frente da lógica dos direitos humanos, o que contribui para essa regressão. “Para o desenvolvimentismo, no Brasil, não importa se vai afetar a comunidade indígena, local… Ou seja, a direita e a esquerda, que haviam colocado os direitos humanos como parâmetro fundamental para pautar a legitimidade de suas ações passam a subordiná-los a outros interesses”, explica Vieira.
Para o professor, esse processo de regressão segue em curso no mundo todo. Na Europa, além do terrorismo, há a disseminação do discurso contra imigrantes e refugiados. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump não tem os direitos humanos como parte de sua agenda: o decreto anti-imigração, que limita a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana, e a aproximação com líderes autoritários são alguns dos exemplos de atitudes que reforçam a posição do presidente norte-americano.
No Brasil, a tendência é a mesma. Vieira destaca a composição predominantemente conservadora do Congresso Nacional – algo inédito desde 1988 – e os problemas de algumas bancadas com questões relacionadas aos direitos humanos. A bancada da bala, que “vê os direitos humanos como uma espécie de bloqueio à sua liberdade de conduta” e a bancada religiosa, que vê temas como a liberdade sexual das mulheres e a luta pelos direitos da comunidade LGBT como incômodos são alguns exemplos. “Há também a bancada do boi, que no Brasil tem uma trajetória grande – no campo há forte violência”, complementa o professor.
Nesse cenário, o resultado é um entrave nas pautas ligadas aos direitos humanos, após um ciclo de uma agenda muito progressista nesse sentido, como consequência da Constituição de 1988. Aprovada após um longo período de ditadura, ela tem a democracia e a garantia de direitos como pilares fundamentais. Além da constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) também foi um marco importante da agenda progressista no campo de direitos.
Hoje, no entanto, o cenário mudou. “Essa bancada [mais conservadora] sempre se contrapôs a essa agenda [progressista], mas o Executivo sempre bloqueou algumas de suas ações. A cada crime que acontecia, sempre se falava em redução da idade penal, mas os ministros da Justiça diziam que o presidente iria vetar”, analisa Vieira, destacando que a Câmara e o Senado mais conservadores já estavam presentes na primeira gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, mas que tornaram-se mais agudos após o impeachment.
“Depois do impeachment, há um presidente não só mais conservador, mas também mais vulnerável à maioria congressual. O impeachment traz dentro de si um veneno: o presidente não mais representa os interesses da coletividade em geral, e está muito mais subordinado aos interesses específicos das bancadas do Congresso”, avalia Vieira.

Leia mais:

http://www.revistaeducacao.com.br/diretor-da-fgv-direito-sp-fala-sobre-desafios-dos-direitos-humanos-na-escola/

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