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A pesquisa sempre esteve presente na escola. Desde a época das exaustivas cópias em folhas de papel almaço, quando o que valia era a extensão do trabalho, a letra legível, o capricho da capa e a pontualidade na entrega. Pouco ou nenhum interesse havia se […]
Publicado em 01/03/2023
A pesquisa sempre esteve presente na escola. Desde a época das exaustivas cópias em folhas de papel almaço, quando o que valia era a extensão do trabalho, a letra legível, o capricho da capa e a pontualidade na entrega. Pouco ou nenhum interesse havia se algo daquele extenso trabalho havia feito algum sentido para o aluno. Se havia aprendido a matéria, tampouco aprendido a pesquisar. Segundo Wagner Dias, doutor em didática pela Université Laval, no Canadá, os estudantes não recebem as orientações adequadas para a realização de uma pesquisa, tampouco o acompanhamento necessário, como se já soubessem pesquisar. Muitas vezes, a pesquisa é um dos instrumentos de avaliação do bimestre, ou uma complementação do conteúdo ministrado em sala de aula. Há casos em que é solicitado para que o aluno tenha contato com um tema, um assunto que o professor não teve tempo hábil para desenvolver em sala, explica.
Andressa, de 15 anos, aluna do 1º ano do ensino médio de uma escola particular em São Paulo, queixa-se da falta de planejamento dos professores na escolha dos temas a serem pesquisados. Ela explica que a maioria dos alunos consulta as mesmas fontes e os trabalhos apresentados ficam muito parecidos, o que torna o conteúdo desinteressante e sem sentido.
“O professor precisa saber se o tema da pesquisa possibilita que os alunos percorram caminhos diferentes, que apresentem olhares variados, para que haja troca e complemente o que já foi estudado em sala e que assim percebam o sentido de pesquisar”, reflete.
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Wagner, que também é doutor e mestre em ciências humanas/educação pela PUC-Rio, afirma que quando o aluno pesquisa algo que é do seu interesse, a tendência é que se envolva de modo mais rico no processo, por isso sugere que professores proponham temas sobre os quais os alunos tenham curiosidade. “A pesquisa é muito mais interessante quando visa responder a uma dúvida real do aluno e não apenas cumprir uma tabela curricular”, ilustra.
Wagner ensina uma estratégia para que o aluno não se limite apenas a copiar e colar o texto na hora de pesquisar, que é exigir que ele se posicione criticamente sobre o assunto. “Tenho defendido a ideia de que a pesquisa escolar tenha como objetivo primeiro despertar no aluno um senso de curiosidade e de criticidade que fará com que ele desenvolva seus raciocínios com base nas fontes consultadas”, aponta Wagner, que se dedica ao estudo do plágio acadêmico e às questões relacionadas à formação de professores, autoria, leitura e escrita na escola.
A questão da cópia/plágio no ensino fundamental e médio não parece ser um problema. Para Wagner, a questão do plágio escolar está no apagamento da voz do aluno, que deveria ser autor de seus discursos, camuflando-se e tornando-se mero repetidor de ideias. Estudantes copiam porque não sabem fazer pesquisa, mudam a forma de escrever, sem citar de onde retiraram a informação, a famosa paráfrase, diz.
“O que os alunos não sabem é que toda ideia oriunda de outrem, ainda que reescrita com suas próprias palavras, deve ser referenciada.”
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ensinar a pesquisa na escola implica o desenvolvimento da própria intelectualidade, de um exercício crítico-reflexivo que demanda uma aprendizagem ativa e, assim, exige daquele que pesquisa as capacidades de analisar, comparar, refletir, levantar hipóteses, estabelecer relações, sintetizar, generalizar etc. Nessa perspectiva, é preciso que seja compreendido também como uma aprendizagem a ser desenvolvida. O mais importante é que os estudantes se reconheçam não como meros consumidores de conhecimento, mas como sujeitos capazes de produzi-lo também.
A aluna Andressa conta que na sua escola há professores que dão nota máxima mesmo quando a pesquisa está quase idêntica ao site ou livro pesquisado, mas há outros que exigem que o aluno tente escrever com suas próprias palavras. Aliás, tema delicado, assim como seus colegas de classe, Andressa assume que escrever um texto 100% seu é ainda muito difícil. “Plagiar tira do estudante a possibilidade de criar, de dialogar, de construir, com base no que leu de terceiros e, ao professor, cabe verificar o plágio, pois é um ato educativo”, afirma Wagner.
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O aluno chega ao ensino superior com dificuldade em interpretar e produzir textos, escrever com clareza e objetividade. É necessário fazer um levantamento dos conhecimentos prévios. O que ocorre é que muitos estudantes prosseguem nesse processo, vão sendo aprovados e recebem um diploma, incapazes de se expressar com as próprias palavras.
Fabio Cunha, professor de metodologia da pesquisa no Centro Universitário Fieo (Unifieo), encontra no ensino superior uma defasagem enorme nos alunos em relação à pesquisa. “Na universidade, as aulas de metodologia da pesquisa partem do básico, pois os alunos não sabem pesquisar e inserir o conteúdo num trabalho de forma a não ser tornar plágio.” O professor explica que há vários aspectos envolvidos, desde a leitura, interpretação de texto até a síntese com o discurso do próprio discente. “Percebemos que os alunos que gostam de ler desde a época da escola, independentemente do gênero literário, são os que no decorrer do ano, já na graduação, possuem um desempenho melhor nas pesquisas, tanto na interpretação dos textos quanto na escrita.”
Ele acredita que a escola deveria introduzir os conceitos básicos da pesquisa para que ao chegar à universidade o aluno pudesse partir para a prática da pesquisa científica, cuja base é a mesma e é utilizada em toda a sua trajetória acadêmica.
É papel do professor ensinar o aluno a discernir o que é um site confiável e técnico de um site de opiniões, sem argumentação científica crível, que os conteúdos e materiais disponibilizados na internet não são públicos, que possuem um dono e que é preciso respeitar autorias, que o roubo de ideias, grosso modo, é crime, afirma Wagner.
“O desafio é fazer com que a pesquisa encante o aluno. Precisamos discutir mais sobre o tema, oferecer formações continuadas para ensinar a pesquisar; preparar os futuros professores para lidar com o ensino da pesquisa na escola. O plágio, ou a cópia, é apenas uma ponta deste iceberg”, finaliza Wagner.