NOTÍCIA
O Grupo Kayatibu é um coletivo de jovens indígenas multimídia que fortalece a cultura de seu povo, os Huni Kuin, ao mesmo tempo que reivindica igualdade de gênero. Foi lançado oficialmente em 2014, no coração da Floresta Amazônica, em um dos municípios mais isolados do […]
Publicado em 12/08/2022
O Grupo Kayatibu é um coletivo de jovens indígenas multimídia que fortalece a cultura de seu povo, os Huni Kuin, ao mesmo tempo que reivindica igualdade de gênero. Foi lançado oficialmente em 2014, no coração da Floresta Amazônica, em um dos municípios mais isolados do Acre, o Jordão. As atividades desses jovens para alcançar seus objetivos ocorrem, principalmente, pela música, com letras ancestrais em português e na língua do povo Huni Kuin, o hatxa huin, e cujo repertório tem alinhamento com os rezos do nixi pae (ayahuasca), dança tradicional, pinturas que dialogam com suas histórias de origem, como seres sagrados, e palestras no Brasil e mais recentemente na Europa.
O Grupo Kayatibu é o homenageado do dia 17 de agosto do Grande Encontro da Educação, um dos principais eventos do país voltado a profissionais da educação e que tem como organizadores a Plataforma Educação e a Plataforma Ensino Superior. Parte do grupo estará presente no evento.
Leia: Educação indígena: escola viva ainda está longe de ser alcançada
Rita Huni Kuin tem 28 anos e é uma das fundadoras do Kayatibu. Mora entre a cidade do Jordão e sua aldeia de nascença, Chico Curumim. Se apresenta como aprendiz da floresta e artista plástica tradicional e é formada em pedagogia. Entre seus trabalhos como artista, um dos mais recentes é a pintura que fez em um pufe de 15 metros em formato de jiboia para o Museu das Culturas Indígenas, inaugurado na capital paulista em julho deste ano.
Ela conta que de início o Grupo Kayatibu era composto só por meninas Huni Kuin, entra elas sua irmã Yaka Huni Kuin, que continua no grupo, e que queriam fazer pesquisas ancestrais para a preservação, por exemplo, de objetivos tradicionais com risco de sumirem por conta de não terem mais o costume de uso. Hoje, o forte é a música e há meninos no grupo. A integrante mais nova é sua filha de dois anos, que já toca tambor, e a mais velha tem 35 anos. O grupo de jovens indígenas possui cerca de 10 integrantes, mas já chegou a ter 35 pessoas de diferentes aldeias.
“A gente trouxe visibilidade para a juventude. O Kayatibu serviu e serve de exemplo, somos inspiração para outros jovens. De início, os mais velhos não acreditaram em nossa capacidade, mas hoje isso vem mudando”, conta Rita.
Os Huni Kuin (e outros povos) foram escravos dos patrões da borracha até 1970/1980, no Acre. Desde então veem retomando seus direitos, voz e espaço. O marco é tão forte que os Huni Kuin denominam os tempos atuais como xinã bena (o novo tempo). Rita exemplifica: “é o tempo da retomada da cultura”.
Leia: Diretora escolar atua pelo respeito à diversidade
No município do Jordão, as aldeias dos Huni Kuin ficam entre o rio Jordão e o rio Tarauacá. Quando vão à cidade, os indígenas costumam sofrer preconceito, prática comum não só no Jordão, mas em todo o país. Um dos problemas na “integração” aldeia e cidade é a presença do álcool, em muitos casos, afastando alguns indígenas de sua cultura tradicional. Daí a importância de iniciativas como a do Grupo Kayatibu, que tem sede própria na cidade, possível por conta de um projeto aprovado no Rumos Itaú Cultural. Ou seja, a sede do Kayatibu se tornou um ponto de encontro entre jovens, mas também para os mais velhos, de fortalecimento da cultura na cidade e o que é discutido e aprendido ali é expandido naturalmente para as aldeias.
Não só pelas iniciativas do Kayatibu, mas pelos posicionamentos de outras lideranças e dialogando com o tempo do xinã bena, hoje é comum encontrar pelas aldeias do Acre e Brasil afora grupo de jovens artistas indígenas que cantam na língua tradicional e usam com orgulho suas vestimentas tradicionais, sem contar as pinturas de jenipapo, cujas geometrias, chamadas de kenes, foram ensinadas, contam, pela jiboia.
Sobre a igualdade de gênero, Rita afirma que seu povo tem uma herança machista.
“Eu e minha irmã somos uma das poucas mulheres que fazemos trabalhos com os homens e conseguimos isso aos poucos. Para muitos o lugar da mulher ainda é cuidando da casa, mas para nós não é. Ritual de ayahuasca, por exemplo, não era comum ter mulheres, hoje estamos começando a tomar a frente também.”
Entre os motivos para essa “maior aceitação” da presença da mulher onde ela quiser, ocorre, segundo Rita, devido a um maior contato entre indígenas e não indígenas parceiros dos povos da floresta.
“Para os mais velhos, música, tocar violão, não é da cultura da mulher. Mas no mundo que hoje vivemos a mulher tem direito seja indígena ou não, e encaramos esse desafio – embora nem todos nos apoiem, incluindo mulheres. Cavamos, desvendamos e estamos descobrindo novas coisas e descobrindo a nós mesmas. Nossos pais e avós fizeram a gente acreditar que não tínhamos capacidade de exercer atividades que eram, ou ainda são, vistas como só do homem.”
A força e o respeito do Grupo Kayatibu entre seu povo e os não indígenas pôde ser vista em uma das maiores enchentes do Jordão, ocorrida no início de 2022. Casas nas aldeias e cidades foram completamente cobertas por água e muitas aldeias perderam os alimentos de seus roçados. A sede do Kayatibu foi ponto de distribuição de alimentos e ferramentas básicas, vindas por meio de doações do Brasil e exterior.
“Meu professor é a floresta. Na floresta, quanto mais você busca, mais descobre. Minha inspiração é a natureza e as medicinas, ervas medicinais, nossos cantos, nossa cultura, idioma, que são a força do nosso ancestral. Tudo isso me ensina e também temos os professores formados pela floresta como meu pai [Ibã Sales Huni Kuin], que é um pesquisador muito forte e que pesquisou com o pai dele, e o pai dele com o pai. E eu estou aprendendo”, desvenda Rita.
Leia: “Escrevem sobre os indígenas desde 1500, só que muitos não têm noção do que é um povo indígena”
Rita sempre gostou de pintar só que pareceria que algo a impedia. Conta que aos 12 anos já ‘rabiscava’ alguma coisa e quando seu pai começou a pintar – em 2016, Ibã foi indicado ao prêmio Pipa – se tornou uma de suas maiores inspiração. Yaka, sua irmã, e seu ex-cunhado Isaka também a inspiram nas pinturas.
“Gosto muito da floresta e a principal pintura que gosto de fazer é a do mito do surgimento da ayahuasca. A ayahuasca é o grande professor da floresta, onde tiramos dúvidas, aprendemos e seguimos. É a nossa inspiração para a vida. É o próprio pajé”, revela Rita Huni Kuin.
Um dos sonhos dos jovens indígenas do Grupo Kayatibu é a construção de um museu, ainda que pequeno, dos saberes e da cultura Huni Kuin na cidade do Jordão. Mas Rita conta que não há a apoio das autoridades locais para essa ou outra qualquer iniciativa. Além disso, segundo ela, no Jordao não há espaços culturais. “O museu é para manter a nossa cultura viva, contando história. É para buscar o passado e fortalecer a cultura atual para mais à frente a futura geração poder aprender e dar continuidade à nossa ancestralidade”, explica.
A ideia do museu é também dialogar com a educação. “Há várias escolas que não sabem da cultura indígena. Até mesmo no Jordão, que é cidade pequena e onde vivemos, não conhecem”, finaliza.
Rita Huni Kuin estará representando o Grupo Kayatibu na homenagem aos jovens indígenas que acontecerá em 17 de agosto, no painel das 9h10, do Grande Encontro da Educação, que chega à oitava edição. Promovido pela Plataforma Educação e Plataforma Ensino Superior, o evento ocorrerá de 16 a 19 de agosto, de forma híbrida e com inscrições gratuitas. O encontro será híbrido nos dias 16 e 17 de agosto e somente online nos dias 18 e 19. Mais de 50 palestrantes estão confirmados.
Onde: Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado no campus Cidade Universitária da USP.
Inscrições gratuitas: https://grandeencontrodaeducacao.com.br/ .
Assista o videoalbum Ni Ishanai – Floresta Futuro, realizado na sede do Kayatibu, no Jordão: