NOTÍCIA
Temos de aceitar a realidade de que jamais teremos profissionais prontos para desempenhar com excelência seu papel
Publicado em 25/04/2016
ENSAIO | Edição 208
Que a qualidade da educação está intimamente ligada à formação do educador ninguém mais duvida. Assim, aqui nos cabe retomar a questão levantada por teóricos como Maurice Tardif sobre os saberes dos professores. Segundo ele, para além e antes dos saberes provenientes da formação profissional para o magistério, há saberes pessoais (advindos da família, do ambiente em que se vive) e saberes construídos nos primeiros anos de escolaridade (caso da Educação Infantil e da Educação Básica no Brasil). Há ainda outros conhecimentos determinantes advindos de programas pedagógicos e materiais didáticos (livros, apostilas, fichas, exercícios, fichas e atividades trocadas entre pares), além dos saberes produzidos a partir de reflexões e de atuações como a própria experiência profissional.
Visto por esse prisma, discutir o currículo dos cursos universitários representaria apenas um quinto de toda a problemática que envolve a formação docente. Nenhum curso do ensino superior daria conta da formação ideal, porque tal formação precede a academia. Temos de aceitar a realidade de que jamais teremos profissionais prontos para desempenhar com excelência seu papel, a menos que passemos boa parte da formação do professor para dentro da escola. Isso implicaria darmos conta de duas pontas do processo.
A primeira: lecionar exige muito esforço e contato físico como resposta imediata aos acontecimentos que se sucedem no corpo a corpo escolar, na ponte entre o conhecimento e as mentes de uma nova geração. A segunda: o processo educativo tem como um de seus pressupostos a necessidade de pensar filosoficamente sobre o modus operandi do ser humano e de sua relação com o ensino.
Para que haja operacionalização de um sistema que priorize esses aspectos, é preciso expandir a noção de ensino para além de questões puramente didáticas ou pedagógicas. A situação exige uma análise mais ampla, além da identificação de caminhos pluridiferenciados para a formação dos trabalhadores escolares e o desenvolvimento de competências imprescindíveis em dias de mundo globalizado.
Não devemos pensar só nos deveres dos docentes, mas também no papel das escolas onde eles atuam. Precisamos de escolas que fundamentem professores e alunos para que sejam capazes de conquistar sua própria autonomia. E acreditamos que a educação para a autonomia só se viabiliza pela construção de uma escola que leve alunos e professores a refletirem sobre o poder da cidadania ampliada, marcada pela interiorização dos direitos humanos. Como diz Olivier Reboul, na escola deve ser ensinado tudo o que une (a língua, as artes, o movimento, os jogos) e tudo o que liberta (a aquisição do conhecimento, o despertar do espírito científico, a capacidade de julgamento próprio).
Estamos aqui a discorrer então sobre com o que as escolas – e os professores dentro delas – devem se preocupar: em pautar o trabalho de forma a eleger, elaborar e consolidar conteúdos que possibilitem aos alunos ler com clareza a realidade na qual estão inseridos e compreender a sofreguidão das relações societárias. Assim, estaríamos assegurando o pensamento colocado por Phillipe Meirieu, quando afirma que “a função fundamental da escola é transmitir às jovens gerações os meios de assegurar, ao mesmo tempo, seu futuro e o futuro do mundo”.
Dessa maneira, jamais a caminhada será solitária. Existirá sempre, na formação docente e na experiência escolar em si, a organização de um projeto de vida a ser desenvolvido com competência por aqueles que sabem ser a escola o local onde, como afirma Assmann, “vida e aprendência são, no fundo, a mesma coisa”.