NOTÍCIA
Estado norte-americano legislou baseado em pesquisas e especialistas nas áreas de saúde pública, pediatria, psiquiatria e medicina
Publicado em 16/11/2019
A importância do sono para a saúde em geral e, particularmente, para o desempenho acadêmico está muito bem estabelecida. Conhecemos bem os efeitos de uma noite maldormida sobre a nossa capacidade de concentração. Além disso, durante o sono o cérebro está ativo, favorecendo a consolidação de nossas experiências e contribuindo para a formação de memórias. O ambiente cerebral durante os sonhos também é propício para gerar soluções mais criativas para problemas do cotidiano. Experimentos realizados em laboratório – incluindo o nosso, na Universidade Federal do Paraná – têm confirmado a ideia de que o sono favorece a ocorrência desses insights.
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Diante das evidências científicas, escolas de vários países – como EUA, Inglaterra e Israel – atrasaram o horário de início das aulas no ensino médio para permitir um maior tempo de sono para seus alunos. Essa medida torna-se crucial para os adolescentes, que apresentam maior dificuldade para pegar no sono mais cedo, devido a alterações fisiológicas decorrentes das mudanças da puberdade. Dois estudos mostrando a associação entre entrada na puberdade e atraso nos horários de dormir foram publicados quase que simultaneamente, em 1993. Um deles foi realizado por pesquisadores brasileiros da Universidade de São Paulo e teve grande repercussão internacional. Além da tendência biológica, o atraso nos horários de dormir (chamado de atraso de fase de sono) é exacerbado pelos estímulos ambientais, como o uso de dispositivos eletrônicos.
A equação, portanto, é simples: se os adolescentes precisam dormir, em média, nove horas diárias e as aulas começam muito cedo, por volta das sete horas da manhã, eles teriam que ir para cama às 21 horas para a conta fechar. Como, por fatores biológicos e ambientais, isso não acontece, eles são submetidos a uma restrição crônica de sono – dormem diariamente entre uma e duas horas a menos do que necessitam –, com reflexos para o metabolismo (aumento de peso, por exemplo), para a regulação emocional e para o desempenho acadêmico.
Os resultados de estudos realizados em escolas que atrasaram seus horários de início das aulas mostram benefícios, como redução da sonolência em sala de aula e melhora no desempenho acadêmico. Com base nesses estudos, a Associação Brasileira do Sono, entidade que congrega especialistas no tema, recomendou, em 2017, que as aulas no ensino médio não comecem antes das 8h30min. De lá para cá, porém, houve pouco avanço em nosso país.
É claro que mudar horários escolares não é tarefa simples; há repercussão em toda a comunidade – alterações nos horários influenciam a rotina dos pais, a programação do transporte escolar e a distribuição de aulas dos professores. Por isso, é necessário que as mudanças sejam planejadas e sua repercussão seja avaliada de maneira cuidadosa. Temos proposto que em algumas situações a adoção de horários flexíveis pode ser a solução. Definir um horário comum a todos os alunos do turno da manhã, por exemplo, entre 9h e 13 horas, e oferecer módulos flexíveis, que poderiam ser feitos antes das 9h ou após as 13h, de acordo com a preferência dos alunos.
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O processo de mudança está bem mais avançado nos EUA, onde desde fevereiro de 2019 tramitava no estado da Califórnia uma lei que determina o horário mínimo de 8h30min para início das aulas no ensino médio. No dia 09 de setembro de 2019 a lei foi aprovada pelos legisladores e seguiu para sanção do governador. A aprovação da lei ganhou mais força após o envio de uma carta redigida por mais de 100 pesquisadores das áreas de saúde pública, pediatria, psiquiatria, medicina preventiva e medicina do sono aos legisladores. Na lista de assinaturas estavam praticamente todos os nomes de peso de pesquisadores estadunidenses da área de sono. No documento, cujo título poderia ser traduzido como “Consenso avassalador”, os pesquisadores apresentam evidências das últimas décadas de pesquisa e pontuam os benefícios advindos da aprovação da lei.
O caso dos EUA nos deixa várias lições. Uma delas é a importância da pesquisa científica para balizar decisões relacionadas às políticas públicas. Outra é a necessidade de mobilização da comunidade científica para convencer legisladores a tomar decisões embasadas no conhecimento científico. E a última lição fica para nossos políticos: eles precisam abandonar convicções baseadas em achismos e ouvir o que a comunidade científica tem a dizer. Em outras palavras, precisam aprender a diferença entre fatos e opiniões. Diante do cenário atual do nosso país, não é difícil constatar que nesse aspecto estamos andando na contramão da história. Ainda temos um longo caminho pela frente.
Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School
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