NOTÍCIA
Aplicativos e plataformas online foram em grande parte responsáveis por mitigar as perdas de aprendizagem durante a pandemia. Sem esses instrumentos, a situação seria ainda pior. A crise sanitária trouxe para a escola uma aceleração do uso desse tipo de aplicação que pode encurtar distâncias, […]
Publicado em 08/07/2022
Aplicativos e plataformas online foram em grande parte responsáveis por mitigar as perdas de aprendizagem durante a pandemia. Sem esses instrumentos, a situação seria ainda pior. A crise sanitária trouxe para a escola uma aceleração do uso desse tipo de aplicação que pode encurtar distâncias, facilitar as relações entre escola e comunidade, auxiliar diretamente na aprendizagem ou então organizar agendas, estudos ou fluxos de trabalho.
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Entre educadores, pais e estudantes há quem veja esse cenário como um copo meio cheio, outros como meio vazio. A diversidade de opiniões não poderia ser diferente diante das variáveis presentes na realidade desigual do Brasil, tais como qualidade de conexão, disponibilidade de aparelhagem, projetos pedagógicos e níveis de fluência digital. Assim, as experiências foram as mais diversas possíveis dentro da realidade de um ensino remoto emergencial e, posteriormente, nos projetos mais estruturados.
O que chama a atenção é que o debate público, muitas vezes de natureza instrumentalista como tem ocorrido na mídia, tem ocultado pontos importantes sobre o uso de plataformas online. O combustível que torna possível a personalização do ensino via plataformas, a segmentação das buscas por temas, a análise preditiva ou de tendência de determinadas áreas de ensino são menos os bits, e mais os dados dos usuários.
A pesquisa TIC Educação 2020, organizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), apontou que o uso massivo dessas tecnologias fez aumentar significativamente o uso de dados de crianças, adolescentes e jovens.
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Para aprofundar a delicadeza do tema, um relatório recém-lançado da Human Rights Watch, que analisou a realidade de centenas de países em 2021, apresentou um resultado contundente: dos 164 produtos de educação digital analisados, 89% estavam envolvidos em práticas de dados que colocam os direitos das crianças em risco, contribuem para prejudicá-los ou violam ativamente esses direitos. Estes produtos monitoravam ou tinham capacidade para monitorar as crianças, na maioria dos casos secretamente e sem o consentimento das crianças ou dos seus pais, em muitos casos recolhendo dados sobre quem são, onde estão, o que fazem na sala de aula, quem são a sua família e amigos, e que tipo de dispositivo suas famílias poderiam pagar para eles usarem.
No caso do Brasil, dentre muitos produtos estão aqueles das gigantes Google e Facebook e alguns menores, utilizados, por exemplo, pelos alunos da Secretaria de Educação do Estado de S. Paulo.
É importante lembrar que, legalmente, há proteções suficientes para a privacidade dos dados tidos como “sensíveis”. A Convenção Internacional dos Direito da Criança (1989), o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), de 1990, e a mais recente a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), de 2018, inspirada no modelo europeu, são alguns dos mecanismos disponíveis. Mas fiscalizar se estão sendo seguidos à risca é um outro assunto, como prova a investigação da HRW, que também constatou que dados eram vendidos a terceiros com finalidades comerciais.
Há duas questões básicas que precisam ser esclarecidas para que o debate ganhe profundidade. A primeira é: por que devemos nos preocupar tanto assim com nossos dados? E a segunda: se eu não digitei nenhuma informação minha em determinado site, então não devo me preocupar?
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Em primeiro lugar, dados pessoais, dizem alguns autores, são o “petróleo” da contemporaneidade. São caros e muito visados para prever comportamentos políticos, sociais e de consumo por algoritmos de inteligência artificial. A IA, como é chamada, só foi se desenvolver mais amplamente entre 2006 e 2012 com a ampliação da banda da internet e o maior acúmulo de dados disponíveis. Em outras palavras, além de deixar os usuários em vulnerabilidade (um ponto de atenção à adolescência), o uso de dados pessoais sem a autorização prévia é como vender algo de propriedade de alguém sem remunerá-lo por isso. Vale lembrar que pagamos os serviços ditos “gratuitos” na internet, como os de e-mail, com nossos dados.
O segundo ponto é a compreensão do que são dados. Com a possibilidade de digitalização de imagens e filmes, dados não se resumem apenas a informações em letras ou números. Pelo contrário: fotos, filmes, rotas de navegação na internet, comportamento de usuários durante videochamadas, tempo gasto em determinada página, filmes, sons, cliques, geolocalização de celular. Tudo isso são dados úteis para sistemas de inteligência artificial. Dessa maneira, a maioria dos dados que deixamos em nossa navegação são involuntários, ou seja, não realizamos nenhuma ação ativa para isso, como digitá-los no teclado.
Na linha do horizonte, a pergunta que fica é: para determinada finalidade, vale a pena eu deixar meus dados no caminho? Essa equação é vantajosa para mim? Na prática, é imprescindível a leitura dos herméticos e pouco simpáticos “termos de adesão” de sites e aplicativos, pois eles são obrigados, segundo a LGPD, a esclarecer como utilizam os dados dos usuários. No caso de menores de 18 anos, os responsáveis devem autorizar esse uso.
A questão do uso de dados é ainda incipiente no debate das políticas públicas, mas é urgente que gestores abram os olhos mais atentamente. O Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil (PL 21/20) que tramita no Senado, não contribui para a causa, pela superficialidade e equívocos.
A escola, por sua vez, deve atentar que não há pensamento crítico sem que a questão da IA e do uso de dados pessoais seja debatida com os estudantes; inclusive com a escuta ativa por parte dos adultos. O importante é tratarmos nossos dados pessoais com o devido respeito; como nossa propriedade.
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