NOTÍCIA
Sou filha caçula do escritor e educador Rubem Alves, que nos deixou como parte do seu legado a sabedoria de que um educador não morre jamais. Não morre porque continua a viver naqueles que foram tocados pela magia das suas palavras, do seu olhar e da […]
Publicado em 10/02/2022
Sou filha caçula do escritor e educador Rubem Alves, que nos deixou como parte do seu legado a sabedoria de que um educador não morre jamais. Não morre porque continua a viver naqueles que foram tocados pela magia das suas palavras, do seu olhar e da forma de compreender a vida que lhes foi apresentada.
Depois de adulta passei a pensar sobre o que fez meu pai ser um educador tão querido. Suas aulas eram abarrotadas de alunos e de curiosos não matriculados. Não era raro ter gente sentada no chão, por não haver espaço suficiente e o silêncio e a organização eram absolutos. Como ele conseguiu essa proeza? Acredito que a maioria dos educadores gostaria de ser assim.
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Leia: Coluna José Pacheco – Lauro de Oliveira Lima tinha um sonho, integrar escola e comunidade
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Uma amiga que foi aluna do meu pai me relatou que certa vez ele interrompeu a aula e convidou todos a irem para a janela assistir ao pôr do sol que estava bonito. Teve também outra situação em que ele fez todo mundo arrastar as cadeiras e sentar no chão em roda, falando sobre a vida…
Haviam duas alunas um tanto rebeldes, e bastou esse momento de fala e de escuta para que ele entendesse a razão do comportamento dissonante das moças…
De uma coisa tenho certeza: ele nunca se escondeu ou se protegeu atrás do seu título de docente PhD, se permitindo ser humano antes de qualquer outra coisa.
Se estou escrevendo aqui e minhas palavras chegam até vocês, é porque as escrevo com o pensamento e um bocadinho de conhecimento para se construir um bom texto. Mas se, esse texto tocar o coração de vocês de alguma forma, é porque minhas palavras estão saindo do meu coração. É uma questão de linguagem…
“Nenhum educador conquista um aluno com apostilas“
Conquistamos pessoas sendo humanos, sensíveis e sem medo dos sentimentos.
Meu pai costumava dizer em suas palestras que para ser um educador não deveria bastar entrar no curso de pedagogia. Educar é um dom, e para isso deveriam haver testes de aptidão.
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Leia: O sol vai voltar amanhã
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Sentir pode doer, e muito. Enquanto educadores, isso se potencializa. São várias pessoas convivendo em sala de aula diariamente e fazer de conta que emoções e sentimentos não ocupam o ambiente junto com brincadeiras, cadernos e notebooks é como fazer de conta que somos capazes de deixar todas nossas preocupações, angústias e vitórias fora de nós quando estamos trabalhando.
Meu pai não tinha medo de sentir, e sabia com destreza que pessoas com sentimentos bagunçados demais não conseguem prestar atenção em aula alguma. Às vezes basta uma palavra acolhedora ou um olhar manso.
“Com serenidade e um fio de cabelo arrastamos um elefante” diz um daqueles provérbios que lemos na internet. Sábio e verdadeiro. Só precisamos da serenidade e da consciência do fio de cabelo, atributos humanos que apostila nenhuma é capaz de traduzia.
Somos iguais enquanto cidadãos, mas somos totalmente diferentes uns dos outros. Cada um de nós carrega sua história, cultura, fisiologia, afetos e sonhos. Porque uns gostam de olhar para as estrelas e pensar sobre o mistério do espaço infinito e outros gostam de fazer esportes? Porque uns tem deficiências e outros não? Os porquês não são problema… A questão é que somos todos um conjunto chamado sociedade e como podemos tratar como iguais os seres humanos, que por sua essência e excelência, são uns diferentes dos outros? E como podemos nos reconhecer e nos amar nos entendendo como únicos?
Educador é aquela pessoa que olha para a vida e aponta o dedo dizendo: “olha que lindo! Vai lá, usufrua!”. Para isso é preciso carregar e compreender a beleza da essência humana.
Todas as coisas boas que a tecnologia e a medicina nos trouxeram começaram com um sentimento bom: o desejo de descobrir algo para melhorar a condição de vida humana. Cegos só usam celulares e computadores por conta da tecnologia com acessibilidade. Mas essa tecnologia nasceu do desejo de alguém que queria ajudar um cego. Assim nasceram as vacinas, os temperos da culinária, a internet, o cimento e as telhas, e assim por diante. Pessoas más constroem coisas ruins. As boas constroem coisas boas. Tudo começa na convivência e no desejo de conviver.
Escolas são nossa primeira e maior referência de convivência e todos os que nos educaram foram como espelhos, diante dos quais refletíamos o desejo de sermos parecidos ou não. Como dizia Jung, “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”.
Essa é a grande graça de viver e de educar.
*Raquel Alves é filha do educador Rubem Alves, foi presidente do Instituto Rubem Alves. É escritora, palestrante e fundadora da Arquitetura do Sensível
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