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Referência em desenvolvimento socioemocional e neuroeducação, Adriana Fóz defende uma aprendizagem que respeite o todo de cada ser humano, o que inclui processos cerebrais e emocionais
Publicado em 19/05/2021
Quando tinha 32 anos, a educadora Adriana Fóz teve um AVC (acidente vascular cerebral) hemorrágico. Não lembrava de seu marido e nem como usar escova de dentes. “Tive desorganização da mente e cérebro. Faço a metáfora que é como se a gente fosse um quebra-cabeça e peças ficaram faltantes. Precisei procurar novos caminhos que chamo de pontes, atalhos e funções no cérebro para recuperar ou criar novos exercícios. Se hoje estou falando é porque meu cérebro conseguiu outros caminhos para aprender”, lembra.
Seu grande interesse é entender a aprendizagem — como o cérebro funciona e passar isso aos professores. Tanto que hoje, aos 53 anos, Adriana Fóz une educação, saúde mental e emocional por meio da neurociência para buscar evidências. “Como que a gente otimiza, processa a aprendizagem? Para isso cheguei à neurociência e a partir daí à psicopedagogia, e à neurociência propriamente dita. Saúde mental e emocional insere cognição. É método. Juntar a educação ao todo do ser humano.”
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Professora convidada de universidades como a Universidade de São Paulo (USP), é mestre em ciências pela psiquiatria e psicologia médica – Unifesp, especialista em neuropsicologia e psicopedagogia, pesquisadora em neurociência educacional e terapeuta cognitiva de jovens e adultos. Diretora da NeuroConecte e membro do Conselho Consultivo (Fundação ABRINQ).
Fóz batalha há mais de 20 anos pela aprendizagem socioemocional no ambiente escolar, sendo referência no assunto. Sua pesquisa de mestrado destaca que primeiro o professor precisa entender suas próprias emoções para depois desenvolver as habilidades socioemocionais em seus alunos, ou seja, ela reforça que é preciso investir no educador. Conhecedora das desigualdades educacionais, sabe que uma boa aprendizagem em sala também está ligada a ações cumpridas não só pela escola, mas pela família, comunidade e políticas públicas. “Professor não pode ficar com aluno que não come direito, que não escova os dentes. Essas peças têm a sua responsabilidade. Escola não é para ter mais trabalho, ali deve ser um ambiente para sacar como o aluno funciona e como eles podem ficar mais tranquilos sendo professores. Professor não tem que cuidar da depressão do aluno, cuida da aprendizagem do aluno.”
É ainda autora de livros como Frustração – como treinar suas competências emocionais para enfrentar os desafios da vida pessoal e profissional (ed. Benvirá) e A cura do cérebro (Ed. Novo Século).
Confira, a seguir, a entrevista exclusiva.
Como foi seu processo de querer entender o funcionamento do cérebro? Em que momento a educação passou a fazer parte dessa curiosidade?
Com meu AVC, os médicos desacreditaram, mas estou de volta. A gente sabe menos do cérebro do que a gente imagina e tem que acreditar em cada indivíduo, pois é esse vínculo, esse importar com o outro e acreditar que faz a primeira ponte para a superação. Seja uma criança que teve um trauma psicológico, psiquiátrico porque foi vítima de maus-tratos ou criança com distúrbio, dislexia, isso só é uma característica do cérebro e não a impede de nada que ela queira para si, desenvolver e desabrochar; ela só vai ter que encontrar outros caminhos. Essa vivência me fez entender que existem vários caminhos para chegar a um lugar. Existem várias formas de aprendizagem e isso realmente me encantou ainda mais.
Sou educadora de formação, da USP; fui saindo por não encontrar na formação esse lastro. Por que se a aprendizagem acontece no cérebro, como fiz faculdade de educação e não tive uma matéria que falasse como o cérebro aprende? Principal órgão de aprendizagem é o cérebro, e como na pedagogia eu não vou aprender sobre o cérebro?
Antes do AVC já tinha essa curiosidade, queria saber como se processa, desenvolve, amadurece, que regras tem, e no AVC se intensificou.
Por que entender o funcionamento do cérebro pode ajudar no processo de ensino e aprendizagem?
Como eu vou usar um celular se eu não sei para que servem as teclas? Não preciso entender como é a fiação do celular, o processo digital. Mas precisamos saber como manusear, porque senão vou ficar com celular na mão e ele vai virar enfeite. Entender o cérebro no concernente a aprendizagem escolar é muito importante. No meu entender fica quase óbvio. A emoção faz parte da aprendizagem e é importantíssima para o professor.
Pesquisa mostra professores dizendo que o cérebro nada tem a ver com a educação e o aprendizado. E não é crítica aos professores, mas constatação de uma falha de formação. Porque se eu sei que uma criança até os cinco anos precisa de diversidade de estimulação eu não vou, de repente, só trazer para ela o lápis para escrever. Repertório visual precisa ser trabalhado na primeira infância, nós já sabemos disso, o amadurecimento do cérebro tem regra. Se você não permitir que uma criança experimente seu corpo, morda, corra, role, essa criança, muito provavelmente, terá problemas na parte motora física. Porque existe uma ordem do amadurecimento do cérebro. Cérebro amadurece de trás para frente. Primeira coisa que temos que apresentar para a criança é estimulo visual e motor. Aprender o cérebro é a gente validar o caminho mais simples do aprendizado. Aprender é mais simples do que as pessoas estão fazendo. A própria curiosidade, a motivação é que traz o poder da aprendizagem. Aprendizagem é um processo; para acontecer a criança precisa ter curiosidade, movimento. O técnico, método, fica em segundo plano. Óbvio que em crianças com limitação, que não enxergam, privadas de movimentos, vamos ter que ter cuidado extra, diferenciado, com mais estímulos.
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Como estimular a aprender matemática e física? Há algo sendo feito “errado”? Como ensinar melhor?
É preciso envolver o aluno. Se você dá história, o cérebro adora porque compreende mais e consegue imaginar, inferir. Chegar para um aluno e começar a trazer história para ele dentro da física e matemática, colocar para ele o motivo desse assunto, vincula mais o jovem naquele objeto de aprendizagem. Mas se fala: agora vamos aprender equação de segundo grau e pronto; ser humano é humano porque dá sentido, dá símbolo. Temos córtex maior com mais conexões porque a gente atribui significados, símbolos, e a gente precisa usar isso para nós mesmos.
Ensinar melhor é você pensar também como o aluno aprende. Quem é esse aluno. Sou professor, vou ensinar do jeito que aprendi e pronto ou posso buscar alternativas?
O filme Sociedade dos poetas mortos faz crítica bacana e contemporânea do professor que quer ensinar os alunos e o professor que quer ensinar só o que aprendeu. Ensinar significa entender como se aprende, o seu interesse, o que já sabe. Paulo Freire já falava isso, Platão também. Não é novo, mas por que a gente ainda não incorporou?
Qual a importância da neuroplasticidade no desenvolvimento dos alunos?
Neuroplasticidade é um conhecimento que existe há muito tempo e que fala que todo cérebro é capaz de se superar, de se refazer. Existem vários níveis de neuroplasticidade. Importante é saber que nada é estanque. Não posso falar: esse aluno não vai conseguir aprender isso e aquilo. O cérebro dele é plástico e ele sempre pode mais. É muito importante para o desenvolvimento do aluno porque por muito tempo se achava que acontecia só na infância. Claro que na infância é muito mais fácil aprender que na fase adulta, mas a gente pode sim modificar e nos superarmos sempre e isso é importante para a escola, tanto particular como pública. Ano passado fiz um estudo para levar palestra sobre cérebro e aprendizagem socioemocional em todos os estados e tinha professor que dizia que determinado aluno não ia aprender e que ele não se desgastaria com ele porque ele nunca iria aprender. Esse “nunca” a gente precisa tirar, porque ele pode não aprender o que você, professor, quer para ele, mas ele sempre pode mais.
Sabemos que a saúde mental é fundamental para desenvolver bem atividades escolares e pessoais. Como fazer as escolas acolherem esse lado? O que a neurociência fala disso?
Precisa ter campanha, disseminação dessas informações para todas as instâncias: escola, pais, comunidade e políticas públicas. Porque não adianta apenas falar para a escola: saúde mental faz parte do desenvolvimento cognitivo se o pai fala que o filho ainda não aprendeu a ler e escrever. Falta informação para os pais, comunidade, e jornalistas trazerem informações com qualidade.
Famílias, escolas e políticas públicas têm que ter informações corretas de que investir na saúde mental é investir na mente, e a mente o que é? Emoção e cognição.
A criança não aprende se está com medo, em pânico. Se eu não cuidar do medo da criança não vou ajudá-la a aprender. Aprender significa envolver e quando envolvo, crio essa conexão, percebo como esse aluno está. Claro que aí não será o professor que dará conta, terá que ser feito encaminhamento, porque distúrbio de saúde mental é coisa de psiquiatra.
Professor incorpora aspectos emocionais na sala de aula — para ensinar você precisa contar com a emoção. Emoção une tudo e professor para ensinar precisa entender que o estado emocional do aluno conta muito para a eficiência do aprendizado e isso porque somos assim. Quando trago informações sobre o cérebro é legal porque são informações úteis da neurociência.
Hoje há muitos cursos de neurociência e educação que me preocupam porque ensinam coisas da neurociência, mas que são para biólogo e não para professor. Não adianta saber as peças de um celular, tenho que saber para que serve, o que posso usar.
Como lidar com a raiva e ansiedade? Qual o impacto delas em nossa cognição?
Raiva é emoção primária. Se você é ser humano, você processa a raiva. O ser humano tem medo, tristeza, raiva, alegria e desprezo. Todo ser humano tem. Emoções secundárias são deferidas pelo ambiente. Há comunidades que não sentem inveja porque o desenvolvimento dessas emoções primárias não levou ao desenvolvimento da inveja. Frustração e ansiedade não são primárias, são estados emocionais, temos circuito para cada uma. Ansiedade nos move para a frente e frustração para trás. Elas têm muito mais a ver com a noradrenalina e não tanto com as funções do cérebro. Estresse você tem mesmo se seu cérebro não funcionar. Aplicar o PIM (percebo, identifico e manejo) para lidar com as emoções é uma boa saída. Primeiro percebo, depois identifico e aí lido ou manejo. Se a gente tem uma alfabetização emocional, se a gente aprende desde criança a lidar com as emoções, elas passam a ser aliadas, fortalecedoras de todos os processos. Se eu não faço o PIM, aquilo vai ficar dentro de mim e vai atrapalhar o aprendizado, a relação. Lidar com emoções é fundamental.
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