Permiti que vos fale de um Felismino que adora elaborar rankings de escolas. Cedo se iniciou nessa admirável arte de hierarquizar. Ainda imberbe, sentiu-se atraído pelas classificações dos campeonatos de futebol, daí passou aos concursos das misses, entreteve-se a elaborar tabelas de várias competições, até que, já adulto, elabora rankings, crente de que uma prova avalia e de que as “boas escolas” são aquelas cujos alunos apresentam melhor desempenho em testes estandardizados. Um engano de alma ledo e cego, ingenuidade que qualquer compêndio de uma nova educação não deixa durar muito.
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Quem possuir alguns rudimentos de docimologia saberá quão falíveis são as provas e como são prejudiciais os seus efeitos. Mas o Felismino entretém-se a ordenar escolas em função dos resultados alcançados pelos alunos em exames de acesso à universidade, ignorante de outros modos de avaliar.
O rankismo é uma praga, um equívoco comprometedor da melhoria da qualidade da educação. As escolas mantêm-se coniventes com o estímulo da competitividade. Dogmas velhos cercearam a responsabilidade cidadã e um estado burocrático impõe um sistema de ensino centralizado, estruturas curriculares rígidas e modos de organização do trabalho escolar obsoletos. A pseudoavaliação, que ainda se faz em muitas salas de aula, inspira-se na mesmice de um modelo epistemológico falido, apenas age como instrumento de darwinismo social.
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Lemos notícias de esgotamentos nervosos, de alunos a ingerir calmantes (ou estimulantes) antes dos exames. E alguém, que, por pudor, não identificarei, afirmou que ”sempre há de haver quem reprove”. Eis como a criminosa “naturalização” do insucesso se pereniza, no apelo ao mais feroz i
ndividualismo, à competição desenfreada.
Cada criatura desperdiça o seu tempo como lhe apraz. E nenhum mal daí viria ao mundo, se o Felismino não fosse considerado “especialista” em educação e não fizesse uma divulgação maciça de tolices como concursos de “professor nota 10”, ou de “melhor professor do mundo”. Mas, no Reino da Educação, reinam ridículos e nefastos Felisminos do marketing educacional. A capa de uma revista ostentava um sugestivo título:
Conheça as melhores escolas para o seu filho. Mas, quais são as melhores escolas, as boas escolas?
“Especialistas” e jornalistas, para os quais as ciências da educação são ciências ocultas, passam para a opinião pública uma imagem simplista e deturpada do cenário educacional, produzindo propaganda enganosa. Entre o vestibulinho e o vestibular, muitas ditas “boas escolas” produzem aparências de aprendizagem e bonsais humanos. Quantos conteúdos da decoreba dos cursinhos se transformam em conhecimento ou competência, após o Enem? Quantos conformistas são produzidos nas “boas escolas”, que vão ocupar as cadeiras do poder, incapazes de uma postura humanista e inovadora?
Os Felisminos criam bancos de itens, para que os professores intensifiquem a aplicação de testes, horas a fio em preparação para exames. Perante notas deprimentes, pugnam por mais aulas de reforço (lamentáveis subprodutos de uma prática pedagógica lamentável), “com o intuito de melhorar o desempenho dos alunos”. E um dos Felisminos até afirmou que se deverá aplicar mais provas, ignorando que, na forma da lei e da ciência, a avaliação deverá ser formativa, contínua e sistemática. Os Felisminos ignoram que não é a preocupação com o termômetro que faz baixar a temperatura.
José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal).
josepacheco@editorasegmento.com.br
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