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O Brasil tem pressa por uma educação integral, em tempo integral. Os estudantes que estão hoje na escola não podem esperar por políticas de melhoria apenas no longo prazo. À dívida histórica, por conta da oferta de uma educação de pouca qualidade, somaram-se dois anos […]
Publicado em 08/09/2023
O Brasil tem pressa por uma educação integral, em tempo integral. Os estudantes que estão hoje na escola não podem esperar por políticas de melhoria apenas no longo prazo. À dívida histórica, por conta da oferta de uma educação de pouca qualidade, somaram-se dois anos de estudos extremamente precários por causa da pandemia de covid-19. Há muito por fazer. A pressa, contudo, não justifica qualquer resposta. A educação integral só é de fato integral se for oferecida com qualidade, levando em conta o desenvolvimento cognitivo, social, emocional, cultural e físico dos estudantes.
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O novo programa do Ministério da Educação (MEC), anunciado em maio e tendo sua definição promulgada em julho, promete aumentar o número de vagas em tempo integral em 1 milhão já no próximo ano letivo. Estados, Distrito Federal e municípios podem entrar por adesão. As inscrições abriram em 2 de agosto e, duas semanas depois, 59% das unidades da federação (16 estados) e 49% dos municípios (2.745) já haviam aderido ao programa.
A verba pode ser usada para a melhoria de diversos aspectos das escolas como infraestrutura, material didático, atividades complementares e formação, conferindo flexibilidade às redes. Elas vão receber a verba antes, para fazer as mudanças necessárias, e, após o registro das matrículas em tempo integral no Censo Escolar do ano seguinte, as matrículas terão manutenção garantida com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
“O programa é uma estratégia de fomento, trazendo recurso novo para amparar a organização das redes de ensino”, explicou o MEC à reportagem. Portanto, não cabe ao ministério decidir como a verba será usada, nem as características mínimas para as escolas de tempo integral para além das sete horas mínimas de atividades.
Vitor de Angelo, presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação) e secretário do Espírito Santo, afirma que as escolas em tempo integral hoje são melhores que as demais por terem projetos pedagógicos diferenciados.
“As pesquisas disponíveis mostram que as escolas de tempo integral têm uma performance em termos de indicadores educacionais melhor do que as escolas de tempo parcial, tanto pela simples ampliação da jornada, como pelo fato de que, tendo mais horas, é possível às redes desenvolver atividades curriculares diferenciadas, de maior impacto na aprendizagem dos estudantes e na diminuição da evasão e do abandono.”
Ele elogia o programa, até porque foi desenhado depois de consulta do MEC ao Consed. Para Vitor de Angelo, o dinheiro extra deve ajudar nos desafios de infraestrutura que as redes enfrentam. Ele reconhece, porém, que nem tudo será resolvido prontamente. “Há muitas situações em que as unidades escolares são utilizadas nos três turnos ou em dois turnos, o que dificulta a ampliação da jornada”, cita.
De fato, há uma desigualdade enorme em termos de oferta de escolas em tempo integral. O ensino médio de Pernambuco, por exemplo, já tem 62% das matrículas em tempo integral. Tendo isso em conta, o MEC diz ter elaborado o programa com mecanismos para equalizar as oportunidades e levar educação integral a quem mais precisa. “Os valores que cada uma pode receber são diferentes, justamente para apoiar quem está mais distante da meta e tem menor capacidade de financiamento, mas vamos incentivar a manutenção de quem já vem fazendo com recursos próprios”, explicou o MEC em nota.
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Pilar Lacerda, pesquisadora associada da Fundação Getulio Vargas (FGV), apesar de aprovar a proposta, lembra que não se trata de uma panaceia. “Alguns pequenos municípios ficaram frustrados. Eu acompanho um bem pequeno, em Minas Gerais, que tem um projeto lindo de cidade educadora. Eles têm 600 alunos no total, mas, pelos critérios, só vão receber a verba extra por 20 matrículas. E só hoje, já são 180 no integral”, cita. Ainda que aquém do esperado, garante que os novos recursos serão bem-vindos.
A professora, que já foi secretária da Secretaria de Educação Básica do MEC e hoje é membra do Centro de Referências em Educação Integral, lembra que o Brasil tem boas experiências com o ensino integral desde os anos 1940, mas que o viés excludente da educação brasileira sempre prevaleceu, tornando as escolas integrais um direito para poucos. Portanto, o desafio que se impõe neste momento é aumentar sim a oferta, mas com projetos coerentes.
“Há um consenso: mais tempo na escola importa. Mas o que não é consenso: o que fazer nesse tempo a mais. Se houver mais um milhão de estudantes em tempo integral na escola, será ótimo. Mas é preciso também que estejam em projetos transformadores”, afirma.
Pilar Lacerda defende que o MEC fez certo ao deixar as propostas para as redes municipais e estaduais. “O papel constitucional é estimular, prestar assistência técnica e financeira. O MEC não tem braços nem poder legal para definir modelos pedagógicos”, ressalta. Contudo, a pesquisadora orienta que a meta deve ir além da oferta de sete horas de atividade. O objetivo precisa ser criar escolas contemporâneas, inclusivas, sustentáveis, que busquem a equidade, envolvam a comunidade, claro, sem perder o foco das aprendizagens.
Portanto, não basta oferecer mais aulas por dia, no mesmo formato de sempre. E cada local terá seu próprio jeito de fazer. “A primeira questão é a escola olhar para fora, chamar a comunidade para participar e conversar sobre o projeto pedagógico. Não adianta chamar pais e mães só pra reunião e dar notícia ruim, isso não agrega”, diz Pilar Lacerda.
Fazer com que as crianças, adolescentes e jovens passem mais tempo dentro da escola depende ainda de questões extra-escola, lembra Fernando Solano, professor do Instituto Singularidades e da rede municipal de ensino de São Paulo. Solano tem receio se os gestores estão preparados para como se dará o financiamento no longo prazo.
“Muitas vezes as fórmulas parecem ser um engodo para o gestor. Algumas escolas aderiram a programas estaduais de tempo integral, mas, ao ampliar o tempo de permanência, precisaram diminuir a quantidade de alunos na unidade. Como a verba é per capita, quando se reduziu a quantidade de alunos, caiu o valor total da verba da escola”, explica.
Outro ponto-chave para o sucesso será a capacidade de deixar os professores preparados para trabalhar com estudantes que ficam o dia inteiro dentro da escola. “Vamos precisar de formação continuada em serviço, formar os professores para que consigam atuar no sentido de uma educação integral, consigam abordar questões mais amplas para além dos conteúdos a que estão acostumados. Educação integral deve ter outra perspectiva, uma que coloca o aluno no centro do processo, que visa desenvolvê-lo de forma plena”, completa.
A meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece a oferta de “educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica”. Mas, em vez de avanços, o país chegou a registrar retrocessos nessa meta. O Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE 2022 mostrou que o percentual de matrículas em tempo integral na rede pública brasileira, em vez de aumentar, caiu de 17,6%, em 2014, para 15,1%, em 2021.
O Programa do MEC prevê a ampliação de 1 milhão de novas matrículas em tempo integral em 2024. 3,2 milhões até 2026.