NOTÍCIA
Estudante do 5º ano do ensino fundamental, Antônio (identidade ocultada) vinha frequentando a escola regularmente nos dois primeiros meses do ano até que, sem qualquer explicação, passou a faltar às aulas. Uma ausência que, de imediato, mobilizou os profissionais de uma escola municipal da zona […]
Publicado em 22/12/2023
Estudante do 5º ano do ensino fundamental, Antônio (identidade ocultada) vinha frequentando a escola regularmente nos dois primeiros meses do ano até que, sem qualquer explicação, passou a faltar às aulas. Uma ausência que, de imediato, mobilizou os profissionais de uma escola municipal da zona leste de São Paulo, que adotaram uma série de protocolos para falar com a família do menino sobre a razão da infrequência e evitar que o problema evoluísse para um caso de evasão escolar.
Leia também
Avança incentivo financeiro para estudantes do ensino médio
Direção escolar impacta a aprendizagem do estudante
Coube a Tamires Gonçalves, que integra o projeto Mãe Guardiã — iniciativa da prefeitura de São Paulo em parceria com o Unicef que oferece oportunidade de trabalho e bolsa-auxílio que chega a 1.386 reais para mães de alunos da rede municipal de educação, e cujo objetivo é a permanência e o sucesso escolar dos estudantes —, a missão de se encontrar com a família da criança. “Fui até o endereço dele, mas não o encontrei. Quando questionei os vizinhos, me disseram que não o conheciam”, lembra, mencionando serem problemas comuns a dificuldade de encontrar famílias que vivem em comunidades sem um logradouro reconhecido oficialmente e o temor de pessoas próximas em se envolver nessas histórias.
“Como eu sabia que, talvez, eles não quisessem se envolver, mas tivessem contato com a mãe do Antônio, deixei meios para que entrassem em contato”, conta. “No dia seguinte, a mãe dele ligou. Ela explicou que morava em uma ocupação e estava sem água em casa há alguns dias e, por isso, não havia mandado o filho para a escola. Mas, agora, a situação estava normalizada”, recorda, comemorando que o simples fato de ter demonstrado alguma preocupação por aquela criança tenha bastado para contornar o problema, o que, para ela, é sinal da eficácia da ação de busca ativa — como é chamada a estratégia que visa identificar, localizar e resgatar crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão escolar, garantindo o seu direito à educação.
A exemplo do relato de Tamires, as mães guardiãs atuam nas escolas municipais apoiando as ações de busca ativa dos estudantes. E para fortalecer os vínculos familiares, a promoção dos direitos humanos e o cumprimento dos protocolos sanitários. Isso contribui para o enfrentamento do problema de exclusão educacional que assola o país, afetando milhões de crianças e adolescentes que não frequentam ou estão em risco de abandonar a escola. “A minha motivação para fazer esse trabalho, além de ser uma fonte de renda, é saber que estou contribuindo para frear essa fuga de crianças da escola”, orgulha-se. Tem consciência de que a ação é fundamental diante dos impactos da exclusão escolar, que vão além dos prejuízos à aprendizagem, afetando também a saúde, a renda, a cidadania e a proteção das crianças e adolescentes.
Segundo o Censo Escolar de 2022, 1,4 milhão de crianças e jovens entre quatro e 17 anos não estão matriculados em nenhuma instituição de ensino.
Chefe do escritório do Unicef de São Paulo, Adriana Alvarenga reconhece que há uma forte relação entre a evasão escolar e a pobreza, afetando principalmente os alunos do ensino médio. Ela lembra que muitas crianças e adolescentes deixam a escola porque precisam trabalhar para ajudar no sustento da família ou cuidar de parentes, geralmente irmãos mais novos que não são assistidos em creches. Além da questão econômica, Adriana cita também a pedagógica, que diz respeito a fatores que influenciam a aprendizagem, como a qualidade da educação e o interesse dos alunos, que foram prejudicados pela pandemia, quando escolas ficaram fechadas e não foram oferecidas alternativas adequadas para o ensino online.
Na mesma linha, o professor Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, ONG que desenvolve estudos e projetos com foco na equidade e qualidade na educação pública, também sustenta que estas são as duas razões fundamentais pelas quais crianças e adolescentes deixam as escolas. “No caso das crianças em situação de vulnerabilidade, uma forma de lidar com essa questão seria a implementação de políticas de renda cidadã”, indica.
Já a segunda razão, diz, tem a ver com a ação da escola que acaba excluindo determinadas crianças e adolescentes do ambiente escolar, sendo a reprovação a mais óbvia forma de isso acontecer. “Trata-se de uma medida que afeta a autoestima e a adaptação social dos estudantes, levando ao abandono escolar”, explica, acrescentando que o preconceito em relação à orientação sexual e ao racismo também favorecem a infrequência e a dificuldade de aprendizagem, que levam à reprovação e, posteriormente, à evasão e abandono escolar.
Leia também
Gincana da Jornada X combate evasão escolar e fortalece saúde emocional de jovens em Caruaru
Para enfrentar o desafio da exclusão escolar, Adriana Alvarenga destaca algumas iniciativas que o Unicef desenvolve em parceria com o poder público e com outros setores da sociedade. Entre elas, a estratégia da busca ativa, adotada em diversos municípios brasileiros, que consiste em identificar as crianças fora da escola ou em risco de evasão e acionar os serviços responsáveis por resolver as causas que impedem a sua permanência na escola. Essa ação envolve desde o prefeito da cidade até profissionais da saúde, assistência social, educação e direitos humanos.
Ela fala do sistema que permite que os profissionais registrem sinais de alerta quando encontram uma situação de exclusão escolar, informações compartilhadas com os demais serviços. Por exemplo, se um agente de saúde visita uma família e descobre que uma criança está fora da escola, dá o sinal de alerta no sistema e a escola é informada. A escola verifica o que está faltando para que a criança volte a estudar e, se necessário, aciona outros serviços, como a assistência social. Assim, a criança recebe o apoio necessário para retornar ao sistema de ensino.
“A implementação dessa tecnologia exige que todos os envolvidos tenham sempre muito cuidado para não fazer uma leitura imediatista e simplista. E para que tentem compreender o todo e, assim, agir adequadamente. Existe um rol de questões sociais que precisam ser consideradas quando estamos falando do enfrentamento da exclusão escolar”, sinaliza Leila Costa, que atua há 18 anos como assistente social em escolas da rede municipal de educação de Maceió.
“Às vezes, na busca, esbarramos com alguns impasses, como crianças com algum comprometimento e responsáveis resistentes em aceitar essa questão, que pode ser uma neurodivergência, como TDAH e autismo. Então, não bastaria encaminhar a criança para o atendimento sem sensibilizar os responsáveis por elas”, pontua, acrescentando que, em outras ocasiões, a infrequência pode ter relação com alguma questão familiar, como um contexto de mãe solo. Há também casos de estudantes que presenciam atos de violência no próprio bairro, diante de conflito entre facções, ou violência doméstica.
“No caso dos adolescentes, há também outros problemas que os afastam da escola, como o trabalho e a gravidez precoces. Por isso é importante trabalhar o tema da educação sexual em sala de aula, quando devemos falar sobre a dignidade menstrual, evitando que meninas deixem de ir à aula por falta de absorventes”, completa Leila.
Como a busca ativa é uma estratégia importante para levar crianças e adolescentes de volta para a escola, o professor Romualdo de Oliveira pondera que, além dessa ação, é preciso combater as causas que geraram o abandono, seja por condições de vida ou no âmbito da escola. “Senão vamos apenas enxugar gelo”, alerta. Para que isso aconteça, defende uma série de medidas abrangentes, que passam pela criação de emprego e renda para os adultos e pela garantia do aprendizado de todos os estudantes, desenvolvendo estratégias pedagógicas variadas que dialoguem com as características de cada um. Neste ponto, destaca a importância da valorização dos professores, oferecendo-lhes boas condições de trabalho, salário e formação.
Outra questão abordada por Oliveira é a geração ‘nem-nem’, como são chamados os jovens entre 18 anos e 24 anos que não trabalham e nem estudam. Pondera que o problema tem a ver com a falta de perspectiva de futuro e de oportunidade para o jovem que termina o ensino médio e que não quer ou não pode ir para a universidade. Não é exatamente um problema educacional, o professor critica a estrutura de ensino que não apresenta uma alternativa de vida para essas pessoas, e sugere que é preciso garantir a profissionalização para todos que terminam o ensino médio, oferecendo cursos técnicos de boa qualidade que permitam a inserção digna no mercado de trabalho.
Pesquisa realizada pelo Ipec a pedido do Unicef, também de 2022, revelou que dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil — o que representa 11% do total da amostra pesquisada. Esses números evidenciam que o Brasil está longe de cumprir a meta de universalizar a educação básica, um direito fundamental e um investimento estratégico para o desenvolvimento das pessoas e da nação.
Este último levantamento indica algo que a mãe guardiã Tamires Gonçalves percebe no dia a dia: há um forte viés socioeconômico por trás das estatísticas de exclusão escolar. A pesquisa apontou que 48% dos respondentes deixaram de estudar para trabalhar fora e, 30%, por terem dificuldades de aprendizagem. Já 29% disseram ter desistido dos estudos porque, à época, a escola não havia retomado as atividades presenciais em decorrência da pandemia, 28% informaram que tinham de cuidar de familiares. Falta de transporte afetava 18%, a gravidez, 14%, e desafios por ter alguma deficiência excluíam 9%, enquanto 6% se afastaram devido ao racismo.
Revista Educação: referência há 28 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica