NOTÍCIA
protocolos claros sobre como fazê-lo adequadamente.
Por Gisele Alves*: Debates sobre a proibição do uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis no ambiente escolar foram reacendidos no Brasil recentemente em função de encaminhamentos do Projeto de Lei 104/15 e outras proposições que tramitam em conjunto sobre o mesmo assunto. As medidas do projeto, de interesse em discussão entre os especialistas de educação, governo e famílias, preveem proibição absoluta desse uso nos anos escolares iniciais e considera, para anos posteriores, o uso em sala de aula para finalidades estritamente pedagógicas.
Pesquisas recentes têm demonstrado que o uso excessivo de smartphones pode exercer um impacto negativo significativo em diversas áreas, incluindo habilidades cognitivas, como atenção e raciocínio, competências socioemocionais, especialmente no foco e na regulação emocional, além do desempenho acadêmico. Além disso, esse uso excessivo está frequentemente associado a prejuízos no sono e a problemas psicológicos, como ansiedade e depressão, que, por sua vez, também comprometem as funções cognitivas, socioemocionais e o desempenho escolar.
Com relação ao aprendizado, resultados do Pisa 2022 revelaram que 65% dos estudantes da OCDE relatam distrações por dispositivos digitais em aulas de matemática, com números ainda mais altos em países como o Brasil (acima de 80%).
Além disso, 59% dos alunos se sentem distraídos por colegas usando esses dispositivos, o que impacta negativamente o aprendizado. Estudantes distraídos podem perder o equivalente a três quartos de um ano letivo em desempenho em matemática.
Por outro lado, alunos que utilizam a tecnologia de forma moderada (uma a cinco horas diárias) para aprendizagem têm resultados melhores, enquanto os que passam mais de uma hora por dia em lazer digital apresentam queda significativa nas notas: aqueles que dedicam cinco a sete horas diárias a atividades de lazer digital têm, em média, 49 pontos a menos em matemática do que os que usam até uma hora, mesmo considerando fatores socioeconômicos (OCDE, 2024).
Resultados como estes ensejam reflexões de que o caminho a seguir no que diz respeito a proibição do uso de celulares na escola pode ser menos óbvio e simples do que parece. O objetivo de uma proibição do uso de celulares deve ser o de diminuir o uso inadequado desses dispositivos, como ferramentas para a prática de cyberbullying e incentivo para a interação social, e de barrar seus impactos negativos nos processos de aprendizagem, mas a proibição sozinha pode não significar melhora nesses aspectos de forma tão direta.
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De fato, estudos de metanálise mais recentes demonstraram efeitos positivos da proibição do uso do celular em sala de aula, porém com efeitos modestos. O estudo mais recente, por exemplo, apontou que em 53 de cada 100 escolas, alunos que não usam o celular em sala de aula apresentarão níveis maiores de bem-estar e de desempenho acadêmico do que aqueles que usam (Böttger, & Zierer, 2024).
Banir o uso pode melhorar o clima social e reduzir possíveis distrações na sala de aula, mas são necessárias mais pesquisas para compreender melhor os efeitos de longo prazo sobre o desempenho acadêmico em diferentes faixas etárias e contextos. Ainda, dificuldades inerentes à implementação de medidas de proibição necessitarão de atenção especial, para que os sistemas educacionais operem com protocolos claros sobre como fazê-lo adequadamente.
Seja com a proibição ou sem, fato é que a vida dos estudantes vai continuar — para sempre — permeada pelo uso desse tipo de dispositivo em outros contextos e esses alunos podem se beneficiar de instruções mais específicas sobre como impedir que o uso da tecnologia dificulte sua capacidade de foco e manejo de comportamentos impulsivos, se concentrando em atividades que se propõe a fazer mesmo frente a outras distrações e persistindo mesmo quando encontra dificuldades, por exemplo.
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Também, é necessário apoiá-los na regulação de suas emoções, seja para interagir com o outro de forma satisfatória, realizar trabalhos em equipe, ou para a vida em um mundo hiperconectado em que as mídias sociais podem representar mais pressão por reforçar estereótipos físicos, status e outros perigos.
Dessa forma, nota-se que concomitantemente com as restrições, deve-se orientar os estudantes sobre o uso responsável da tecnologia e a compreensão de seu potencial, até que idealmente uma proibição se torne desnecessária, pois o ambiente digital também pode oferecer oportunidades educacionais.
Por exemplo, quando crianças passam mais tempo de tela em conjunto com suas famílias ou outros adultos que participem dessas atividades, suas habilidades de alfabetização são mais beneficiadas do que quando elas o fazem sozinhas. Neste momento, é importante também destacar que medidas proibitivas isoladas e sem estratégias claras sobre o uso responsável pode aprofundar gaps socioeconômicos. É importante garantir que todos os estudantes também encontrem na escola o acesso às ferramentas e recursos digitais necessários, com suporte e supervisão adequados de adultos, conforme a faixa etária — o que pode significar para eles o único ambiente no qual esses recursos estarão disponíveis.
Por fim, o que os resultados de pesquisas demonstram sobre a implementação de políticas relativas à restrição do uso do celular é que ela é mais bem-sucedida na diminuição da distração digital e na promoção de um bom clima escolar quando a escola tem programas claros para orientar os estudantes no uso responsável da internet, quando os professores estabelecem as regras sobre o uso de recursos digitais na escola ou em sala de aula em colaboração com seus estudantes e quando os professores possuem as habilidades técnicas e pedagógicas necessárias para integrar aparelhos digitais nas suas aulas (OCDE, 2024).
Esses fatores combinados serão capazes de promover um ambiente de aprendizagem mais equilibrado, em que a tecnologia pode ser utilizada como aliada no desenvolvimento integral dos estudantes.
OCDE (2024). Students, digital devices and success. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/9e4c0624-en.pdf?expires=1733509673&id=id&accname=guest&checksum=DD3C222D21993CE59B4CB14726011771
Tobias, Böttger., Klaus, Zierer. (2024). To Ban or Not to Ban? A Rapid Review on the Impact of Smartphone Bans in Schools on Social Well-Being and Academic Performance. Education Sciences, 14(8):906-906. doi: 10.3390/educsci14080906
Oluwafemi, J., Sunday., Olusola, Adesope., Patricia, Maarhuis. (2021). The effects of smartphone addiction on learning: A meta-analysis. 4:100114-. doi: 10.1016/J.CHBR.2021.100114
Gisele Alves é gerente executiva do eduLab21, laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna. Chairholder da Cátedra Unesco de Educação e desenvolvimento humano na mesma instituição. Psicóloga, mestre em psicologia com ênfase em avaliação psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Consultora em avaliação psicológica, construção de instrumentos, adaptações transculturais e treinamento na área de avaliação psicológica.
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