NOTÍCIA

Arte e Cultura

Linguagens do hip-hop como didáticas de letramentos

Por Fábio Roberto Ferreira Barreto*: A palavra hip-hop, em sua origem  etimológica,  se forma a partir da combinação de dois termos: saltar (hip) e mexer os quadris (hop). Em sua fundamentação epistemológica, quatro fundamentais elementos compõem o hip-hop: dança, MC, rap e graffiti. A dança […]

Publicado em 28/04/2022

por Redação revista Educação

Por Fábio Roberto Ferreira Barreto*: A palavra hip-hop, em sua origem  etimológica,  se forma a partir da combinação de dois termos: saltar (hip) e mexer os quadris (hop).

Em sua fundamentação epistemológica, quatro fundamentais elementos compõem o hip-hop: dança, MC, rap e graffiti.

A dança – que também dá origem ao termo – é performatizada por b-boys e b-girls (meninos e meninas que praticam o break) por meio das expressões corporais.

O MC (abreviatura de mestre cerimônia) é vinculado ao uso da palavra e, mais especificamente, ao rap (forma reduzida de rhythm and poetry, que em português é pitmo e poesia), que canta seus sentimentos.


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O DJ (abreviação de disc jockey) também promove a parte musical, selecionando discos e músicas, bem como fazendo mixagens.

O graffiti, que representa a expressão por meio das artes visuais nos espaços urbanos, visa a deixar marcas pessoais de seus autores, por meio de registros pessoais e protestos diversos.

@kelly_neriah na 12ª Mostra Cultural da Cooperifa na escola EE Marcia Aparecida da Silva Faria Ries (foto: @ricardotvaz2)

Proposta construtiva a um mundo destrutivo

Oriundo dos guetos de Nova Iorque, por volta dos anos de 1970, para diferentes áreas do mundo, o hip-hop é um movimento cultural associado à expressão das vozes excluídas e emerge como manifestação cultural em prol da união dos excluídos, que disputavam de forma violenta os espaços urbanos mais afastados dos grandes centros.

Os conflitos resolvidos à base da agressão e das armas passaram a ser decididos por meio de batalhas de rima, de dança, de grafitagem, de discotecagem. O movimento instaura uma convivência harmoniosa  e a consciência de que os problemas não eram de indivíduo contra indivíduo, mas de oprimidos contra opressores.

Das áreas mais vulneráveis das grandes cidades estadunidenses, a filosofia do hip-hop se expande para outros lugares do mundo.


Leia: Do Saara à Cracolândia




        Outros elementos       Há outros elementos no hip-hop dos quais destaco dois: 
                                I)O Conhecimento, associado à consciência que se forma a partir das leituras de mundo, de livros, das linguagens do hip-hop, etc. Podemos simbolizar, aqui, a perspectiva do elemento ‘conhecimento’, na figura de Jéssica Balbino, autora de diversos livros, dentre os quais Traficando conhecimento, em que trata do movimento hip-hop em Poços de Caldas, cidade interiorana de Minas Gerais. Também pode representar o trabalho de Toni C, que é escritor, documentarista e idealizador do projeto Hip-Hop a Lápis, na grande São Paulo.     
  
II) O beat box (caixa de batida), que se relaciona à produção de sons variados (bateria, mixagem, etc.), utilizando-se apenas do aparelho fonador (boca, nariz, etc.). Fernandinho Beat Box é um dos nomes mais expressivos do Brasil. Sugiro esse vídeo curto para conhecer melhor: https://www.youtube.com/watch?v=APEmsCFOCG0


O hip-hop no Brasil

No Brasil, nos de 1970, principia nas grandes capitais, consolidando-se nos anos de 1980 e 1990, entre jovens periféricos, primeiramente, ganhando outras classes sociais.

É a partir do elemento dança, na região central da cidade de São Paulo que o hip-hop se desenvolve, ganhando adeptos e novos contornos. Inclusive, o hip-hop encontra no Brasil elementos muito particulares. A capoeira, por exemplo, se mistura com o “break”. O repente, por sua vez, fazia parte da cultura brasileira quando o rap chegou.  A diversidade musical brasileira influencia a produção dos DJs. As arte visual do país, decerto, influenciou os grafiteiros em suas experiências estéticas. 



         Racionais MCs, Gabriel Pensador e Fábio Brazza: o rap transitando emtre classes    
Grupo de maior projeção do rap nacional, o Racionais MCs (“o” mesmo e não “os”) ratifica a ideia de que o  estilo musical (e, por conseguinte, o movimento hip-hop) se inicia entre os marginalizados e, por causa de sua expressividade, ganha ouvidos, mentes e corações de pessoas de todas as classes do Brasil.      Em Negro drama, um dos clássicos do rap nacional, a voz poética ironiza a burguesia:
“Problema com escola eu tenho mil, mil fita/
Inacreditável, mas seu filho me imita/
No meio de vocês ele é o mais esperto/
Ginga e fala gíria; gíria não, dialeto/ Esse não é mais seu, oh, subiu/
Entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu
”  

Gabriel Pensador e Fábio Brazza pertencem à classe média e, seduzidos pelo universo hip-hop, tornam-se expoentes do rap. Saliente-se que ambos tiveram ambientes de letramentos favoráveis  ao gosto pelas leitura (Pensador, filho de jornalista; Brazza, neto do poeta concreto Ronaldo Azeredo).  Apesar de recomendar Pensador e Brazza, sugiro o vídeo do coral da USP cantando Negro Drama (isto é, o rap “tomou” até o universo da música clássica : https://www.youtube.com/watch?v=LN5Bu5B5OoY  


Ensinamentos do hip-hop nas didáticas escolares

O hip-hop se insere nos sistemas educacionais desde o início dos anos 90. A prefeitura de São Paulo, de modo pioneiro, criou o projeto Rapensando a educação.

No município paulistano, em 2022 foi realizada a 22a Edição do Mês do Hip-Hop (realizada pelas Secretarias de Cultura, de Direitos Humanos e de Educação).

Pelo Brasil, não são poucas as iniciativas educacionais que têm o hip-hop como protagonista. São numerosas – e, ao mesmo tempo, potentes – as experiências pelo país com o movimento.



BNCC –  Além de amplas referências ao potencial pedagógico do hip-hop na escola, é possível encontrar subsídio na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) no que tange ao trabalho com as linguagens atinentes ao movimento, tais como a dança, a produção de comentários sobre canções, de vídeos, de artes visuais, interpretar poemas, participar de eventos (saraus, competições orais [batalhas de rima, por exemplo]).


Das ruas pra escola

A EMEF Jardim Mitsutani I – Jornalista Paulo Patarra (da rede municipal de São Paulo), localizada na zona sul da capital paulistana levou as ruas para as salas de aulas. Os educadores da unidade escolar colocaram em prática o  projeto Das ruas pra escola: as linguagens do hip-hop como didáticas de letramentos

A proposta pedagógica visa a desenvolver e/ou ampliar as habilidades e as competências  leitora e escritora dos educandos  dos sétimos e dos oitavos anos da escola a partir dos diálogos entre a cultura hip-hop e a o Currículo da Cidade (de qual constam as orientações curriculares da rede de ensino do município da escola).



        O Hip-Hop e o Nobel da Paz  
Afrika Bambaataa foi indicado ao Nobel da Paz em 2010 por causa do seu trabalho com o hip-hop. O estadunidense Bambaataa foi quem estabeleceu a base da filosofia do hip-hop. É por essa razão reconhecido em todo o mundo como o pai da cultura hip-hop. Mas a história do movimento deve muito a DJ Koll Herc (nome artístico do jamaicano Clive Campbell).  Foi o jamaicano quem levou caixas de som às ruas no bairro  do Bronx, gueto nova-iorquino, para promover festas em lugar de brigas.



Leia: Educação e arte: mulheres contemporâneas para a sala de aula


O contexto como pretexto

Inserida em um bairro conhecido popularmente como “mutirão”, a EMEF Jardim Mitsutani I – Jornalista Paulo Patarra surgiu da luta de pessoas engajadas e compromissadas com a transformação social e com a promoção humana.

 Essa reminiscência foi relevante para na seleção de propostas e elaboração de intervenções pedagógicas não dissociassem as práticas de ensino da escola de sua cultura local.

Na diversidade cultural do território a que pertence a EMEF, a cultura hip-hop está bastante inserida. Além de contemplar a realidade local, um projeto a partir do  hip-hop vislumbrou-se pertinente aos fins didáticos do último ciclo da escola.

Beco do Batman: uma das etapas

A ida ao Beco do Batman consiste em uma das etapas.  As turmas dos sétimos anos A e B visitaram o famoso ponto de graffiti da Vila Madalena em 30 de março; no dia 31 do mesmo mês, foi a vez dos educandos do sétimo C e do oitavo A. Em 14 de abril, encerrando-se essa etapa, chegou a vez dos discentes dos oitavos Anos B e C.



Hayara Alves é rapper. Faz parte de uma linhagem de mulheres que se dedicam à produção e performatização de suas produções autorais. Dina Di (falecida), Tati Botelho, MC Soffia são apenas alguns  dos outros nomes expressivos. Escute “Fora do padrão”, composta por Hayara quando tinha 13 anos: https://youtu.be/nNIncIpVknc. Ainda é possível incluir artistas trans nessa lista, como a Linn da Quebrada, que participou da última edição do Big Brother.


Etapas anteriores

Mas antes de ir ao trabalho de campo, houve intervenções pedagógicas relevantes. Nas últimas semanas de fevereiro, os RAPs “Ismália”, de Emicida, e “Fora de padrão”, de Hayara Alves, bem como o FUNK “Rap do Silva”, de MC Marcinho (interpretada pelo Mc Bob Rum) em músicas, vídeos e saraus, bem como a reportagem “Museu a céu aberto” (Qualé, ed. 41, p.7-9) foram desenvolvidas para ativar conhecimentos prévios dos estudantes acerca do hip-hop, especialmente nos gêneros rap e graffiti.

No decorrer de março, aprofundou-se o trabalho, especialmente com as linguagens do graffiti e do rap. Nesse período, os gêneros notícia e carta do leitor também foram objetos de ensino e aprendizagem; inclusive, as cartas dos leitores dos educandos dos oitavos anos A  e B foram publicadas na Edição 45 da revista Qualé.



O pai e a mãe do Hip-Hop no Brasil     
No princípio foi a dança, depois vieram os outros elementos do hip-hop. O dançarino Nélson Triunfo é considerado por muitos o pioneiro do hip-hop no Brasil. No final dos anos de 1970, Nelsão (como Triunfo também é conhecido) ligava um gravador  dançava na Rua 24 de Maio (região central de São Paulo).  Um pouco depois, já no início dos anos de 1980, o Metrô São Bento virou ponto de encontro de muitos outros praticantes de break em São Paulo. E, depois ainda, de adeptos do Hip-Hop de todo o território brasileiro, que passaram a se encontrar ali: não apenas dançarinos de outros estados, mas, também,  MCs, DJs e Grafiteiros.   A dança, portanto, foi a mãe do  hip-hop no país (e Néslon Triunfo, o pai).        
Na São Bento, inclusive, a dupla Thaide e DJ Hum, uma da pioneiras do rap nacional, surgiram ali; primeiro dançando, depois se firmando nos elementos MC e DJ. Os Gêmeos, expressivos representantes do graffiti começaram ali dançando, também; antes de se projetarem como artistas visuais, arriscaram-se os irmãos a compor umas rimas. Uma dica preciosa é o vídeo  Break Dance Brasil Metrô São Bento Parte 1 (de 10minutos aproximadamente):  https://www.youtube.com/watch?v=JgPR9nYLDDw


Próximos passos

Ainda em abril, os estudantes fizeram uma visitação virtual à exposição Segredos, dos grafiteiros OsGêmeos.  Entre o final de abril e o começo de maio, os estudantes irão ao Graffiti Contra a Enchente.

Em maio, a EMEF receberá a visita do arte-educador WELD, que também é um grafiteiro importante da região. Na ocasião, além de um bate-papo, será realizada uma oficina e, na sequência, uma intervenção com estudantes do colégio na própria escola.

Obviamente, o projeto terá o desenvolvimento, a partir deste mês, de raps. E, ainda neste semestre, o elemento dança será inserido nas aulas.

Para quem se interessar mais por rap, pesquise sobre Batalhas de Rima (muito presentes nas periferias de grandes cidades, como São Paulo). Também é interessante ir (ou acessar vídeos de performances de rappers) no Sarau da Cooperifa, no qual a literatura periférica e o rap convivem em irmandade.

Por fim, o programa “Balanço Rap”, líder de audiência aos domingos, na rádio 105 FM (São Paulo), sob o comando de Ice Blue (um dos membros do Racionais MCs).



OSGEMEOS: nome artístico de Otávio e Gustavo Pandolfo, dois dos mais expressivos representantes do Graffiti no Brasil e, também, no mundo. Para conhecer mais sobre essa dupla, é interessante visitar a exposição virtual Segredos, na Pinacoteca de São Paulo: https://www.360up.com.br/tourvirtual/osgemeos/.  
Do rico acervo que a Pinacoteca organizou sobre OSGEMEOS, consta a Série Documental Segredos, com quatro episódios. Ainda que seja sob o viés dessa famosa dupla, o primeiro deles é bastante produtivo para quem quer conhecer mais sobre o Hip-Hop em São Paulo e, também, no Brasil: https://youtu.be/BgQTG2l5oSw  


*Fábio Roberto Ferreira Barreto é professor da rede municipal de São Paulo e mestre em literatura pela USP

Escute nosso podcast:

Autor

Redação revista Educação


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