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Crianças com altas habilidades/superdotação (AH/SD) costumam sofrer durante toda a vida com problemas mentais, de relacionamento e um sentimento de não pertencimento pela falta de diagnóstico e atendimento de especialistas e às vezes indiferença dentro das escolas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 5% das […]
Publicado em 18/11/2021
Crianças com altas habilidades/superdotação (AH/SD) costumam sofrer durante toda a vida com problemas mentais, de relacionamento e um sentimento de não pertencimento pela falta de diagnóstico e atendimento de especialistas e às vezes indiferença dentro das escolas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 5% das crianças e adolescentes estão nas salas de aula sem reconhecimento de seus potenciais, sem desfrutarem de seus direitos garantidos na legislação brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 traz quem é esse público e qual o direito do superdotado e sustenta que a criança com altas habilidades/superdotação é público-alvo da educação especial.
Altas habilidades/superdotação é uma habilidade acima da média em alguma área do conhecimento. Um dos aspectos mais marcantes da superdotação relaciona-se ao seu traço de heterogeneidade. Assim, algumas pessoas podem se destacar num setor, ou podem combinar várias áreas, explica Angela Mágda Rodrigues Virgolim, graduada e mestre em psicologia pela Universidade de Brasília e fundadora do Instituto Virgolim para Altas Habilidades e Superdotação.
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“Destituídas de assistência efetiva, essas crianças têm predisposição para o desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, por isso o processo de reconhecimento é fundamental”, alerta Denise Rocha Belfort Arantes-Brero, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD).
O professor é capaz de identificar a superdotação porque está todo dia em contato com o aluno e conhece seu desempenho, estando apto para fazer uma análise comparativa. “Uma professora de matemática é capaz de reconhecer qual aluno se destaca comparado com seus pares etários. E isso é possível para o professor em qualquer disciplina”, afirma Denise Brero, que é também especialista em educação especial para dotados e talentosos pela Universidade Federal de Lavras (UFLA/MG) e doutora em psicologia do desenvolvimento e aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista em Bauru.
Crianças e adolescentes superdotados rompem com a sinergia do ambiente e se destacam, sendo visíveis em sala de aula. Muitas vezes são ignorados por professores que não olham, não escutam e não são sensíveis a isso, esclarece Olzeni Ribeiro, consultora da Unesco e do Ministério da Educação na criação de cursos na área de altas habilidades/superdotação, além de doutora em educação, neuropsicopedagoga clínica e institucional e especialista em altas habilidades/superdotação.
“Quando peço aos pais para descreverem seus filhos superdotados, a palavra sensível aparece com mais frequência. E a sensibilidade assume muitas formas: os sentimentos são facilmente magoados, são compassivos com os outros, tornam-se intensamente protetores e se comovem até às lágrimas, chegando a crises de choro compulsivo. Eles ‘sentem os sentimentos’ dos outros, respondem às críticas de forma intensa e às vezes reagem a estímulos do ambiente como luz, ruído, texturas, poluição do ar e determinados alimentos. O perfeccionismo e a intensidade também surgem com frequência nas descrições dos pais”, descreve Olzeni.
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“O que precisa ser desmistificado é que a alta habilidade/superdotação não está somente relacionada com o Quociente de Inteligência (QI). O que pesa mais é a história de vida, o que a criança faz, seu desempenho, mais do que a pontuação do QI”, determina Denise Brero.
Segundo Denise, muitos professores têm receio do aluno superdotado. Sentem-se desafiados. Para a especialista a criança superdotada questiona mais, traz novidades e se interessa por um conteúdo mais aprofundado. Ela expressa que esses alunos enriquecem a turma e cita o médico Joseph Salvatore Renzulli, um dos maiores especialistas na educação de superdotados: “Uma maré crescente leva todos os navios. Mas os superdotados têm que ser olhados na sua individualidade e receber alguma atenção especial para continuarem a florescer, e encorajados a desenvolver os seus potenciais. Devem se sentir pertencentes, autorrealizados e para que sejam produtores de conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade”.
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Quando há diagnóstico de superdotação, pais e professores devem estar atentos se aparecerem sintomas como desmotivação, vontade de faltar às aulas, dor de barriga e de cabeça, falta de envolvimento e de interesse, tristeza. Ao longo da vida, em alguns momentos, o superdotado precisará de um acompanhamento psicológico para lidar com estas questões – se aparecerem.
“Como você quer que na escola seu filho seja aceito, entendido e trabalhado se no curso de formação não se fala em altas habilidades/superdotação?”, reforça Angela Virgolim, Ph.D. em psicologia educacional pela University of Connecticut (Uconn) nos EUA, e especialista em psicologia da superdotação pelo National Research Center on Gifted and Talented.
Essas crianças têm direito a dois tipos de estratégias específicas dentro da escola: o enriquecimento curricular ou a aceleração de estudos. Cada caso é avaliado para definir que estratégia beneficiará mais a criança. O desejo da criança deve ser respeitado e todo o processo acompanhado, pois se trata de uma mudança abrupta. Em muitos casos a aceleração de estudos (pular a série) é positiva, a criança se sente motivada.
O superdotado que vai bem na escola é chamado de superdotado acadêmico, cujo conhecimento é devorar leituras, escrever muito bem, e a escola adora pois ele não gera demandas, mas é muito prejudicado porque a escola bloqueia o desenvolvimento. “Toda escola no Brasil estabelece um teto de aprendizagem, o que prejudica o superdotado”, aponta Olzeni Ribeiro, autora do livro Criatividade em uma perspectiva transdisciplinar: rompendo crenças, mitos e concepções, publicado com a chancela da Unesco.
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Crianças superdotadas são, por natureza, mais sensíveis. Reagem com mais força e expressão a um ambiente no qual suas habilidades não são percebidas e suas necessidades não atendidas. Podem ter um comportamento social inadequado, revelando hostilidade e agressão com relação aos outros (pais, professores, figuras de autoridade) ou se entregando a atos de delinquência social.
“Temos um número imenso de superdotados sendo tratados com remédios, que diminuem a energia, a cognição e a intelectualidade da criança. O remédio é um freio para sua inteligência, e sua intelectualidade é destruída” revela Olzeni, pedagoga, há 30 anos atuando na área da educação com altas habilidades/superdotação e outras condições especiais.
Olzeni alerta: “se um pai e uma mãe levarem essa questão da superdotação para a escola, pelo amor de Deus, não digam que esses pais são vaidosos. A superdotação é genética, não é fabricada. Se não for diagnosticada e devidamente trabalhada esse adulto precisará de terapia, se não chegar ao suicídio”. Crianças com altas habilidades são um precioso recurso nacional que precisa ser protegido, nutrido e desenvolvido.
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