NOTÍCIA
Países como Austrália, China, Itália e Japão já reconhecem oficialmente o problema
Publicado em 26/03/2018
Os estímulos oferecidos pela indústria do entretenimento têm o objetivo de nos manter conectados a ela o tempo todo. O desejo de todo canal de TV, por exemplo, é o de que permaneçamos ligados à programação enquanto estivermos acordados — e, se pudermos deixar a televisão sintonizada enquanto dormimos, ótimo. As inúmeras empresas com atuação na internet são pautadas pela mesma estratégia. O Facebook, por exemplo, pretende se confundir com a própria rede de informações. Seu fundador, Mark Zuckerberg, disse há alguns anos que buscava manter os usuários conectados à plataforma por todo o período em que estivessem plugados à internet — idealmente, o dia inteiro.
Esse fenômeno antigo — tentar conquistar o máximo possível de tempo e atenção das pessoas — ganhou, com a internet, uma “reconfiguração”, avalia Fabiana Grecc, pesquisadora do NACE (Escola do Futuro, da Universidade de São Paulo). “Os aspectos mais sobressalentes talvez sejam o número de interconexões possíveis e o encurtamento da noção do tempo e do espaço”, diz. “Essa reconfiguração tem afetado todo o ecossistema comunicacional e gerado uma série de desdobramentos. Com foco nos jovens e nas crianças, há um aspecto que chama bastante a atenção: a quantidade de horas dedicadas ao uso dos dispositivos móveis, como telefones celulares.”
Ela considera que os “imigrantes digitais” (pais e professores entre eles) tendem a se assustar com a quantidade de horas dedicadas à internet pelos “nativos digitais” (as crianças e adolescentes que já nasceram nesse cenário), mas muitos não notam que “os nativos vivenciam, em atividades on-line, a mesma experiência de compartilhamento do cotidiano dos imigrantes”.
Como estabelecer o ponto em que a conexão se torna sinal de dependência e deve ser tratada? Na Coreia do Sul, o sistema de saúde pública atende a “viciados em internet”. Reportagem da BBC Brasil informou que outros países, como Austrália, China, Itália e Japão, também “reconhecem oficialmente o problema”. Nos EUA, como aponta a mesma reportagem, a iniciativa privada aproveitou-se da situação: diversas clínicas de reabilitação oferecem programas para adolescentes cujos pais queiram afastar os filhos do “vício”, que em alguns casos equivale a 20 horas diárias.
“Muitas vezes, vemos famílias contando que não tiveram nem refeição sequer com os filhos porque eles estão no Snapchat”, disse à reportagem da BBC Brasil a diretora de uma dessas clínicas, Danielle Kovac. A Paradigm trabalha com internações que duram até 60 dias, de acordo com o perfil do adolescente; depressão, ansiedade e agressividade são alguns dos fatores associados à dependência. Um negócio e tanto: a diária sai por US$ 1,6 mil.
O escritor americano Michael Brody, membro da Associação Americana de Psiquiatria Infantil e Juvenil, foi incisivo em sua análise da dependência ao falar à revista Educação. De acordo com ele, o desenvolvimento cognitivo é afetado pelas redes sociais por criar “muito foco no consumo e no dinheiro”, por despertar “a sensação de que às vezes se é deixado de fora (abandonado) por colegas” e por abrir espaço ao bullying “sem oferecer recursos para lidar com isso”.
“Atividades escolares e esportivas são importantes para crianças, não o Facebook”, julga Brody.
http://www.revistaeducacao.com.br/relato-de-um-dependente-em-recuperacao/