NOTÍCIA
Quando foi lançado, no primeiro semestre de 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, surgiu aliando dois fatores de suma importância para a gestão educacional pública. Representava, então, um balizamento para se atingir uma educação de qualidade, equiparável à dos países desenvolvidos. […]
Publicado em 28/11/2022
Quando foi lançado, no primeiro semestre de 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, surgiu aliando dois fatores de suma importância para a gestão educacional pública. Representava, então, um balizamento para se atingir uma educação de qualidade, equiparável à dos países desenvolvidos. Para isso, foi estabelecida uma meta de que todos na educação básica – redes estaduais, municipais, federais e escolas alcançassem no mínimo 6 no Ideb, uma nota composta pelo resultado de avaliações de larga escala, multiplicado pelo índice de aprovação das redes e escolas. Ou seja, uma escola que tivesse média 6 na prova e 80% de aprovação, teria Ideb de 4,8%.
Hoje, 15 anos depois de o ministro da época, Fernando Haddad (PT), tornar público o indicador que era o carro-chefe do Plano de Desenvolvimento da Educação, gestores e especialistas em avaliação discutem quais ajustes devem ser feitos no índice e na avaliação que gera as notas para sua composição. Ambos podem ter problemas ou imperfeições, mas o certo é que a educação brasileira ficou aquém do almejado para o ano do Bicentenário da Independência do país. Na média, o ensino médio brasileiro obteve 4,2 no Ideb de 2021 (3,9 na rede pública); o ensino fundamental 2, 5,1 (4,9) e o fundamental 1, 5,8 (5,5).
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Por mais entusiasmo que a introdução do Ideb tenha causado à época, já havia então alertas de que as metas tinham de estar em sintonia com ações capazes de torná-las exequíveis. É o que dizia Célio da Cunha, doutor em educação e assessor da Unesco.
“É preciso melhorar a infraestrutura das escolas, investir na formação do corpo docente, cuidar de todos os fatores associados ao sucesso do ensino” (revista Educação, maio de 2007).
Sem dúvida, o índice não é milagroso. Havia e ainda há muito mais a fazer. Francisco Soares, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela condução do processo de avaliação, lembra desde sempre que, por mais furos que pudesse ter o indicador, ele representava uma informação relevante para redes e escolas conhecerem a aprendizagem de seus alunos.
Hoje, Chico Soares defende que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) tem de levar em conta, em primeiro lugar, novas descobertas científicas sobre o processo de aprendizagem, vide artigo recente de sua autoria (Inovar nas avaliações para melhorar o ensino e a aprendizagem, veiculado em Educação em pauta 2022: Desafios para a Educação Básica no Brasil, publicação da OEI).
Tratando especificamente de avaliar melhor a competência leitora, base para todo o ensino, o ex-presidente menciona questões como as descobertas em relação ao papel da memória e a nova visão da ciência cognitiva. Em resumo bastante simplificado, trata-se da constatação de que a memória de trabalho (ou de curto prazo) retém informações por um tempo limitado, não as transformando em aprendizado. Isso só se dá, segundo os autores Kirschner, Sweller e Clark, com a ativação da memória de longo prazo, por meio da exposição contínua do indivíduo ao mesmo objeto de aprendizado. Ou seja, a repetição de um mesmo conteúdo ou variações dele é o que garante o entendimento e sua fixação efetiva.
Chico Soares defende também a adoção do modelo de Planejamento Centrado em Evidências, que permite que a “avaliação da aprendizagem pode ser planejada de tal modo que permita, com as respostas dos estudantes aos itens dos testes e outros instrumentos, fazer afirmações sobre seu domínio em alguma competência específica”.
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Para isso, tem de haver forte coesão entre o que estudar, como ensinar e como avaliar. O artigo menciona três passos para esse caminho: é preciso determinar o sentido preciso das competências e o que se quer avaliar com cada uma delas; identificar as evidências de pesquisa que sustentem a etapa anterior; coletar evidências por meio do estabelecimento de textos adequados para os alunos.
Nos debates em torno do novo Ideb/Saeb, Chico orienta que os resultados da escala sejam agrupados em quatro níveis diferentes e que a nota dos ausentes entre no cômputo da escola, para que se evite que estas e as redes usem artifícios para que os alunos de mau desempenho não participem da prova e, com isso, prejudiquem a nota do município.
Ernesto Martins Faria, diretor do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) alerta inclusive que, por uma distorção provocada pelo medo de notas ruins, “o Ideb virou incentivo para matricular alunos de baixo desempenho em EJA”, a Educação de Jovens e Adultos. Na prática, isso pode levar ao abandono da vida escolar, pois o número de alunos aptos a cursar EJA só cresce, enquanto as matrículas decrescem.
Outro ponto de distorção da prova é que algumas avaliações têm se mostrado muito fáceis, não medindo efetivamente o que interessa, como no caso daquelas ministradas aos estudantes do 5º ano, coincidentemente a faixa com melhor desempenho e que obteve mais ganhos ao longo dos anos.
“Uma avaliação de sistema nacional não pode ter um número grande de alunos gabaritando a prova. Isso não é crível”, defende Martins Faria, para quem as provas deveriam trazer questões mais complexas, algumas delas abertas, e não todas de múltipla escolha. Esse modelo híbrido seria ancorado em recursos tecnológicos, podendo utilizar perguntas com mais de uma resposta, para aferir o raciocínio do estudante.
Mas, apesar da visão de que o indicador deve ser aprimorado, o diretor do Iede diz que não faria sentido mudá-lo totalmente, pois isso significaria perder um histórico importante em termos de comparabilidade de resultados.
“O Ideb tem de dialogar com o Saeb e as deficiências dele. Se a gente olha o efeito do Saeb entre 1997 e 2003, quando era amostral, e a partir da introdução da Prova Brasil e do Ideb, quando virou censitário [e atribuiu índices para escolas e redes], isso gerou mobilização, incentivo. A accountability [responsabilização] é importante para a gestão.”
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Para Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do Gepave (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Avaliação Educacional), o Ideb pode não ser o indicador ideal, mas cumpre bem sua função. A principal virtude do Ideb é o fato de ser um indicador simples, fácil de ser entendido, portanto, acessível a professores e gestores.
“O maior desafio é fazer com que os resultados sejam utilizados pelas escolas. Os professores aprendem muito pouco sobre avaliação. E, quando você analisa as notas das provas padronizadas e aquelas atribuídas pelo docente, é comum haver um descompasso, pois na escola levam-se muito em conta os fatores comportamentais. Os bonzinhos que não aprenderam acabam sendo bem avaliados”, destaca.
Assim como Francisco Soares, Ocimar Alavarse também enfatiza a importância da interpretação pedagógica dos resultados. Só que acredita que o problema não esteja no índice, mas em questões como infraestrutura escolar e formação docente, que não têm permitido aproveitar melhor as informações geradas ao longo desses anos.
Ocimar sugere duas mudanças: a primeira delas é expressar o resultado da prova por meio de faixas ou intervalos de aprendizagem e não de uma escala contínua de 0 a 500. Isso porque, explica, todo instrumento de medição tem uma margem de erro, que não é fixa. Então, às vezes é difícil dizer que o aluno ou a escola atingiu 215 pontos. Seria melhor situá-lo na faixa de 200 a 225. A outra sugestão se refere ao estabelecimento de metas futuras.
“Elas poderiam ser ajustadas a cada edição, por meio dessas faixas, isso seria melhor para a escola se olhar em relação à meta.”
Com ou sem ajustes no indicador, o mais importante agora é criar as condições objetivas para que professores, escolas e redes consigam trabalhar em melhores condições. Sem pandemia e sem professores ameaçados. (RB)